Ministro de Bolsonaro diz que “versão paz e amor” é melhor

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Foto: Denio Simões/Valor

O governo chega aos seus 600 dias, após uma série de embates com outros Poderes, decidido a manter uma melhor interlocução com as outras instituições. “A gente observa que o resultado para a sociedade é melhor”, afirmou ao Valor o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira.

Para ele, sem essas turbulências institucionais, o governo parou de gastar energia e o país conseguiu andar. Foi um período de adaptação do presidente Jair Bolsonaro, avalia o ministro, citando até as mudanças do petista Luiz Inácio Lula da Silva quando chegou ao Palácio do Planalto.

Oliveira foi chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro e seu pai trabalhou por vários anos na Câmara com o presidente, que o chama de “major”, uma referência ao posto que alcançou na Polícia Militar do Distrito Federal. Um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, ele acumula o comando da Subchefia de Assuntos Jurídicos, cargo estratégico no Palácio do Planalto e pelo qual passa todo documento a levar a assinatura do presidente.

É nessa área que Oliveira mantém um projeto que pretende deixar como legado: a simplificação e a facilitação do acesso à legislação. Desde que tomou posse, destaca, foram revogados quase 3 mil decretos. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida antes do novo incidente entre Bolsonaro e um repórter do “Globo”:

Valor: A fase “paz e amor” do presidente Bolsonaro veio para ficar ou seria temporária porque, talvez, não esteja no DNA político dele?

Jorge Oliveira: Na verdade – e esta é uma avaliação pessoal minha – todos os Poderes e toda a sociedade, bem como o presidente, passaram por essa adaptação. A relação dos cidadãos com o poder público mudou muito como reflexo do que as redes sociais possibilitam. A comunicação é muito mais ágil e o volume de informações é muito maior. Todos nós estamos nos adaptando em alguma medida. Começamos a ter embates e isso vinha numa intensidade muito grande. Até certa medida, os embates são positivos – eles constroem mais e são melhores para a efetivação das ideias. No entanto, chegamos a um ponto em que esses embates viravam desgaste, havia uma perda de energia, o país não estava andando. O governo estava com uma série de crises, algumas naturais e outras não, então houve um entendimento que não foi só do Executivo. O Parlamento, o Judiciário, o TCU melhoraram a comunicação conosco também.

Divergências são naturais, mas as instituições devem ser fortes e essas forças precisam ser iguais. A Constituição é clara no papel de cada uma. Nesse sentido, houve alguns episódios específicos em que foi necessário ter uma conversa melhor e deixar de lado as nossas divergências menores, para pensarmos em pautas mais importantes, num momento de pandemia.

Valor: Mas a sensação de quem cerca o presidente é de que esse jeito menos estridente veio para ficar?

Oliveira: É sim, não é uma fase e nem algo que vai acabar. A gente observa que o resultado para a sociedade é melhor. Fazer um bom governo é obrigação. O aumento da popularidade é consequência.

Valor: Pelo que o senhor está dizendo, houve um aprendizado nesses 18 ou 19 primeiros meses…

Oliveira: Embora tenha um perfil combativo e defenda seus pontos de vista de forma muito veemente, o presidente sempre foi uma pessoa do diálogo e da construção no dia a dia. Ele dá liberdade de trabalho à equipe, ouve muito, volta atrás quando se convence de alguma situação. O que existe é um processo de adaptação – natural para quem saiu de 28 anos como deputado. O parlamentar tem uma liberdade maior de expressão, que o chefe do Executivo não tem ou não convém que tenha.

O presidente, quando é eleito, não governa só para ele. O Lula, antes de ser eleito, tinha um discurso muito veemente. Depois de tentar algumas vezes, sem conseguir, amenizou o discurso. Quando foi eleito, sabendo que iria governar também para quem não votou nele, buscou um entendimento mais amplo ainda. E cria-se o Psol com a ala mais radical do partido [PT]. O presidente [Bolsonaro] também vem com discurso forte para o outro lado, oposto ao dos governos anteriores, e mantém suas convicções. Aqueles que são apoiadores mais radicais do governo criticam o governo. Se você olhar as minhas redes sociais, eu apanho e não é pouco. Nunca tive essa militância ideológica. Respeito quem tem, mas não é meu perfil e tento manter uma postura mais moderada. Sofro muitas críticas da chamada ala bolsonarista raiz. Eu tenho rótulo de isentão. Levo na esportiva.

