União virtual da oposição precisa se materializar

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Foto: Montagem / Agência O Globo /Reprodução

Vítima de um infarto, o filósofo Ruy Fausto foi encontrado morto neste 1º de maio, em seu apartamento, em Paris. Tinha 85 anos. No mesmo Dia do Trabalho, as centrais sindicais brasileiras divulgaram vídeos sobre a situação do país gravados por líderes de diferentes segmentos da oposição – entre outros, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e os ex-candidatos Ciro Gomes e Marina Silva. A coincidência é significativa.

Reconhecido pelo rigor no estudo do marxismo, professor da USP e da Universidade de Paris, Fausto era um intelectual no sentido pleno do termo. Participava do debate público sem cair em banalizações ou sectarismos. Simpatizante do PT em outros tempos, tornou-se crítico do partido por causa do envolvimento com a corrupção e pela leniência com os regimes autoritários de Cuba e da Venezuela.

Em entrevista a Ana Clara Costa publicada em ÉPOCA em 15 de novembro do ano passado, Fausto analisou o panorama político de maneira límpida. Falando da eleição de 2022, afirmou: “Precisaríamos pensar, desde já, numa frente de esquerda e para além da esquerda, se possível. (…) Uma aliança de forças. Só ela poderia nos salvar”.

Não há, agora, como pensar em 2022 se não sabemos sequer se estaremos vivos no fim de maio. Certo é termos um presidente que, ao menosprezar e não combater a pandemia do coronavírus, empurra deliberadamente pessoas para a morte. “E daí?”, pergunta ele, tossindo e andando para aqueles que deveria proteger.

Nos vídeos apresentados no 1º de maio, apenas Fernando Henrique defendeu a união pregada por Fausto seis meses atrás. “Não é hora de nos desunirmos. É hora de nos juntarmos”, disse o tucano.

Mas ele tem um passivo de décadas bloqueando, de seu posto olímpico, qualquer possibilidade de aliança firme com partidos de esquerda. Nem apita mais no PSDB, que virou propriedade de João Doria, governador de São Paulo. Não teve a grandeza de apoiar Fernando Haddad no segundo turno de 2018, mesmo sabendo quem era Jair Bolsonaro. E fala com a leveza de quem não disputará eleições. Os outros ouvidos pelas centrais sindicais têm, de alguma forma, interesses eleitorais. Talvez por isso ainda conflitem uns com os outros e imaginem lucrar com o eventual desmanche do atual governo.

Lula continua firme na cantilena de que o PT foi vítima de conspirações e está pagando apenas pelos seus acertos. É verdade que foi alvo de ilegalidades cometidas por Sergio Moro em parceria com procuradores e policiais, como provou a Vaza-Jato. Mas não isso absolve o partido de seus erros e sua arrogância. Fausto acerta na entrevista ao dizer que, por ser rejeitado por boa parte da população, Lula não teria condições de ser o candidato das esquerdas.

No momento, porém, não são candidaturas a longo prazo que estão em jogo, mas vidas. Já morreram dezenas de milhares de pessoas (números oficiais + subnotificação) e morrerão mais dezenas de milhares. Não dá para ficar na janela vendo a banda fascista passar.

Uma eventual união dos líderes de oposição alimentará a falácia da “velha política” contra a “nova política” – como se Bolsonaro pudesse representar o novo, tendo sido deputado por 28 anos, transitando entre partidos fisiológicos, para os quais agora está entregando cargos-chave, como um do Ministério da Saúde.

Se um terço da população está satisfeita com o governo, é realmente difícil haver “clima para o impeachment”, como diz o clichê. Mas isso não impede líderes dignos deste nome de marcar posições firmes contra um presidente aliado de milícias, amante da tortura e que tem na morte em massa um motivo de diversão. Ser antifascista e pró-vida não pode ser opção, mas obrigação.

Época