Sem ter como dar golpe, Bolsonaro baixa a bola
Após acumular diversos atritos ao longo dos últimos meses com representantes do Judiciário e do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro deu início a uma trégua com os Poderes, à medida em que tenta se distanciar do desgaste da prisão do seu amigo de longa data, Fabrício Queiroz. A pelo menos dois interlocutores, Bolsonaro se queixou recentemente que está cansado dos confrontos. E afirmou que quer paz e evitar outras brigas. A mudança na conduta pôde ser percebida na última semana, quando a temperatura no Planalto caiu consideravelmente em relação às anteriores.
Segundo auxiliares do presidente, ele já preparava ações de trégua antes de ser surpreendido pela operação que prendeu o ex-assessor de Flávio Bolsonaro na casa do advogado Frederick Wassef em Atibaia (SP), no último dia 18, no inquérito que apura supostas “rachadinhas” na Alerj.
Na véspera, por exemplo, Bolsonaro havia batido o martelo pela demissão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, malvisto tanto no Legislativo quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), onde é investigado no inquérito das fake news. Dias antes, anunciou o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN) como novo ministro das Comunicações, em uma tacada que agradou a gregos e troianos em Brasília.
Na última quinta-feira, o presidente substituiu Weintraub pelo oficial da reserva da Marinha e professor Carlos Alberto Decotelli, uma vitória da chamada “ala militar”. Na sua primeira entrevista, ao GLOBO, o novo ministro disse que pretende fazer gestão pautada no diálogo, técnica e sem espaço para polêmicas relacionadas à ideologia. A escolha foi elogiada até por parlamentares de oposição.
No Planalto, o diagnóstico de assessores é que as iniciativas na Justiça ajudaram Bolsonaro a finalmente entender a importância de se resguardar. Resta, no entanto, a dúvida se este será um período pontual de apaziguamento ou uma correção no rumo da sua atuação na Presidência.
Ao mesmo tempo, governistas preferem defender a tese de que os outros Poderes “provocaram”. Citam como exemplo a quantidade de vetos derrubados e de medidas provisórias não votadas. Congressistas lembram, no entanto, que tanto os vetos anulados como a decisão de deixar uma MP caducar para perder a eficácia estão dentro do âmbito do poder constitucional atribuído ao Parlamento.
Os subordinados do presidente também reclamam da atuação do STF, e citam como exemplo a decisão do ministro Alexandre de Moraes de barrar a indicação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Antes de Moraes, o ministro Gilmar Mendes já tinha concedido liminar, na gestão de Dilma Rousseff, impedindo a nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil.
Papel das Forças Armadas
Na última quinta-feira, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, indicou querer desfazer outro ponto de tensão: as reiteradas declarações de integrantes do governo sobre um suposto papel moderador dos militares para conter crises institucionais, que não está previsto na Constituição. Azevedo declarou que os militares não são “um ente político” e seguem o texto constitucional de 1988.
— Não nos metemos em nada além do artigo 142 (da Constituição), e do artigo 2º que determina que os Poderes têm que ser harmônicos, independentes.
Azevedo mantém boa relação com os ministros do STF, entre eles Alexandre de Moraes, que entrou em rota de colisão com o Planalto, e foi assessor do presidente da Corte, Dias Toffoli.
Também na quinta, o presidente abriu sua transmissão ao vivo semanal em uma de suas redes sociais com uma homenagem aos mortos pela Covid-19. O presidente da Embratur, Gilson Machado, tocou “Ave Maria” na sanfona. Desde o início da pandemia, Bolsonaro já disse que não era coveiro para contar vítimas, chamou a doença de “gripezinha” e que lamentava as mortes, mas que esse “é o destino de todo mundo”.
O Globo