Doria sugere que Bolsonaro unirá esquerda e direita
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Em entrevista por videoconferência ao Valor, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirma que as atitudes do presidente Jair Bolsonaro estão levando à convergência de um “centro democrático”, fora dos extremos da direita e da esquerda.
“Esse diálogo só cresceu e se tornou mais aprofundado dadas as circunstâncias e à contribuição do presidente Jair Bolsonaro. Ele acabou aproximando e permitindo um diálogo mais constante e produtivo, a meu ver, entre as forças democráticas mais à esquerda, mais à direita, dentro desta visão do que chamo de centro democrático.”
Doria justifica seu rompimento político com Bolsonaro pelo personalidade autoritária do presidente. “O presidente Jair Bolsonaro é um autoritário. Ele não tem ímpetos autoritários, ele é autoritário”, afirmou. O tucano disse que não poderia falar sobre a posição do PSDB em um eventual impeachment de Bolsonaro, mas que a questão pode ser colocada a médio prazo.
“Entendo que, no âmbito da classe política, avaliações desta natureza devem ser colocadas logo após essa fase mais aguda da pandemia. Dizem os cientistas que, quem sabe em agosto, uma situação de controle da pandemia, com curvas mais achatadas. Aí, sim, será o momento, eu diria, de retomar certas questões políticas.”
Eleito em 2018 governador de São Paulo na onda da extrema-direita que colocou Bolsonaro no poder, Doria tentou justificar seu afastamento tardio do presidente. “Certamente não foi apenas o meu caso, talvez o de muitos outros que votaram em Jair Bolsonaro que tiveram essa mesma percepção, e não foi preciso muito tempo. Análise de atitudes, palavras, gestos, condutas, comportamentos que relegam a história, negam a história, e demonstram claramente uma atitude autoritária”, enfatizou.
Segundo o governador paulista, durante a campanha eleitoral de 2018 Bolsonaro não deixava claro esses traços autoritários.
“A defesa de um programa liberal, as defesas apresentadas por ele durante a campanha não faziam nenhuma referencia à ditadura, ao militarismo, ou a essa visão autoritária. Tenho certeza de que se isso tivesse ocorrido, certamente milhões de brasileiros teriam repensado e reavaliado o seu voto.”
Doria avisa que a aproximação entre as diversas alas do centro pode ter desdobramento em aliança eleitoral. A aproximação dessas correntes de centro, segundo Doria, será um saldo positivo na política no pós-pandemia. “Teremos, a meu ver, um centro democrático fortalecido ao término desta crise”, afirmou.
O governador frisa que essa afinidade do centro democrático, em reação ao autoritarismo de Bolsonaro, pode sim render frutos eleitorais futuros, mas ressalva que o debate é prematuro. “Agora é hora de concentrar todas as atenções na saúde e proteção de vidas,não é hora para debate institucional, eleitoral ou político, mas no momento oportuno isso será contributivo para os processos futuros no âmbito eleitoral e de proteção à democracia no Brasil”, disse.
A seguir, seguem os principais tópicos da conversa de Doria com o Valor, que aconteceu na noite de anteontem:
“Entendo que neste exato momento, vivendo o enfrentamento da pandemia, todos nós temos que estar concentrados em salvar vidas. Eu não creio que a agenda política, neste momento, deva se sobrepor à agenda de proteção à vida. É um erro qualquer vinculação de ordem política. Evidentemente, aqui, eu salvaguardo os direitos constitucionais e a obediência à Constituição. Nada pode vilipendiar a Constituição e obviamente nenhum crime se justifica mesmo diante de uma pandemia. Mas entendo que, no âmbito da classe política, avaliações desta natureza devem ser colocadas logo após essa fase mais aguda da pandemia. Dizem os cientistas que, quem sabe em agosto, uma situação de controle da pandemia, com curvas mais achatadas. Aí, sim, será o momento, eu diria, de retomar certas questões políticas.”
“O presidente Jair Bolsonaro é um autoritário. Ele não tem ímpetos autoritários, ele é autoritário. Medidas constitucionais e legislativas em relação a ele, que competem ao Congresso, devem ser avaliadas pelo Congresso, pelo Supremo e, no caso específico do PSDB, pelo presidente do partido, Bruno Araújo.”
“Os governadores têm dialogado constantemente, diariamente. Nunca os governadores dos Estados brasileiros foram tão unidos como estão agora. Muito se deve ao próprio antagonismo do presidente Jair Bolsonaro, que insiste em atacar, sistematicamente, os governadores de Estados por medidas corretas que têm adotado na proteção de vidas. O diálogo é constante, bom e saudável, mesmo com diferenças ideológicas e de partidos. É um diálogo que tem funcionado bastante bem e com muita constância entre governadores.”
