Especialistas negam que decisão de Celso de Mello seja abuso de autoridade

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Foto: Marcos Corrêa/PR

A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) não constitui abuso de autoridade, afirmam juristas ouvidos pelo UOL.

A hipótese passou a ser discutida após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter postado em sua conta no Twitter trecho da nova lei de abuso de autoridade, o que foi interpretado por seus seguidores e adversários como uma indireta ao relator do inquérito, aberto para apurar se o presidente interferiu na Polícia Federal, como acusou o ex-ministro Sergio Moro.

O artigo 28 diz que “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado” é crime com pena de 1 a 4 anos de detenção.

 

Segundo os juristas ouvidos pela reportagem, a hipótese não se enquadra ao ato de Mello por dois motivos principais:

não há privacidade dos envolvidos, por tratar-se de uma reunião de Estado, em que foram tratados assuntos de governo, tanto que ela é gravada;
o princípio da publicidade deve orientar os atos governamentais;

Para Marcelle Tasoko, advogada criminalista e professora de processo penal, a divulgação do vídeo não pode ser enquadrada com o crime de abuso de autoridade. “A reunião não se enquadra na vida privada do presidente e seus ministros e não houve exposição da intimidade, uma vez que todos estavam sendo filmados com consentimento”, afirma.

A advogada acrescenta que o “vídeo tem total relação com a prova que se pretende produzir”.

O advogado criminalista e professor da PUC-Rio, Breno Melaragno, em entrevista à GloboNews, disse que “não há qualquer fundamento nessa ilação do presidente”.

“Essa norma se destina a outras hipóteses que são indevidamente divulgadas, questões da intimidade da pessoa que não se relacionam ao objeto da investigação ou do processo”, disse.

“Não era uma reunião do presidente com seus filhos, mas uma reunião de Estado, com o presidente e o vice-presidente da República presentes”, disse.

Marcelle lembra que a regra geral dos atos públicos é a publicidade. “As atividades dos funcionários públicos devem ser públicas. Nas reuniões que não houver classificação de secreta devem prevalecer a regra da publicidade”, afirma.

O procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, lembra que o Brasil foi signatário, em 2011, junto com Estados Unidos, Reino Unido e África do Sul e vários outros países, do OGP (Parceria Para Governo Aberto, na sigla em inglês), um pacto internacional de países para proporcionar a transparência.

No mesmo ano, o Brasil aprovou a Lei de Acesso à Informação, que passou a valer no ano seguinte.

O procurador de Justiça criticou também o aspecto autoritário da reunião.

“A impressão que dá é que aquelas pessoas se posicionam como se não houvesse o princípio da repartição dos poderes. É como se houvesse um único poder. É como se só eles prestassem e os outros [Legislativo e Judiciário] não existissem. É um retrocesso ao tempo do absolutismo, da tirania”, disse.

Livianu vai além e lembra que a nova lei de abuso de autoridade, aprovada em 2019, “tem sua legitimidade questionada junto ao STF” por meio de algumas ações diretas de inconstitucionalidade que ainda não foram apreciadas.

O procurador afirma que a lei não teve amplo debate no Congresso Nacional e que o ministro Moro, à época, pediu o veto de alguns dispositivos da lei, “mas Bolsonaro não atendeu seus pedidos”.

O procurador aponta que a lei é vingativa, pois pune atos privativos de juízes e membros do Ministério Público, mas não prevê punições para atos típicos de membros do Legislativo e do Executivo.

Isso significa que um membro do MP pode ser enquadrado por uma denúncia e um juiz por uma sentença. Já o chefe de um Poder Executivo não pode ser enquadrado por um decreto, nem um parlamentar por aprovar uma lei inconstitucional, por exemplo.

Uol