Bolsonaro não controla seus radicais

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Foto: Divulgação/Dan Addison/Universidade da Virgínia

O professor David Nemer, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, tem dedicado seus estudos ao funcionamento da rede bolsonarista no WhatsApp. Diferentemente do Twitter e do Facebook, o aplicativo foge do controle social e virou uma arma do presidente para manter o patamar de 30% nas pesquisas de opinião.

Doutor em antropologia da tecnologia, Nemer acompanha, agora, um processo de “desidratação” e “radicalização” do grupo de seguidores que está na mira de um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista ao Estadão, ele avalia que essa rede diminui e torna-se cada vez mais radical desde a saída de Sérgio Moro do governo, a aliança do Palácio do Planalto com o Centrão e as divergências de movimentos de direita. Ao mesmo tempo, influencia a agenda hostil do presidente ao Estado Democrático. “Hoje o bolsonarismo é maior do que a figura do Bolsonaro”, afirma.

Como surgiram os grupos pró-Bolsonaro nas redes?

Eram grupos conservadores que já existiam e que se uniram em torno de Bolsonaro pelo antipetismo. Bolsonaro no início não era uma unanimidade entre eles, havia dúvidas, até por ser um nome velho da política. Se você olhar para o bolsonarismo, tem pilares antagônicos. Há o liberal, representado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o militar, que é nacionalista. São ideias que se confrontam. Evangélicos querem ter presença forte e os liberais são contra a presença da religião no governo.

O que ocorreu com esses grupos do período pré-eleitoral ao primeiro ano do governo?

Os grupos implodiram. Com Bolsonaro eleito, o PT já não é mais a mesma ameaça. As pessoas voltam a priorizar os pilares do bolsonarismo que mais lhe agradam, liberais, militares. Então, os grandes grupos deram lugar aos temáticos. Há o armamentista, há o liberal, há o evangélico. E, depois, com a saída de pessoas importantes da campanha, como Joice Hasselmann, Janaina Paschoal e Sérgio Moro, muitas pessoas deixaram o barco bolsonarista. As que ficaram estão firmes com Bolsonaro. Antes tinha mais pessoas. Agora tem menos pessoas indo para as ruas, mas estas são mais radicais. O número é menor, sem diálogo e barulhento.

Como define o bolsonarismo?

É um movimento sociopolítico sustentado por diversas correntes de pensamento que não são necessariamente complementares e às vezes antagônicos, como o liberalismo econômico, o militarismo, o cristianismo conservador e os pensamentos de Olavo de Carvalho. O presidente se utiliza dessas correntes para justificar a militância para o patriotismo, os bons costumes, os valores familiares, a lei e a ordem e a caçada à esquerda. Uma estratégia do bolsonarismo é a criação do inimigo, onde qualquer pessoa ou entidade que se oponha a ele é julgada como antinação, anticristão e comunista. O bolsonarismo também tem uma agenda hostil ao Estado Democrático.

A presença do presidente em atos antidemocráticos é uma influência desses grupos radicais?

Sim. O Frankenstein cresceu e agora volta para assombrar. Hoje o bolsonarismo é maior do que a figura do Bolsonaro. O presidente é refém do monstro que criou, que é o bolsonarismo. Outro dia, Olavo de Carvalho disse que, se ele quiser, derruba o presidente. Isso também é fruto do bolsonarismo. O presidente não controla mais a ala radical dele que se alimentou das falas e do pensamento dele.

Esses apoiadores mostram obediência ao presidente?

Até que ponto a obediência cega é ao Bolsonaro ou ao bolsonarismo? Nos primeiros atos, por volta de 15 de março, depois de muita crítica, ele pediu para as pessoas não irem mais para as ruas (por causa da pandemia). Não adiantou, as pessoas saíram. Ele viu que não tinha controle. Então, com medo de essas pessoas virarem oposição, o presidente se junta a um potencial inimigo. Esse é um exemplo de que o bolsonarismo está maior que ele.

Quando o presidente foi maior que o bolsonarismo?

Talvez na aproximação ao Centrão. Talvez na saída do Moro. Foi interessante porque a saída dele foi rápida, ninguém estava esperando. Foi um baque forte, mas logo os influenciadores superaram. Mas não dá pra enganar: Bolsonaro continua sendo a cara do bolsonarismo.

Como se diferenciam os grupos bolsonaristas do WhatsApp e do Twitter?

No WhatsApp, você tem a participação orgânica e coletiva de pessoas reais. No Twitter, por existir forte presença de contas inautênticas, fica difícil ter a sensação real da adesão daquela mensagem. É mais unilateral, e a informação vem de certos hubs, como (o blogueiro) Allan dos Santos, Leandro Ruschel e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).

O presidente diz que o inquérito das fake news é inconstitucional. O senhor concorda?

De jeito nenhum. O que esse inquérito está vendo é o financiamento ilegal das contas. Eles estão verificando sobre a questão das fake news. Se fossem realmente atrás de todo mundo, a lista seria muito maior. Por exemplo, ainda não se vê como alvos integrantes do chamado “gabinete do ódio”. Acredito que os motivos que levam à investigação são concretos. É lógico que tem de esperar a conclusão e o julgamento. Mas isso não é censura. As leis do País ainda se aplicam na internet. Essa ideia de que internet é terra de ninguém, por mais que possa parecer, não é verdade. Alguma hora a gente tem esse choque de realidade.

Os grupos bolsonaristas estão diminuindo?

A diminuição dos grupos de WhatsApp ocorre de acordo com as pesquisas de opinião. Quando se fala que sobraram 25% a 30% de aprovação, é o mesmo porcentual lá do início do governo. Não vai dar para mudar opinião desses eleitores. As mudanças para acontecerem nesse grupo devem ser de longo prazo. O bolsonarismo vai permanecer por muito tempo além da figura do Bolsonaro, mesmo que, nas próximas eleições, algum candidato de esquerda ou de centro ganhe. Haverá reações radicais. Estudar e compreender o bolsonarismo não é coisa de momento, é algo que já vem sendo construído por um tempo e que vai ficar por muito tempo.

É possível fazer um paralelo entre apoiadores de Bolsonaro e de Donald Trump nas redes?

Há uma espécie de ciclo da direita avançando nesse aspecto da desinformação por meio das redes sociais. Com o aquecer das eleições dos EUA, estou fazendo pesquisa principalmente em grupos de Telegram. Ainda está muito no início para eu ter algum tipo de achado forte, mas é bem parecido com o que aconteceu no Brasil em 2018 no WhatsApp, que por sua vez se baseou muito no que foi o Trump de 2016 no Facebook. De certa forma, a direita amplifica o que foi feito no outro país no passado recente. WhatsApp e Telegram nunca foram populares nos EUA, mas estão ficando agora. A expectativa é que fiquem ainda mais durante as eleições, pois as campanhas já entenderam o poder da persuasão que esses aplicativos promovem, principalmente, no que tange à distribuição de fake news.

Estadão