“Se o presidente me perguntar, a minha indicação para o STF é do ministro André Mendonça. O currículo dele é invejável”

Valor: Mal comparando, extremistas como Sara Giromini e Allan dos Santos são o Psol de Bolsonaro?

Oliveira: Em alguma medida, sim. Sem entrar no mérito do que cada um defendeu, há uma linha bem diferente que separa esquerda e direita, mas os dois têm seus extremos. E é natural que tenha. É bom que haja diferenças. Trazer esse rótulo de “paz e amor” guarda alguma relação com o “cheguei ao poder legitimamente, vou governar para quem votou em mim, mas tenho que dialogar com quem não votou em mim”. Significa manter posições, mas ter um diálogo mais amplo com a sociedade. E talvez convencer quem não votou nele.

Valor: O senhor falou em “episódios específicos” que levaram o governo a pensar no desgaste. A queima de fogos em frente ao STF e a ameaça a ministros do Supremo foi um deles?

Oliveira: Foi um deles. Nesse eu me manifestei [nas redes sociais] e sofri muitas críticas da chamada base de apoio bolsonarista. Não me arrependo, reafirmo e me manifestaria novamente nos mesmos termos. Defendemos o respeito a todas as instituições. Da mesma forma que prego o respeito ao Supremo, prego ao Executivo. Também tivemos episódios de hostilidade aqui, jogar tinta na rampa do Palácio do Planalto, afrontas em redes sociais ao presidente e à família dele. Não é bom para ninguém e não é assim que vamos fazer um país melhor. É muito importante o papel das oposições, o papel da imprensa quando fiscaliza e cobra falhas do governo, mas desde que forma leal e verdade, sem distorção de fatos. Com respeito, a divergência é positiva.

Valor: Um sinal dessa nova fase é que as últimas polêmicas – a questão dos dossiês e a quase derrubada do veto a reajustes no funcionalismo – se resolveram com um nível de estresse menor do que antes?

Oliveira: Isso é bom para o país. Independentemente de quem está tendo êxito. Que as instituições cumpram seu papel, mas o façam com a maior ponderação possível.

Valor: Antes dessa nova fase, segundo a revista “Piauí”, o presidente irritou-se de tal forma com a possibilidade de apreensão de seu telefone celular que queria intervir no STF. A que o senhor atribui essa reação?

Oliveira: É natural, quando a gente tem convicção de estar fazendo o certo, se indignar diante de alguém que nos questiona. Mesmo na nossa vida pessoal é assim. O presidente faz isso de forma espontânea. Ele gosta de falar com clareza o que pensa, mas nós seguimos estritamente a legislação.

Valor: Mas então ele falou concretamente em intervir no STF?

Oliveira: Não, não nesse sentido de intervenção. Existem mecanismos constitucionais para você se insurgir contra algo de que eventualmente discorde.

Valor: O senhor se refere ao artigo 142 da Constituição Federal?

Oliveira: Não, o artigo 142 regulamenta o papel das Forças Armadas e é muito claro, não se fala de intervenção deliberada. Na verdade, o artigo diz que qualquer um dos três Poderes poderia se valer das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem.

Valor: O senhor sabe que o presidente tem apoiadores, mesmo não majoritários, pedindo o uso do artigo 142 para fechar STF e Congresso.

Oliveira: O presidente nunca pregou essa intervenção.

Valor: De fato, não. Mas esta é uma oportunidade para o senhor esclarecer que não é possível o Executivo usar o artigo 142 como forma de intervenção no STF ou no Congresso.

