Governo usou Itamaraty para ajudar apoiadores

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Foto: MRE

A Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, tentou usar sistemas de comunicação internos do governo federal para divulgar a milhões de servidores públicos palestras realizadas por blogueiros bolsonaristas investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Documentos aos quais O GLOBO teve acesso mostram que a tentativa foi feita às vésperas de a Polícia Federal deflagrar uma operação contra os mesmos blogueiros que a Funag tentava divulgar, mas não surtiu efeito. No dia da ação da PF, o Ministério da Economia rejeitou o pedido feito pela fundação.

A Funag é uma fundação voltada para a difusão de temas da agenda da política externa brasileira. Desde que o ministro Ernesto Araújo assumiu o Itamaraty, ela passou a divulgar autores e obras alinhados com a corrente conhecida como “antiglobalista”.

Uma troca de comunicações entre o presidente da Funag, Roberto Goidanich, e o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, revela que Goidanich enviou um ofício a Lenhart, em 21 de maio, informando que a fundação realizaria seminários e palestras virtuais com a presença de diversos blogueiros bolsonaristas, entre eles Bernardo Kuster e Allan dos Santos. Ambos são investigados em inquéritos que tramitam no STF que apuram divulgação de notícias falsas, ataques a autoridades e organização de atos antidemocráticos.

“No dia 19 de maio, foi realizado o terceiro seminário, que contou com a com as participações de […] Bernardo P. Küster, diretor de Opinião do Brasil Sem Medo […] O quarto seminário, a ser realizado no dia 26 de maio, às 19:00 horas, contará com a participação […] entre outros; (de) Allan dos Santos, empresário, jornalista e apresentador no Terça Livre TV”, diz um trecho do ofício enviado por Goidanich.

Mais adiante, o presidente da Funag pergunta se a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia não poderia divulgar os seminários com blogueiros bolsonaristas por meio dos sistemas internos de envio de e-mails e mensagens a funcionários públicos federais. Desta forma, o ministério poderia alcançar milhões de servidores públicos federais em todo o Brasil, inclusive via aplicativos de telefone celular.

“Nesse sentido, muito agradeceria analisar se seria possível que essa Secretaria também divulgasse em seus meios eletrônicos de comunicação junto aos servidores federais os seminários virtuais e a biblioteca digital da FUNAG”, diz o ofício.

O documento foi respondido no dia 27 de maio, às 21h22m. Naquela manhã, agentes da Polícia Federal deflagraram uma operação em diversos estados do Brasil para colher documentos, telefones e computadores de investigados no inquérito das fake news. Allan dos Santos e Bernardo Pires Kuster estavam entre os alvos da operação.

Ao rejeitar o pedido, o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoas do Ministério da Economia argumentou que os canais da pasta não divulgavam informações que não fossem “diretamente relacionadas à vida funcional dos servidores, com raras exceções de pedidos internos”.

A gestão da Funag após a chegada do chanceler Ernesto Araújo vem sendo marcada pela promoção de pensadores alinhados ao bolsonarismo e ao chamado olavismo (em menção ao escritor Olavo de Carvalho) e pelo veto a autores críticos à atual gestão da política externa brasileira. Em agosto de 2019, o Itamaraty proibiu a publicação de um de uma biografia de Alexandre de Gusmão (que dá nome à fundação) e que tinha o prefácio escrito pelo embaixador Rubens Ricupero, um dos nomes mais respeitados na comunidade acadêmica sobre relações exteriores e que é crítico da atual política externa do país. Na época, o Itamaraty disse que o livro não foi publicado porque o autor o enviou à editora sem o prefácio escrito por Ricupero.

Em nota, a Funag confirmou o contato feito com o Ministério da Economia para a divulgação das palestras e classificou a medida como “perfeitamente legítima e institucional”.

“Embora a sugestão do presidente da Funag fosse perfeitamente legítima e institucional, a Secretaria respondeu que ainda estava definindo os critérios de uso das mensagens pelo Sigepe mobile, e-mail e outros canais de acesso aos servidores”, diz um trecho da nota.

O texto diz ainda que nenhum dos palestrantes mencionados na reportagem recebeu remuneração por suas participações em eventos organizados pela fundação.

O Globo