Deputado bolsonarista usou verba em whatsapp
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
O deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), um dos 11 parlamentares bolsonaristas que tiveram quebra de sigilo autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, já destinou R$ 238,5 mil de sua cota parlamentar a acusados de disparo indevido de mensagens de texto e de WhatsApp em eleições.
A Aplicanet Informática foi alvo de representação da Procuradoria-Geral Eleitoral do Rio em 2014 por enviar conteúdo “para diversos celulares” usando termos depreciativos contra opositores do então candidato a governador Anthony Garotinho. A empresa, embora não tenha figurado nas prestações de contas de Garotinho, chegou a anunciar em seu site à época que havia lançado o novo portal do então candidato a governador.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) investiga o uso de verbas da cota parlamentar para o financiamento de atos com pautas antidemocráticas pelo país, que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF.
Além de Otoni, vice-líder do governo na Câmara, outros nove deputados e um senador, Arolde de Oliveira (PSD-RJ), tiveram seus sigilos fiscal, bancário e telemático quebrados neste mês por decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator tanto deste inquérito quanto do procedimento que apura fake news e ataques ao Supremo.
Um dos alvos da investigação da PGR, como O GLOBO revelou na última segunda-feira, é a destinação de dinheiro público pelos parlamentares a empresas do publicitário Sérgio Ferreira Lima, marqueteiro do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar.
Otoni destinou cerca de R$ 167 mil à empresa Aplicanet entre março e dezembro de 2019. Nas eleições de 2014, o Ministério Público Eleitoral acusou a empresa de propaganda irregular para Garotinho por meio de disparos por SMS e WhastApp que se assemelhavam à prática de “telemarketing”, segundo a representação.
O processo foi arquivado porque a Justiça Eleitoral entendeu que não houve provas de um contrato celebrado entre a Aplicanet e a campanha de Garotinho, embora a própria empresa tenha divulgado à época que prestou serviços para o então candidato.
Desde janeiro de 2020, Otoni encaminhou mais R$ 71,5 mil à Agência Vírgula, registrada na Receita Federal em julho do ano passado em nome de Francisco Carlos de Rezende Junior. O responsável legal pela Agência Vírgula aparece em diversas fotografias, inclusive no ano passado, no escritório da Aplicanet e ao lado do fundador da empresa, o pastor Alan dos Santos, ligado, assim como Otoni, à Assembleia de Deus de Madureira.
Após ser procurada pelo GLOBO na tarde de segunda-feira, a Aplicanet excluiu de suas redes sociais as fotos em que Alan dos Santos aparece ao lado de Rezende Junior, inclusive nas comemorações de seus aniversários no ano passado, na sede da empresa. Nos últimos dois anos, enquanto Rezende figurava no site da Aplicanet como “gerente de projetos”, a Agência Vírgula apresentava em sua página um portifólio de clientes similar ao da empresa de Alan dos Santos. Alguns dos clientes exibidos simultaneamente pela Vírgula e pela Aplicanet são políticos, como o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e o próprio Otoni de Paula — à época vereador — , além da prefeitura do Rio, na gestão de Marcelo Crivella.
A Aplicanet afirmou, em nota, que “não faz parte do quadro societário” da Agência Vírgula. A empresa afirmou ainda que “todos os serviços prestados a pessoas naturais ou jurídicas estão em conformidade com a legislação vigente”.
Procurado via assessoria de imprensa, Otoni de Paula negou que o serviço prestado pela Aplicanet a seu mandato tenha envolvido disparo de mensagens, e afirmou que tanto esta empresa quanto a Vírgula atuaram em “criação de edição de vídeos e imagens para as redes sociais do deputado”. Segundo Otoni, ele recebeu a indicação das empresas “através de um amigo”.
Rezende Junior informou que trabalhou como funcionário da Aplicanet, mas deixou de fazer parte da empresa e fundou oficialmente sua própria agência de marketing, a Vírgula. Ele afirmou ainda que as duas firmas são “independentes e concorrentes no mercado” e que os trabalhos prestados a Otoni de Paula foram realizados “com toda legalidade”. Rezende Junior disse ainda que não teve conhecimento sobre eventual atuação da Aplicanet em disparos de mensagens.
Na segunda-feira, O GLOBO mostrou que o inquérito do STF sobre atos antidemocráticos, que tem Otoni entre seus alvos, levantou pagamentos feitos por quatro deputados da base bolsonarista à Inclutech Tecnologia. A empresa, em nome do marqueteiro Sérgio Lima e originalmente cadastrada na Receita como “HH Cosméticos”, mudou sua razão social no início deste ano. Ao todo, os parlamentares Aline Sleutjes (PSL-PR), Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN) e Guiga Peixoto (PSL-SP) destinaram R$ 58,1 mil à empresa em dois meses, entre março e maio deste ano. Girão também destinou, em janeiro e fevereiro, um total de R$ 18,8 mil a outra empresa de Lima, a S8 Sampa. A PGR investiga se o dinheiro foi usado para financiar a divulgação de manifestações pró-Bolsonaro nas redes.
Procurado, Girão afirmou através de sua assessoria que a S8 Sampa foi substituída pela Inclutech em março a pedido do próprio Lima, que argumentou querer utilizar outro CNPJ para prestar assessoria política. O parlamentar afirmou ainda que a empresa “nunca produziu nenhum card/banner” para ser veiculado em suas redes sociais, e que sua atividade envolve manutenção de seu site e acompanhamento de notícias.
Sérgio Lima informou que passou a oferecer os serviços da Inclutech para “separar as coisas”, após ter decidido se “desligar da sociedade da S8 e seguir focado apenas no marketing político”. Ele, no entanto, ainda consta como sócio da S8 Sampa no cadastro da Receita Federal.
— Jamais compactuei ou financiei qualquer ação ou manifestação antidemocrática e isso ficará provado. Sou profissional, prestei serviço, emiti nota fiscal e paguei imposto. Qualquer alegação diferente é injusta — disse o publicitário do Aliança.