Oliveira: Não dá para usar. Lógico que não! E mais: para quem diz que o presidente tem viés autoritário ou ditatorial, ele concorreu a nove eleições seguindo as regras do jogo democrático, como todos os demais candidatos. Não é o caso, mas mesmo se houvesse algum viés autoritário, a nossa democracia está suficientemente consolidada para não permitir isso. Tanto no plano interno como no externo.

Valor: O governo Bolsonaro acaba de completar 600 dias. Qual é o balanço e o que vem pela frente?

Oliveira: Nós fazemos avaliações periódicas a cada 100 dias. Tivemos 30 anos com uma formatação de governo e o presidente [Bolsonaro] veio com uma proposta diferente. Foram quatro mandatos ou um pouco mais, se considerarmos o viés mais neutro das gestões governo Fernando Henrique, mas que eram de centro-esquerda, digamos assim. O presidente vem com uma pauta de direita. Ele foi claro em se apresentar como conservador nos costumes e liberal na economia. Não fez um discurso na campanha para governar de outro jeito. Hoje temos os maiores marcos de revogação normativa dos últimos tempos. Só em decretos, são quase 3 mil já revogados. Para um total de 700, mais ou menos, editados no governo Bolsonaro. Promovemos uma estrutura inédita aqui só para revogação de atos exauridos e consolidação de normas sobrepostas. Tínhamos mais de 26 mil decretos e mais de 20 mil leis em vigor no país. É um trabalho de desburocratização e desregulamentação para tornar tudo mais simples e acessível ao cidadão. Inovar nunca é simples. Há resistências naturais e as pessoas são avessas a mudanças, mas o governo veio com uma pauta de menos intervenção. Privatizações são importantes para nós. Há quem discorde, mas houve um recado claro das urnas sobre isso.

Valor: O Centrão não está mais tão entranhado na administração como em governos anteriores, mas voltou a ocupar cargos. O novo líder do governo na Câmara é do PP. E, assim como o senhor diz que o presidente foi claro na campanha em diversos pontos, ele deixava explícita sua rejeição ao Centrão. Como isso?

Oliveira: A política não pode ser demonizada. Ela é vital para a democracia. É natural que o senso comum diga: “Ah, político é tudo ladrão”. Se você olhar o Parlamento todo, com 513 deputados, a maior parte é de pessoas bem intencionadas. Como em qualquer profissão, alguns se desviam do caminho e a instituição fica estigmatizada. Isso significa que todo parlamentar do Centrão é corrupto? Não, de forma nenhuma. Em um ano e oito meses de governo, não tivemos nenhum escândalo de corrupção no governo. Fazemos um trabalho preventivo muito forte com a CGU. Quando o presidente diz que escolheu um ministério técnico, é verdade. Ele dá total autonomia aos ministros. Em governos passados, tínhamos pessoas que assumiam posições de alto relevo na administração pública sem formação para aquilo. A corrupção ocorria por má-fé ou incapacidade de gestão.

Valor: Tudo bem, ministro, mas isso é tão verdade agora quanto era na campanha eleitoral de 2018.

Oliveira: Sim, concordo plenamente. Mas o que o presidente disse – e continua dizendo – é que não haverá o toma-lá-dá-cá. E a coisa funcionava assim mesmo: vota comigo que eu libero a emenda para você construir uma ponte no seu município. Isso não acontece mais. Até porque as emendas hoje são impositivas. Com os cargos, a mesma coisa. Os ministros têm total liberdade para indicar as pessoas. Tem um pedido de partido aliado para ocupar tal cargo? Se o ministro não quer, não entra.

Valor: O que houve na quase derrubada do veto sobre o congelamento de salários no funcionalismo?

Oliveira: Eu acho que foi um recado [do Senado]. Em alguma medida, sobre a dificuldade no diálogo. Não foi bom para o país, mas o Executivo segue a política pública determinada pelo Legislativo. Nós tínhamos a convicção de que esse veto era importante e fizemos isso acordando, dando ciência à presidência das duas Casas, até antes do ato. Não poderia haver aumento para ninguém até 31 de dezembro de 2021, exceto profissionais de saúde. Quando veio para o presidente analisar, ele viu que o cobertor estava curto e haveria necessidade de endividamento, gerando inflação e penalizando os mais pobres. Era uma cota de sacrifício para o servidor que mantém sua remuneração. É bom? Não é bom, mas estamos numa pandemia e é pior para o autônomo, para o cara que vende a bala no trem, que lava o carro para ganhar um dinheiro.

