OAB do Paraná critica juíza racista

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Foto: Reprodução

A seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil indicou que vai oficiar o Ministério Público do Estado para apurar a prática de racismo na sentença da juíza Inês Marchelek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, que ao calcular a pena de um homem negro de 42 anos afirmou: ‘seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça […]’. “A afirmação é inaceitável e está na contramão do princípio constitucional da igualdade e da não discriminação. Cor e raça não definem caráter e jamais podem ser utilizadas para fundamentação da sentença, notadamente na dosimetria da pena”, registra nota da OAB-PR.

A entidade também sinalizou que iria protocolar pedido para instauração de procedimento administrativo sobre o caso no Tribunal de Justiça do Paraná. No entanto, logo após a repercussão do caso, a Corte informou que a Corregedoria Geral de Justiça havia aberto o procedimento para investigar os fatos. No fim da tarde, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou pedido de providências contra a magistrada para investigar possível lesão à Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e ao Código de Ética da categoria.

A sentença que tratou ‘seguramente’ como ‘integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça’ foi proferida em junho, mas ganhou repercussão após a advogada Thayse Pozzobon postar trecho do documento em suas redes sociais. Além de Natan, a juíza condenou mais seis pessoas, sendo que na dosimetria de pena das mesmas não há menção a ‘raça’.

Na avaliação da advogada Andréia Cândida Vitor, presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB-PR, a decisão ‘demonstra a prática de racismo institucional e estrutural e supõe que a conduta social e os antecedentes do réu importam menos que sua origem’.

“A decisão é inaceitável, imprópria e inadequada. Ela está na contramão de tudo o que buscamos e queremos. Lutamos por igualdade, queremos o fim do preconceito e não sua disseminação. Essa sentença retroage centenas de anos. Julgar alguém pela cor é de um retrocesso que merece toda a repulsa. Cor não revela caráter. Esperamos que haja no âmbito do Judiciário a devida reparação dessa conduta e a punição cabível”, afirmou ainda o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, em nota.

Para a Comissão da Advocacia Criminal, presidida pelo advogado Edward Carvalho, a afirmação contida na sentença ‘é carregada de racismo explícito e odioso, refletindo uma cultura de séculos de opressão’.

A advogada Silvana Niemczewski, consultora das Comissões de Igualdade Racial, Defesa dos Direitos Humanos e da Verdade da Escravidão Negra da OAB Paraná, afirmou: “o que o racismo institucional produz não é só a falta ou a dificuldade de acesso aos serviços e direitos. Verificamos nessa decisão também a perpetuação de uma condição estruturante de desigualdade em nossa sociedade. Até quando seremos julgados pela nossa cor de pele?”

A Defensoria Pública do Paraná também externou ‘esterrecimento e inconformismo’ com o teor da sentença e divulgou nota contra a magistrada. “Não se pode tolerar, de nenhuma forma e de quem quer que seja, que a raça ou a cor da pele de uma pessoa seja motivo de valoração negativa ou influencie presunções sobre sua conduta e sua personalidade, tampouco que fundamente juízo condenatório ou maior repressão penal”, apontou.

Após a repercussão da decisão, a juíza divulgou nota de esclarecimento afirmando que ‘nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor’ e que a linguagem ‘quando extraída de um contexto pode causar dubiedades’.

“Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender”, escreveu a magistrada em nota de esclarecimento publicada no site da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar). “Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém”, seguiu.

COM A PALAVRA, A JUÍZA

A magistrada divulgou nota de esclarecimento por meio da Associação de Magistrados do Paraná:

A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.

O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.

A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.

Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.

A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.

Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.

A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.

Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.

O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.

Estadão