“Houve um impulso para esta visão, que se afasta dos extremos, tanto de extrema direita quanto da extrema esquerda. Para que não haja dúvida, não me refiro aqui ao Centrão, mas sim a um centro democrático que permite diálogo com partidos de esquerda e de direita, que estabelece claramente um distanciamento da extrema esquerda e da extrema direita. Esse diálogo só cresceu e se tornou mais aprofundado dadas as circunstâncias e a contribuição do presidente Jair Bolsonaro. Ele acabou aproximando e permitindo um diálogo mais constante e produtivo, a meu ver, entre as forças democráticas mais à esquerda, mais à direita, dentro desta visão do que chamo de centro democrático. É o que exercito. Não sou de direita nem de esquerda, sempre me declarei uma pessoa de centro, com capacidade de dialogar com a esquerda e a direita. Vários outros governadores, e prefeitos, têm se incorporado neste bom diálogo. Do ponto de vista democrático, essa será uma contribuição dessa pandemia, desta crise econômica, social, de saúde e política. Teremos, a meu ver, um centro democrático fortalecido ao término desta crise. E isso poderá ser bom para o debate democrático.”
“Certamente não foi apenas o meu caso, talvez o de muitos outros que votaram em Jair Bolsonaro e tiveram essa mesma percepção. Não foi preciso muito tempo. Análise de atitudes, palavras, gestos, condutas, comportamentos determinaram uma visão bastante clara de um presidente autoritário, que acredita que o Brasil não teve ditadura militar, não houve sevícias, não houve tortura no Brasil durante a ditadura. Atitudes que relegam a história, negam a história, e demonstram claramente uma atitude autoritária. Eu lamento isso. Não torço pelo mal do Brasil e nem pelo fracasso de ninguém, sobretudo do presidente do meu país. Mas verifiquei claramente a desafeição e o desapreço pela democracia, os ataques ao Supremo Tribunal Federal, os ataques ao presidente da Câmara Federal, as manifestações desairosas em relação ao Congresso, os ataques à imprensa e aos jornalistas, individualmente. Isso reproduz um conjunto de desapreço aos valores democráticos que representam instituição importante num país que já viveu um regime ditatorial e medidas autoritárias num passado não tão remoto. Lamento que o presidente Bolsonaro tenha feito essa opção depois de ter sido eleito democraticamente por 58 milhões de brasileiros. A defesa de um programa liberal, as defesas apresentadas por ele durante a campanha não faziam nenhuma referencia à ditadura, ao militarismo, ou a essa visão autoritária. Tenho certeza de que se isso tivesse ocorrido, certamente milhões de brasileiros teriam repensado e reavaliado o seu voto Entendo que o Brasil deverá reagir a isso no momento certo. Eu já reagi.”
“Vejo o ex-ministro Sergio Moro como um grande brasileiro e um grande patriota. É um homem correto, honesto, ajudou a transformar o Brasil. Na liderança do processo da Lava-Jato, ajudou o país a escrever uma nova história, com justiça e com honestidade. Sou e continuo sendo um profundo admirador de Sergio Moro. Não vejo, não sinto no ex-juiz e ex-ministro uma propensão, um desejo de militar na vida política como candidato. Ele tem todo direito de fazê-lo. Mas não vi, não li, nenhuma manifestação, nenhuma indicação de que ele possa seguir uma trajetória eleitoral. Entendo que ele está de quarentena para poder, a partir daí, se manifestar sobre o que desejará fazer.”
“São Paulo liderou a economia brasileira em 2019 e vai liderar em 2020, mesmo diante de uma situação tão dramática. São Paulo continuará sendo líder no plano industrial e no plano comercial e mesmo no setor de serviços, ajudando o Brasil. Vale lembrar que em 2019 São Paulo fez 2,9% de crescimento de seu PIB, no primeiro ano de governo fizemos quase que três vezes o crescimento do Brasil. Vamos fazer isso no ano de 2021. Os programas de privatização não foram inibidos. Nenhum deles foi cancelado, alguns foram projetados a partir de setembro. Os programas de concessão continuarão. Vamos acelerar os programas de captação de investimentos internacionais, mesmo com este panorama de pandemia, que não é só do Brasil, são 213 países no mundo que sofrem com a pandemia. Investidores existem e o Brasil continuará sendo atrativo. Em menor grau de entusiasmo, mundialmente falando, mas vamos seguir com uma boa política de trabalho. Vamos viver um período de muita dificuldade até dezembro de 2020. São Paulo vai viver sua pior recessão histórica, o seu maior déficit na arrecadação de impostos.”
Valor Econômico