Valor: Como o governo poderia achar espaço fiscal para mais investimentos no âmbito do Pró-Brasil?

Oliveira: Temos que envolver a iniciativa privada. O país não se faz só com a força do Estado. Essa pauta de desburocratizar, desregulamentar, desonerar se potencializa agora. Mas é demorado, não é fácil, o Parlamento é muito plural. Por outro lado, a agenda de concessões está andando bem.

Valor: O senhor é da turma do “fura teto” ou defende que não dá para turbinar as obras públicas?

Oliveira: Respeitar o teto de gastos, a política econômica, a rigidez fiscal é importante para o país independentemente do governo. O governo passa, mas voltar a uma inflação de 40% ao mês só penaliza os mais pobres. A sustentação de uma política econômica responsável não é mérito só deste governo.

Valor: Ok, mas vão dizer “não” ao ministro [do Desenvolvimento Regional] Rogério Marinho?

Oliveira: Lógico! O Marinho é um cara fantástico, inteligente, pró-ativo. Valor: E é “fura teto” também? Oliveira: Ele tem a vontade de entregar e é bom que ele tenha isso. O ministério do Marinho tem necessariamente de fazer entregas e é natural que ele defenda esse ponto de vista veementemente. Que bom que ele faz isso. Assim como o Tarcísio, na Infraestrutura, quer fazer ferrovia, quer fazer rodovia. Agora, para isso, existe mediação. A Casa Civil faz uma mediação entre os ministérios. É assim na nossa vida. Você vai viajar ou reformar o banheiro? O país é muito carente e o Marinho quer resolver os problemas, mas a política fiscal é dada pela Economia e a fala do ministro Guedes tem um peso maior. Essa divergência é natural.

Valor: O senhor mantém a defesa de recriação do Ministério da Segurança Pública?

Oliveira: Fui vencido na época da transição, pois entendi que foi uma boa realização do governo do presidente Temer. Na transição, foi permitida essa fusão, para que se desse mais efetividade ao combate à corrupção e uma série de argumentos que foram levados. Particularmente, uma posição muito pessoal: entendo que não teve essa efetividade. O ministro André [Mendonça] assume ainda com esse modelo e tenta dar uma autonomia a mais às instituições, tanto que estamos tendo em três meses recorde de apreensões da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal. Eu defendo a criação. Falo isso publicamente e falo ao presidente.

Valor: O ministro Celso de Mello deixa o STF em novembro e o senhor é sempre citado como um dos possíveis indicados para sucedê-lo. O senhor almeja essa vaga? Com que cenário exatamente está trabalhando?

Oliveira: É preciso ter respeito com quem está no cargo e hoje é o ministro Celso de Mello, decano da Corte. No dia 1º de novembro ele completa 75 anos de idade, o que faz com que ele tenha que vagar o cargo. O presidente terá, neste mandato, essa primeira vaga do ministro Celso. Depois, a segunda vaga do ministro Marco Aurélio e, caso reeleito, mais duas vagas em 2023. Então, é natural que se fale em nomes e quem vai ser indicado. Caso o presidente me pergunte – e nunca me perguntou isso abertamente – que nome eu defenderia, eu defendo o nome do ministro André Mendonça. Acho que ele reúne todas as qualidades para ser um excelente ministro do STF.

Valor: Mas ele não ficou em baixa por causa da questão do dossiê?

Oliveira: De forma alguma. Ele sai mais forte do que antes. Conseguiu explicar exatamente os pontos que envolviam esse tema, foi ao Parlamento de forma voluntária, foi aos ministros do STF e conversou com todos eles. Tomou as providências tão logo o assunto ocorreu. É uma pessoa íntegra, profissional brilhante e tem currículo invejável. Caso o presidente me pergunte, a minha indicação é dele.

Valor Econômico