Pantanal também sofre com queimadas
Foto: Divulgação/CBMS/19-7-2020
Conhecido por suas planícies inundadas, o Pantanal assiste sua vegetação tomada por fogo e fuligem. Entre 1º de janeiro e esta terça-feira, foram detectados 3.415 queimadas na região. É a maior quantidade verificada desde 1998, quando o monitoramento começou a ser realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Vinte e sete ONGs do Brasil, da Bolívia e do Paraguai, países onde o bioma se expande, estão promovendo reuniões para pressionar autoridades a investir no combate ao fogo.
A quantidade de focos de incêndio registrada entre 1º de janeiro e esta terça-feira é 189% maior do que a vista no mesmo período no ano passado. O dado é tão alarmante que o bioma foi incluído, junto com a Amazônia, na moratória decretada pelo governo federal que proibiu as queimadas por 120 dias.
O governo do Mato Grosso do Sul criou um gabinete de crise para conter os focos de incêndio. Em seu território está Corumbá, o município brasileiro que mais registra queimadas atualmente no país — o Inpe reconheceu 152 nos últimos dois dias. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) levou novos brigadistas ao Pantanal, mas sua chegada a algumas áreas isoladas com queimadas é um desafio, porque exige transporte fluvial ou aéreo.
Fogo é ‘problema social’, diz especialista
Outra preocupação da rede de ONGs internacionais, batizada Observatório do Pantanal, é o dano à saúde humana provocado pela exposição à fumaça, como o agravamento de problemas respiratórios, irritação dos olhos e alergia. Os representantes da sociedade civil temem que os pacientes, ao procurar hospitais, tomem leitos destinados a pacientes com coronavírus. O Mato Grosso do Sul é um dos estados com maior média móvel de óbitos por Covid-19 na última semana.
Líder da Iniciativa SOS Pantanal do WWF-Brasil, que integra o Observatório do Pantanal, Júlio César Sampaio destaca que o fogo faz parte da dinâmica natural do bioma, funcionando como a principal ferramenta para a renovação da pastagem nativa, e que seu uso controlado por proprietários rurais pode ser autorizado por lei em determinados períodos, caso não provoque danos ao ecossistema. No entanto, o atual registro dos incêndios mostra que eles estão sendo usados de forma criminosa no desmatamento e na limpeza e reforma de pastagens.
Além disso, a estiagem observada nos últimos meses na região contribuiu para o estrago causado pelos incêndios.
— O volume de chuvas ficou 50% abaixo do normal entre janeiro a maio. Estamos em um ano muito seco e de ventos fortes, o que facilita a ocorrência de queimadas, inclusive em locais onde não houve chuva suficiente para encher as áreas alagadiças — explica Sampaio. — Veremos lagoas secando, jacarés buscando comida no meio do pasto.
Sampaio destaca que o fogo tornou-se um “problema social”, especialmente para a preservação da saúde da população, e que seu impacto vai muito além do prejuízo econômico e das baixas na biodiversidade. Cientistas do observatório avaliam que as queimadas vão se intensificar nos próximos meses, já que a estação de seca do Pantanal ocorre entre julho e outubro. Também há a previsão de que o fenômeno climático La Niña chegue à região ainda este ano e reduza ainda mais as chuvas.
Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, acrescenta que os rios não inundaram a planície como é esperado para esta época do ano.
— Deveríamos estar no nível de cheia máxima, principalmente no rio Paraguai. Agora, a área sem inundação está vulnerável a incêndios, especialmente diante da atual condição de baixa umidade do solo e do ar — avalia.
Segundo Dias, o Pantanal vive hoje um retrato que será comum no futuro: a precipitação de chuvas na cabeceira dos rios pode ser reduzida ou até mantida no nível conhecido hoje, mas sua distribuição temporal será concentrada — ou seja, em alguns momentos a pluviosidade será intensa, seguida por outros períodos de longa estiagem, colocando em risco a conservação da maior área úmida tropical do planeta.
Danilo Bandini Ribeiro, professor do Laboratório de Ecologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), considera que o atual estado da fiscalização do Ibama compromete o controle das queimadas.
— O Ibama sofreu uma redução orçamentária que comprometeu o combate a incêndios criminosos e o manejo do fogo — lamenta.
Procurado pelo GLOBO, o Ibama não respondeu aos pedidos de entrevista até a conclusão desta reportagem.
Ribeiro também preocupa-se com o fato de o Pantanal ser um bioma que atrai menos atenção, já que tem menor visibilidade internacional do que a Amazônia e ainda conserva mais de 80% de sua vegetação original nas planícies.
— A nascente dos rios, que fica no Cerrado, está muito degradada. Muitas pessoas esquecem que há uma conexão entre este bioma e o Pantanal — pondera. — Devemos aproveitar este momento, em que há uma pressão para que o governo mude sua política ambiental, para mostrar os nossos problemas.