Secom passa a omitir dados sobre publicidade
Foto: Reprodução/ O Globo
Sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU), a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) vem descumprindo uma decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) e, há três meses, mantém em segredo os dados sobre seus gastos com publicidade na internet durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro.
Em fevereiro, a CGU julgou um recurso e deu 60 dias para a Secom divulgar as listas de sites, canais do YouTube e aplicativos nos quais foram veiculados anúncios pagos pela secretaria. A decisão determinava que o órgão liberasse os dados referentes a campanhas veiculadas entre janeiro e novembro de 2019, mas só foram disponibilizados os dados referentes a 38 dias, entre junho e julho de 2019.
As informações do período pouco superior a um mês, no entanto, foram suficientes para que os consultores constatassem que mais de dois milhões de anúncios pagos pela Secom foram veiculados em sites, canais e aplicativos considerados inadequados, como canais que divulgam notícias falsas e aplicativos que disseminam conteúdo pornográfico.
Como a Secom não liberou os dados totais, O GLOBO, em junho, fez um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) solicitando que a secretaria finalmente cumprisse a decisão. No dia 2 de julho, no entanto, a secretaria respondeu afirmando que não divulgaria as informações.
Em sua resposta, a Secom alegou que, diante da exibição de anúncios em locais classificados por ela como “impróprios”, solicitou esclarecimentos às agências de publicidade contratadas pelo governo federal e que, por conta disso, os dados solicitados – cuja liberação já havia sido determinada pela CGU – se enquadrariam na categoria de “documento preparatório”.
De acordo com o decreto que regulamenta a LAI, documento preparatório é um “documento formal utilizado como fundamento da domada de decisão” de um agente público. Em outras palavras: eles trazem os argumentos, ordens ou diretrizes que embasaram uma decisão. Pela legislação, após a edição de um ato ou da tomada da decisão, esses documentos devem ser divulgados. A ideia é que a sociedade tenha acesso aos argumentos técnicos do agente público ao tomar suas decisões. A manobra é criticada pelo pesquisador Fabiano Angélico, consultor do banco Mundial e autor de livro sobre a LAI.
— Entendendo que eles agem de boa-fé, dizer que esses documentos passaram a ser preparatórios mostra um desconhecimento grande da lei. A legislação é bastante clara ao definir o que é um documento preparatório. São documentos que embasam uma decisão. Não é o caso agora— diz Angélico.
Diante da negativa, O GLOBO recorreu, em primeira instância, alegando que, como os anúncios já haviam sido veiculados, ou seja, a decisão de veiculá-los já havia sido tomada, não faria sentido enquadrar a relação dos canais como “documento preparatório”.
No dia 10 de julho, a Secom indeferiu o recurso. A secretaria chefiada por Fabio Wajngarten reiterou o embasamento da resposta anterior, mas trouxe um argumento novo para voltar a negar os dados. A Secom afirmou que não poderia fornecer os dados porque isso exigiria “esforços de obtenção de documentação além do objeto da contratação autorizada para a agência de publicidade”. Em outras palavras, a Secom diz que seus contratos não lhe permitiram cobrar das agências os relatórios de divulgação das campanhas pagas pela própria Secom.
Fabiano Angélico diz que, mais uma vez, a resposta da Secom não faz sentido.
— O argumento de que o fornecimento desses dados não estava previsto no contrato deveria ter sido levantado durante o julgamento do pedido, lá atrás. Se a CGU já avaliou e já julgou, a decisão precisa ser cumprida — disse o especialista.
O GLOBO recorreu em segunda instância e ainda aguarda a resposta da Secom. Caso a secretaria indefira o recurso, o caso ainda poderá ser julgado pela CGU, que poderá ter que decidir se a Secretaria deverá ou não cumprir uma decisão que já foi tomada pela própria Controladoria-Geral da União.
A insistência da Secom em não divulgar os dados determinados pela CGU acontece em um momento em que o órgão é alvo de investigações conduzidas pelo MPF e pelo TCU. Em uma delas, o órgão apura as suspeitas de que a Secom teria direcionado, deliberadamente, recursos a sites e canais do YouTube bolsonaristas.
Na semana passada, o ministro do TCU Vital do Rego ordenou que a Secom suspendesse os anúncios em sites, canais e aplicativos considerados inapropriados.
A Secom vem se defendendo sob o argumento de que a destinação dos anúncios é feita de forma automatizada pela plataforma conhecida como Google Adsense, um mecanismo conhecido como “mídia programática”.
O Google, por sua vez, disse que os clientes, como a Secom, têm acesso a um sistema para vetar a veiculação de anúncios de sites específicos ou de categorias inteiras.