Fux quer STF passivo diante do bolsonarismo e do lavajatismo

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Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Uma presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com maior distanciamento dos políticos, melhor capacidade de comunicação e capaz de entrar em temas controversos fora da pauta criminal dos últimos tempos. São essas as sinalizações que o ministro Luiz Fux vem fazendo para descrever como será o seu mandato de dois anos no comando da Corte a partir de setembro.

Desde 2018, o atual presidente, Dias Toffoli, ficou marcado por abrir seu gabinete para políticos com mandato eletivo. Foi possível vê-lo ao lado de senadores debatendo a prisão após condenação em segunda instância ou, até mesmo, recebendo deputados para falar de questões específicas envolvendo servidores públicos de Rondônia, Roraima e Amapá. A interlocutores, Fux tem dito que pretende manter canal apenas com os presidentes de Poderes e algumas lideranças partidárias.

Não se repetirão, ele afirma a quem lhe pergunta, cenas como a ida, em maio, do presidente Jair Bolsonaro ladeado por empresários para pressionar o Supremo a reduzir as medidas que restringiram a circulação de pessoas durante a pandemia.

Fux também é contrário ao pacto entre os três Poderes, iniciativa mobilizada por Toffoli no início do governo Bolsonaro. O movimento acabou sendo deixado de lado após o crescimento do atrito entre Planalto, STF e Congresso, mas não há qualquer intenção do ministro de retomar a agenda. São muitos os casos de interesse do governo que passarão pela Corte, avalia Fux. Na última sexta-feira, por exemplo, o ministro Gilmar Mendes deliberou sobre um assunto que preocupa o Planalto, e decidiu pela prisão domiciliar de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Alerj.

Outros assuntos que interessam ao meio político são o foro privilegiado e o cumprimento de medidas cautelares em gabinetes de parlamentares por investigações envolvendo fatos anteriores ao mandato, por vezes determinadas por instâncias inferiores da Justiça. Nas últimas semanas, o senador José Serra (PSDB-SP) e o deputado Paulinho da Força (SDD-SP) foram alvos de busca e apreensão e questionaram a legalidade das apurações no Judiciário. Apenas José Serra conseguiu derrubar as ações.

Fux acredita que o STF acabará precisando se posicionar sobre as medidas cautelares. Em relação ao foro especial, o ministro já defendeu que o tribunal se manifeste apenas após o Congresso concluir a tramitação de projetos sobre o tema. Uma proposta que restringe o foro por prerrogativa de função já foi aprovada pelo Senado em 2017, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, jamais colocou o assunto em pauta desde então.

O ministro tem dito pretender melhorar a comunicação do tribunal com a sociedade. Fux chegou a cogitar usar o modelo de porta-voz, como Bolsonaro fez no ano passado com o general Otávio do Rêgo Barros. A ideia, contudo, foi descartada. Outra possibilidade no horizonte é a de trabalhar um perfil no Twitter. Hoje, apenas três dos 11 ministros do STF se comunicam por redes sociais — Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Mesmo assim, o alcance do trio ainda é baixo. Somados, chegam a cerca de 700 mil seguidores no Twitter. Bolsonaro, sozinho, tem 6,6 milhões.

O futuro presidente do STF quer priorizar pautas econômicas, mas também apresentar temas polêmicos ao plenário da Corte. Um deles envolve a ortotanásia (não prolongamento artificial do processo natural da morte). Ao contrário da eutanásia, proibida no Brasil, a prática é autorizada, mas algumas vezes contestada em tribunais. O ministro sabe que o tema pode sofrer resistência de alas bolsonaristas ávidas por uma agenda de costumes, mas está disposto a colocar o assunto em pauta no segundo semestre.

Não há qualquer relacionamento construído atualmente entre Fux e Bolsonaro, mas o ministro costuma se referir com elogios a um dos principais nomes hoje da Esplanada. O preparo de André Mendonça, titular da Justiça e cotado para a vaga de Celso de Mello, é ressaltado, embora haja o sentimento de que o episódio da elaboração de um dossiê contra servidores antifascistas pode ter complicado a indicação.

Nos julgamentos do STF, Fux tem trajetória de alinhamento com a operação Lava-Jato, o que já lhe rendeu críticas por decidir conforme a pressão da opinião pública. A palavra “pressão” incomoda o ministro, mas ele admite prestar atenção aos anseios sociais nas ações que passam pelas suas mãos.

Nos últimos anos, Fux tem elogiado a interlocutores e mesmo em seus votos em plenário a operação que começou em 2014 e colocou na cadeia alguns dos mais relevantes políticos e empreiteiros do país. A insinuação de que a Lava-Jato teve atuação política é rechaçada pelo ministro. Ele acredita que o ex-juiz Sergio Moro não será candidato a presidente, especulação que ronda o mundo político desde que ele deixou o governo Bolsonaro denunciando interferência política na Polícia Federal.

Na pauta do plenário, Luiz Fux vai priorizar julgamentos que contribuam para a recuperação econômica do país. O ministro assumirá o cargo em meio a uma pandemia e uma crise institucional. Terá a tarefa de costurar o apoio dos colegas e selar de modo mais concreto a harmonia com o governo — tudo por meio de conversas on-line. A previsão é que o tribunal não retome suas reuniões presenciais neste ano. O maior desafio é diminuir os efeitos das perdas financeiras que o Brasil sofreu nos últimos meses, como escassez de empregos, fechamento de empresas e achatamento do PIB.

No campo dos direitos humanos, Luiz Fux pretende pautar processos que possam reforçar o papel do Supremo Tribunal Federal como garantidor de direitos das minorias. Nesse tipo de julgamento, o plenário costuma ser unânime em prol dos direitos fundamentais. Foi assim quando a Corte criminalizou a homofobia.

O Supremo está longe da unanimidade no campo criminal. Normalmente, os julgamentos são apertados, como ocorreu quando o plenário decidiu que condenados por tribunais de segunda instância tinham o direito de aguardar em liberdade até o último recurso. Os placares podem mudar ao longo dos dois anos da gestão de Fux. Isso porque dois dos 11 ministros vão se aposentar: Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. Ambos votaram pelo direito do réu aguardar em liberdade por mais tempo.

Na gestão interna, o novo presidente pretende transformar o Supremo em uma das primeiras cortes integralmente digitalizadas no mundo.

Enquanto o trabalho remoto se estender, Luiz Fux terá de costurar distante o apoio dos colegas. Nem todo ministro gosta de conversar por meio de aplicativos de vídeo, o que impõe um desafio.

Luiz Fux defende a relação harmônica entre os Poderes, mas de forma comedida. O ministro deve promover um distanciamento nas relações pessoais ao comandar a Corte, em um estilo mais discreto.

O Globo