Manobra de Witzel no STF surpreende Alerj

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Foto: Alexandre Cassiano

Diante da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que mandou dissolver, na segunda-feira, a comissão de impeachment do governador do Rio Wilson Witzel (PSC), a Assembleia Legislativa fluminense decidiu ontem recorrer. Apesar da vitória do governador, em caráter liminar, em Brasília, deputados consultados pelo Valor avaliaram que a tentativa de Witzel de ganhar tempo não surtirá efeito, pois o clima entre os parlamentares continua ruim ou até piorou. Mas Witzel, um ex-juiz, se agarra às brechas da lei para se manter no cargo.

Para o deputado e ex-vice-governador Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), cujo pedido de impeachment foi acolhido no início de junho por 69 dos 70 integrantes da Assembleia, a manobra desgastou ainda mais Wilson Witzel. “Essa decisão não ajudou em nada, acirrou mais as contradições. Witzel está recorrendo na Justiça numa questão que não tem relevância, não tem mérito, é uma firula jurídica. Afasta mais os deputados. A comissão especial pode até ser desconstituída, mas o crime de responsabilidade jamais”, disse.

Toffoli aceitou o argumento de Witzel segundo o qual a Assembleia, ao formar a comissão, não respeitou o critério da proporcionalidade partidária. Com a extrema fragmentação do Legislativo estadual, que tem 70 deputados espalhados em 25 legendas, o colegiado foi formado com 25 integrantes, um de cada sigla. De acordo com a defesa do governador, porém, a presença de todos os partidos não basta pois a Lei do Impeachment, nº 1079, de 1950, estipula “a respectiva proporção” das bancadas.

O presidente do STF apontou que a legislação requer ainda a eleição dos integrantes da comissão, e não indicação por líderes partidários, como ocorreu. O presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), defendeu os procedimentos da Casa. “Nós reafirmamos a confiança em tudo o que foi feito, na composição da comissão, a definição do rito, que seguiram a Lei 1.079/50 e a ADPF 378. Elas determinam a participação de todos os partidos, e permitem a formação da comissão por indicação dos líderes. Estamos garantindo o direito à ampla defesa do governador”, afirmou, em nota, o parlamentar.

Integrante da comissão, a deputada Martha Rocha (PDT) disse que a decisão de Toffoli foi surpreendente visto que o Tribunal de Justiça fluminense já havia analisado o tema e negado liminar semelhante à defesa de Witzel. “O que está equivocado na decisão é o fato de não apontar quais as regras devem ser adotadas na elaboração da nova comissão. Vamos primeiro entrar com recurso pedindo que a decisão seja revista ou que se esclareça quais seriam as novas regras”, disse.

Entre os instrumentos jurídicos possíveis, o líder do Psol, Flávio Serafini, defende que a Assembleia ingresse com um embargo de declaração. “É um tipo de recurso judicial com decisões mais rápidas. Não é um questionamento da decisão em si, mas um pedido de esclarecimento sobre essa decisão”, afirmou.

Também integrante da comissão, Renan Ferreirinha (PSB) prefere que a Assembleia entre no Supremo com um agravo regimental, que derrube a decisão de Toffoli. Por uma questão estratégica, os líderes partidários decidiram ontem que o recurso só será apresentado na próxima semana, quando acaba o recesso do Judiciário. Desse modo, a questão será apreciada pelo relator do caso, ministro Luiz Fux, que pode decidir monocraticamente ou levar a discussão ao plenário.

De toda maneira, o presidente da Assembleia anunciou que a Casa vai estudar, paralelamente ao recurso, um modelo para a formação de uma nova comissão que contemple os critérios. Para Luiz Paulo, a equação para se atingir a proporcionalidade só será alcançada se as menores legendas – 13 delas têm apenas um ou dois deputados – se dispuserem a montar blocos partidários, o que o parlamentar reconhece ser uma saída difícil.

Serafini sugere uma comissão com cerca de 35 deputados, na qual a proporcionalidade seria genérica e arbitrada. Todos os partidos permaneceriam representados e os que têm mais de três parlamentares poderiam ter mais de um representante. Para Ferreirinha, o problema é que qualquer fórmula decidida pela Assembleia poderá ser novamente questionada por Witzel e, por isso, o ideal é que o Supremo aponte o critério. “Meu receio é que se fizermos uma comissão com 18, 30 ou 70 deputados, a defesa do governador e deputados próximos a ele vão questionar”.

O pedido de impeachment contra Witzel se baseia em suspeitas de corrupção na área de saúde, incluindo compra superfaturada de respiradores para tratamento de covid-19 e contratos que alegadamente desviaram recursos públicos para organizações sociais (OSs) terceirizadas que fazem a gestão de unidades de saúde. O governador já foi alvo de duas operações da Polícia Federal.

Os escândalos desmontaram o primeiro escalão, com uma série de trocas, como a saída do secretário da Casa Civil, André Moura (PSC), que foi trazido de volta, na semana passada. Ex-aliado do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que está preso por corrupção, Moura é considerado hábil na articulação política e recai sobre ele a esperança de Witzel de preservar o mandato.

“A denúncia é sólida, independentemente de quem trabalha para o Witzel. Pode ser o André Moura ou o Barack Obama. Fazer política é sim negociar, mas vender voto e fazer negociata é inconcebível”, afirmou Ferreirinha.

Correligionário do governador, Márcio Pacheco (PSC), que em meio à crise renunciou ao cargo de líder do governo na Assembleia e votou a favor do pedido de impeachment, afirmou que Moura não pode ser encarado pelo Palácio Guanabara como o fiador da sobrevivência. “A volta dele vejo com excelentes e bons olhos. É um grande articulador, mas acho cruel colocar sobre os ombros dele a responsabilidade de ser o salvador da pátria do impeachment. Acho que veio mais para dar funcionamento à máquina e um norte de governabilidade e articulação com a Assembleia”, disse.

Valor Econômico