Exército atende a clubes de tiro e flexibiliza controle de armas

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Foto: Tiago Queiroz / Estadão

O Exército justificou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que revogou portarias que facilitavam o rastreamento de armas e munições, entre outros motivos, por preocupação com a indústria das armas e clubes de atiradores e colecionadores. Em ofício enviado no último dia 27 à Corte, o general Laerte de Souza Santos, chefe do Comando Logístico do Exército (Colog), escreveu que as medidas poderiam “inviabilizar economicamente” o setor.

A mensagem do oficial que chefia o órgão responsável pela fiscalização do setor foi em resposta a uma ação do PDT que pediu à Justiça a restauração das portarias 40, 60 e 61 revogadas em abril por ordem do presidente Jair Bolsonaro. No ofício de 18 páginas encaminhado à Corte, o general informou que o Exército cancelou as normas após empresas e Clubes de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) questionarem a exigência do rastreamento.

“Tal obrigatoriedade gerou vários questionamentos, tanto por empresas quanto por CACs”, escreveu o general no documento encaminhado ao Supremo ao qual o Estadão teve acesso. O chefe do Colog manifestou, inclusive, preocupação com a possibilidade da marcação de canos e embalagens “inviabilizar economicamente as atividades dos setores”.

Procurado para comentar o assunto, o Exército se limitou a dizer que as portarias foram revogadas para um aperfeiçoamento da redação e dirimir “questionamentos” recebidos da “sociedade em geral” e da “administração pública”.

A revogação dos atos foi anunciada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, em 17 de abril, nas redes sociais e oficializada pelo Colog, em edição extra do Diário Oficial, no mesmo dia. No entendimento de especialistas, as normas serviam para dificultar o acesso do crime organizado a munições e armamentos extraviados das forças de segurança. Em maio, o Estadão revelou que 15 inquéritos no Superior Tribunal Militar (STM) investigam desvio de armas e munições legais para facções criminosas, clubes de tiro e milícias. O cancelamento das normas levou o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal a abrirem investigações.

Uma das suspeitas do MPF é que Bolsonaro pode ter agido para beneficiar uma parcela do seu eleitorado pró-armamento.

Havia mais de um ano em que representantes dos dois órgãos atuavam em conjunto com recomendações de melhorias no sistema de rastreamento. Receberam apoio de Representantes do MPF da Paraíba, que investigaram a origem das balas usadas pelos matadores da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018.

O argumento que o atual chefe do Comando Logístico do Exército encaminhou ao Supremo para justificar a revogação das portarias diverge da explicação dada pelo seu antecessor, o general Eugênio Pacelli Vieira Mota, que as elaborou. Conforme o Estadão revelou, Pacelli disse, em carta de despedida da função, que as normas visavam à segurança nacional e não atenderam “interesses pontuais” do setor armamentista. E deixou um recado aos lobistas: “Desculpe-me se por vezes não os atendi em interesses pontuais. Não podia e não podemos.”

O coordenador do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, considerou o ofício do Exército revelador. “A opinião de empresas de armas e munições, e grupos privados com muito dinheiro, como CACs, prevalecem sobre outros grupos impactados, como vítimas da violência armada, autoridades que combatem o tráfico de arma e o crime organizado”, afirmou.

O ministro do Supremo Gilmar Mendes postou no Twitter, na última segunda-feira, que não há como avançar no combate ao crime organizado abrindo mão da rastreabilidade das armas e munições. “Espalhar a violência e o poder de fogo na sociedade civil equivale a abandonar o Estado Democrático de Direito. Significa aumentar o número de homicídios. Nada mais que isso”, afirmou.

 

Um levantamento do Instituto Sou da Paz revela que o governo enfrenta, atualmente, 10 ações na Justiça Federal referentes a portarias sobre armas e munições publicadas ou revogadas em 2020. Algumas dessas ações correm no STF e outras foram abertas na primeira instância do Judiciário. Outra frente de embate se dá no Congresso, onde foram protocolados 12 projetos de lei que buscam revogar medidas recentes de Bolsonaro que ampliam acesso a munições ou afrouxam regras.

Estadão