Regina Duarte se revela apoiadora da ditadura

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Foto: Isac Nóbrega/PR / Divulgação

Em entrevista à rede CNN Brasil na tarde desta quinta-feira (7), Regina Duarte, secretária especial da Cultura do governo Bolsonaro, deu declarações minimizando a censura e a tortura durante a ditadura, relativizou o impacto do coronavírus e minimizou seu papel ao mencionar mortes de artistas durante a pandemia.

Além disso, encerrou a entrevista em meio a um bate-boca: ela ficou irritada quando jornalistas da emissora pediram que ouvisse e comentasse um vídeo enviado à produção por Maitê Proença, no qual a atriz questionava seu silêncio diante do falecimento recente de colegas, citando Moraes Moreira e Aldir Blanc. O depoimento repercutiu, chegando aos assuntos mais comentados do Twitter logo após o seu encerramento e suscitando manifestações nas redes sociais.

Na gravação, Maitê também pede mais medidas de socorro aos artistas diante do coronavírus e sugere que Regina converse com a classe artística. Enquanto o vídeo passava, a secretária discutia com o repórter. Logo no começo da discussão, disse “acho baixo nível”, em referência ao uso do vídeo.

Ao final da exibição, Regina recusou-se a comentar o vídeo. Ela, sem ouvir a mensagem, disse ter pensado se tratar de um vídeo antigo. No estúdio, os apresentadores avisaram que o material era novo, enviado nesta quinta. Mesmo assim, Regina não quis escutar nem reagir à fala de Maitê. “Vocês estão desenterrando mortos, estão carregando um cemitério nas costas, fiquem leves”, falou antes de encerrar a participação. “Telespectadores, desculpem o chilique”, disse ainda.

A mesma expressão do “cemitério” havia sido dita anteriormente na entrevista quando Regina foi questionada sobre participar de um governo cujo presidente considera “heróis” alguns dos envolvidos em casos de prisão e tortura na ditadura militar.

“Se ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80, a gente não vai para a frente”, disse, emendando com uma cantoria da música “Para frente, Brasil”, tema da seleção brasileira na Copa de 1970. Depois de cantar, ela diz: “Não era bom quando a gente cantava isso?” Questionada sobre a tortura e censura no período, ela relativizou.

“Desculpa, vou falar uma coisa assim: a humanidade não para de morrer. Se você falar vida, do lado tem morte. Por que as pessoas ficam ‘ó, ó, ó’?”, argumentou a secretária. O repórter pontuou: “Houve tortura, secretária. Houve censura”. Regina então afirmou: “Bom, mas sempre houve tortura. Stálin! Quantas mortes! Hitler! Quantas mortes! Se a gente for ficar arrastando essas mortes…”

Outros pontos da fala de Maitê, como a questão da falta de homenagens a artistas brasileiros que morreram recentemente, já haviam sido comentados na entrevista. Regina disse que não fez manifestações públicas porque optou por “mandar uma mensagem como secretária para as famílias, porque, segundo ela, “se não, a secretaria vira um obituário”. “Mas, se eu amadurecer que isso é importante para as pessoas, posso ter no site da secretaria.

Sobre as medidas de ajuda a artistas durante a pandemia, citou o auxílio a trabalhadores informais criado pelo governo, as instruções normativas publicadas que alteram prazos de beneficiários da Lei Rouanet e disse que a liberação de recursos do Fundo Setorial Audiovisual está a caminho. “Está tudo lá na Ancine. Agora finalmente o ministro da Cidadania vai convocar uma reunião com o comitê gestor”, disse. “O comitê tem poder para liberar esses fundos, eu não tenho.”

Segundo a secretária, a burocracia que envolve seu trabalho vai ficar mais simples em breve porque um decreto de reestruturação que desliga sua área da Cidadania, deixando-a apenas no Turismo, deve ser assinado até segunda.

Ao comentar o coronavírus, Regina disse também que a pandemia “está trazendo uma morbidez insuportável”. “Isso não é bom para a cabeça, não é legal.”

