É possível espalhar fake news sem mentir, diz pesquisadora

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Foto: REUTERS

“Não é só sobre o conteúdo da notícia ser falso ou não. Existem muitas formas de manipular a informação”. Com essa explicação, a pesquisadora Luiza Bandeira exemplifica o alcance do que tem sido feito nas redes sociais, com interesses diversos. Ela integra a organização sem fins lucrativos Atlantic Council, que investigou as contas, posteriormente bloqueadas pelo Facebook, ligadas a assessores do presidente Jair Bolsonaro e de familiares e aliados. No dia da ação, a empresa informou que o conjunto removido agia para enganar sistematicamente o público, sem informar a verdadeira identidade dos administradores.

À frente de um grupo de pesquisa especializado no combate à desinformação e a violação de direitos humanos em ambientes online na América Latina, a pesquisadora explica que, além da disseminação de informações enganosas, grupos interessados em influenciar o debate político na internet têm usado como estratégia a criação de redes de perfis falsos. Fazendo diversas publicações sobre o mesmo tema e até mesmo interagindo entre si, com o objetivo de manipular a discussão no Facebook e no Instagram e atacar adversários.

– Nem sempre eles estão espalhando notícias falsas, muitas vezes eles estão espalhando notícias verdadeiras, mas é falso porque aquelas pessoas não existem. Tem uma manipulação da conversa, porque não tem tanta gente falando daquele assunto. Onde está a mentira? Não é no conteúdo, é no tamanho – explicou.

Segundo Luiza, com contas falsas ou duplicadas, os interlocutores conseguem criar uma impressão de relevância sobre temas e debates que talvez não tivessem um grande alcance. A prática, eficaz e barata, se assemelha ao uso de robôs, para aumentar o compartilhamento de hashtags no Twitter. Ela destaca ainda que é errado generalizar todas as práticas de manipulação de informações chamando de fake news.

– Quem trabalha na área nem gosta de usar este termo, porque ele dá a impressão que são notícias, e isso é uma contradição em si, porque se é uma notícia, não é para ser falsa. Além disso, muitos políticos instrumentalizaram a expressão fake news. Isso é muito forte com o (Donald) Trump, que tudo que é contra, ele chama de fake news, e também é com o Bolsonaro – disse.

Porém, para a pesquisadora, é errado afirmar que apenas apoiadores da extrema direita operam desta forma. Atualmente, é possível identificar este modus operandi sendo usado por outros grupos políticos. Ela cita a Venezuela como um país com níveis elevados de manipulação das informações:

– Lá, existe um tipo de manipulação que não vejo em nenhum outro lugar do mundo. Por exemplo, o governo cria hashtags que chegam aos trending topics do Twitter e usa até mesmo o Cartão da Pátria, que é como se fosse o Bolsa Família, para pagar quem as compartilha. É uma estratégia tão forte que outros grupos não consegue mser ouvidos sem usar também algum tipo de tática de manipulação, mesmo que menos elaborada. O perigo disso é que a pessoa em casa já não consegue mais saber o que é verdade.

Ações como a do Facebook são importantes porque, segundo ela, além de desarticular a rede de perfis falsos, ainda aumentam a discussão a respeito do tema.

– Este é o momento em que a gente precisa entender e expor essas redes, para que o cidadão saiba: existe uma verdade e existe uma mentira. Tem várias pessoas tentando te manipular – diz Luiza, que dá dicas para os usuários das redes sociais identificarem perfis inautênticos. – Se a pessoa tem várias contas em seu nome, se não tem nenhuma foto ou se os grupos são administrados por perfis sem retrato, se usam imagens de artistas ou se sempre compartilham informações de um mesmo site, é necessário ficar atento.

O Globo