Conheça o idealizador do Sleeping Giants
Tornar-se o rosto de um movimento contra a disseminação de discursos de ódio e de fake news não estava nos planos do publicitário Matt Rivitz, de 47 anos. Mas é assim que tem sido desde 2018, quando, após dois anos de atuação anônima nos bastidores do projeto “Sleeping Giants” (“Gigantes adormecidos”), o americano teve a identidade exposta contra sua vontade e passou a responder publicamente pela iniciativa, cujo objetivo é alertar e pressionar empresas por meio do Twitter a interromperem a veiculação de publicidade em páginas dedicadas à intolerância e à desinformação na internet.
Em entrevista ao GLOBO, Rivitz se mostrou surpreso com a máquina de informações falsas no Brasil e disse nunca ter visto em outro país uma resistência semelhante a que aliados do presidente Jair Bolsonaro têm colocado ao “Sleeping Giants”. A franquia foi importada para o país no mês passado, por coordenadores que preferem se manter no anonimato, e foi recebida com ataques pelo vereador Carlos Bolsonaro.
Quais são suas impressões sobre a versão brasileira do “Sleeping Giants”?
Eu estou obcecado com ela. É incrível. Nos Estados Unidos, demoramos entre seis meses e um ano para compreender o poder do movimento e as reações de pessoas, empresas e trolls (usuários mais enfurecidos de redes sociais). Com o auxílio desse roteiro, a equipe no Brasil parece entender o que está fazendo, tanto que o sucesso dela já é maior entre os usuários (são 324 mil seguidores no país, cerca de 40 mil a mais do que nos EUA).
O “Jornal da Cidade”, que se tornou alvo da plataforma por publicar notícias falsas e recebia verbas do Banco do Brasil, está à direita do espectro político. O “Sleeping Giants” faz o mesmo esforço contra sites de esquerda?
Se estiverem propagando desinformação, eu diria para as pessoas do movimento lutarem contra ele. É uma luta por verdade. O ódio não é uma questão política e não deve ser tratado como se fosse. Desinformação e intolerância, como racismo, machismo e outras formas de preconceito, não são exclusividade de um único partido político, embora alguns deles possam escolher trilhar esse caminho em graus diferentes.
Um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro criticou a retirada de anúncios do banco público deste site. Já houve algo parecido?
Foi um episódio único, um movimento feito abertamente para forçar uma empresa a gastar o próprio dinheiro em algo específico, como um portal de notícias. Considero inédito do ponto de vista da publicidade. Não me pareceu uma ação pró-liberdade de discurso. Sempre fui muito focado no que estava acontecendo nos EUA, mas grande parte do meu feed (página de atualizações do Twitter) está em português agora. Tenho que traduzir muitas coisas para entender o que está acontecendo. Nunca visitei o Brasil e seria o primeiro lugar que eu visitaria após o fim dessa pandemia.
Nunca houve ruídos como esse com Trump nos EUA? Steve Bannon, ex-chefe de estratégia da Casa Branca, fundou o Breitbart, um site desmonetizado por você.
Trump nunca falou sobre nós. É como se quisesse permanecer longe da discussão, que, na verdade, nunca foi sobre ele. Bannon foi a grande razão pela qual começamos. Ele tinha relevância nas eleições de 2016 e utilizava o racismo como ferramenta. Por isso, atuamos contra o Breitbart. Bannon, em um documentário, disse que o “Sleeping Giants” o fez deixar de ganhar mais de 8 milhões de euros (cerca de R$ 51 milhões). E ele não pareceu revoltado, demonstrou até certo respeito.
Uma crítica à plataforma é ser pouco clara sobre orientação política dos envolvidos.
Tenho sido chamado de comunista e marxista com frequência. Jogam todos os nomes em você para tentar te fazer desistir. Eu acredito no capitalismo, é como as coisas funcionam quando pedimos que organizações financeiras façam boas escolhas para os seus recursos. Atuar sob anonimato é uma escolha daqueles que precisam se poupar de ataques. Entendo que trabalhar de outras maneiras pode trazer mais credibilidade para o movimento. É uma escolha pessoal e depende do suporte que você tem em torno de si. Fui atacado por meses quando um site me expôs. Meus filhos foram ameaçados de morte.
Como ocorre a exportação do “Sleeping Giants” para um país como o Brasil?
No caso do Brasil, um interessado me procurou após eu ter concedido uma entrevista sobre o projeto. Conversamos e ficou estabelecido que a marca poderia ser utilizada dentro da nossa missão e do que estamos tentando fazer. Tivemos outra iniciativa brasileira em 2017, que durou apenas duas semanas. É complexo: voluntários têm vida, trabalho e família. E precisam insistir no movimento por anos sem ganhar um centavo.
Como é possível não ferir a liberdade de expressão diante da complexidade em definir o que é ou não notícia falsa?
Nosso movimento é contra os lucros com a desinformação e o ódio. Se esses administradores realmente se importassem com a liberdade de seus discursos, eles continuariam mantendo seus portais mesmo sem lucrar. Eles não gostam de perder recursos. Para mim, quando desmonetizamos esses espaços na internet, o recado que passamos é: “Se você quer ser racista, não tenha lucro com isso”. Fazemos o máximo para que plataformas se responsabilizem pelo que está sendo veiculado, especialmente nesta pandemia da Covid-19. Há exemplos de fatos provados cientificamente e que estão sendo negados em campanhas de desinformação.
Como ocorre a exportação do projeto “Sleeping Giants” para um país como o Brasil?
Há maneiras muito diferentes. Há países onde há operações feitas por time e em outros há apenas uma pessoa. No caso do Brasil, um interessado me procurou interessada após eu ter concedido uma entrevista sobre o projeto. Conversamos e ficou estabelecido que a marca poderia ser utilizada dentro da nossa missão e do que estamos tentando fazer. A conversa foi bastante produtiva. Tivemos outra iniciativa brasileira em 2017, que durou apenas duas semanas. É complexo: voluntários têm vida, trabalho e família. E precisam insistir no movimento por anos sem ganhar um centavo. É um trabalho por amor e muitas vezes solitário.
Há ingerência da “matriz” na escolha dos alvos da campanha em outros países?
Não. As iniciativas funcionam de forma independente, de acordo com o que já fizemos aqui. A ideia é focar em negócios, não artigos ou publicações pontuais, mas empreendimentos que promovem a desinformação com frequência. É preciso ter um padrão. Eu não estaria confortável em apontar o que é verdadeiro ou falso em outro país, nem como a intolerância acontece neles. Já é difícil acompanhar o que está acontecendo aqui nos Estados Unidos.
O Globo