No começo da entrevista, a secretária disse que os rumores de que seria demitida não procediam “Nada disso, isso é uma narrativa que corre fora”, afirmou. “As pessoas parecem ter uma vontade de me ver fora”. Contou que a reunião que teve com Bolsonaro na quarta-feira (6) foi tranquila. “Ele estava leve, rindo. Ele está sempre rindo.”

Mais tarde na conversa, após os jornalistas apresentarem áudio vazado de uma reunião de Regina com uma interlocutora, ela comentou, porém, ter pensado que seria substituída. “Aquilo me chocou… A nomeação de mais uma pessoa [Dante Mantovani, para a presidência da Funarte] sem que eu tivesse sido consultada”, disse, sem mencionar de quem falava nem em que contexto. “Pensei ‘será que eles está me dispensando?’”, comentou ainda, em seguida criticando o fato de ter sido gravada.

Regina disse ainda ter conhecimento de que o presidente tem outros nomes cotados para assumir o seu cargo. “Acho que é um direito dele, ele deve estar sofrendo muitas pressões”. Para ela, são nomes que Bolsonaro guarda “para o caso de a corda arrebentar”, situação que não seria do seu desejo. “Estou adorando estar aqui. Tenho um projeto, quero deixar um legado.”

Nas redes sociais, artistas e intelectuais se manifestaram em repúdio à entrevista. Bastante ativa em sua conta no Twitter, a cantora Zélia Duncan postou um comentário logo após o depoimento de Regina: “A secretária de cultura reapareceu nervosinha e áspera, como seu chefe faz, boa aluna, não? Como se ninguém tivesse direito de cobrar. Cargo público, quem paga é a população, eles esquecem desse detalhe. Nos devem satisfações sim”.

Outro que criticou a fala da secretária especial da Cultura foi o escritor gaúcho Michel Laub: “Num governo cuja cultura básica é a celebração da morte, o suicídio moral do tipo Regina Duarte ou Roberto Alvim é coerente com o cargo”, escreveu. O socióloco e cientista político Emir Sader também comentou em sua página: “E dizer que Regina Duarte já cantou ‘Maria Maria’ (versão minha pro castelhano) no Teatro Carlos Marx, em Havana, no dia seguinte de encontro com o Fidel.”

Há apenas dois meses à frente da Secretaria Especial da Cultura, Regina Duarte coleciona uma série de derrotas e saias-justas em sua gestão. A primeira veio já na cerimônia de posse, no dia 4 de março. Ao discursar, Regina tentou arrancar do presidente uma confirmação de que teria autonomia para trabalhar, como ele lhe prometera ao chamá-la para o cargo.

— O convite que me trouxe até aqui falava em porteira fechada e carta branca. Não vou esquecer não, hein presidente — disse a atriz, que levou 47 dias entre o convite e a posse, ou o “namoro”, o “noivado” e o “casamento”, como ela e Bolsonaro batizaram a negociação.

Acabou ouvindo do chefe, em discurso após o dela, que a tal “carta branca” prometida para montar sua equipe não seria bem do jeito que ela imaginava.

— Regina, todos os meus ministros também receberam seus ministérios de porteira fechada. É o linguajar político, ou seja, eles têm liberdade para escolher seu time. Obviamente, em alguns momentos eu exerço poder de veto — rebateu Bolsonaro.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro reclamou da ausência da secretária em Brasília. Em entrevista na porta do Palácio da Alvorada, ele afirmou que não está prevista nenhuma troca no governo agora, mas não descarta alterações no futuro.

— Infelizmente a Regina está em São Paulo, trabalhando pela internet. Eu quero é que ela esteja mais próxima.

Ele afirmou ainda que ela tem tido problemas em lidar com questões que desagradam ao governo dentro da pasta

— (A Secretaria tem) muita gente de esquerda pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite. E ela tem dificuldade nesse sentido — justificou.

Neste terça-feira, após a surpresa da renomeação de Dante Mantovani, áudio registrado pela revista “Crusóe” trouxe um diálogo entre Regina e uma assessora não identificada, no qual a atriz conta que achava que estava sendo dispensada e ouve que Edir Macedo já teria indicado seu substituto.

O “Jornal Nacional” reproduziu o áudio e procurou o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, que negou a indicação.

O Globo