Outro bolsonarista obtém acordo raro na Justiça

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O acordo de não persecução penal fechado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania), que vai pagar multa de R$ 189 mil para encerrar ação referente à caixa 2 de R$ 300 mil no primeiro acerto do tipo celebrado pela Procuradoria Geral da República, abre um precedente específico para casos similares e mostra o peso da avaliação do Ministério Público Federal, avaliam juristas ouvidos pelo Estadão. Tanto o valor a ser pago pelo político como até mesmo a viabilidade do acordo, considerando diferentes aspectos do crime, dependem da ‘cautela’ do Ministério Público Federal, sendo que contextos ‘mais complexos’ não cabem no dispositivo.

A advogada e desembargadora aposentada do TRF-3, Cecilia Mello aponta que o caso de Onyx abre um precedente para os acordos de não persecução penal, mas relacionados a delitos com o mesmo desenho, de ‘menor complexidade e valor não tão estrondoso’, fazendo com que investigados por delitos similares possam receber uma proposta semelhante.

O criminalista Celso Vilardi lembra que a falsidade ideológica eleitoral é ‘um crime menor’, que admite o acordo ou suspensão condicional do processo. “Parece-me, sem conhecer os detalhes do acordo, que a solução adotada é perfeitamente legal e está de acordo com as normas vigentes”, diz.

Na mesma linha que Cecilia, a advogada constitucionalista Vera Chemim avalia que, como se trata do primeiro acordo feito na seara eleitoral, ‘não há dúvidas de que surgirão outros casos semelhantes que farão a mesma trilha neste sentido’.

Como titular da ação penal, é o Ministério Público que desenha o acordo, não só definindo o valor da multa, mas também podendo estabelecer outras condições, como trabalho voluntário e diferentes restrições, lembra Cecília. A advogada destaca que o instituto é recente, sendo que os acordos vão passar a ter muitos desenhos, dependendo diretamente dos delitos cometidos. Contextos mais complexos não devem caber nos mesmos, ressalta.

“A avaliação (quanto ao acordo de não persecução penal) caberá ao Ministério Público, então você vê que é um papel importante, tanto para um lado quanto para o outro. Imagine uma situação similar à do Onyx onde o Ministério Público fale que ‘não vou propor acordo para caixa 2 de campanha’. Claro que ele vai pleitear e recorrer, mas você vê que cai numa avaliação do Ministério Público”, diz.

Especialista em direito administrativo e penal, Cecilia explica que diferentes aspectos são levados em consideração na hora de avaliar o cabimento de um acordo de não persecução penal, a começar pelo limite de que o crime envolvido deve ter pena mínima de até quatro anos.

Segundo a advogada, há um entendimento de que quando há mais de um delito envolvido, as penas mínimas de cada um são somadas, o que torna difícil que operações maiores com desenhos mais complexos – envolvendo lavagem de dinheiro, corrupção e outros delitos – sejam abarcados pela possibilidade do acordo.

Cecilia também aponta que em tal contagem também deve se levar em consideração aspectos como continuidade delitiva e ainda os valores envolvidos. Ela indica que, no caso de Onyx, os mesmos acabaram por não inviabilizar o acordo, mas, se fossem maiores, talvez o instituto não fosse viável porque motivaria um aumento na pena mínima, proporcional ao montante desviado.

A advogada entende ainda que, com relação a acordos de não persecução penal e o crime de doação de campanha não declarada, montantes mais elevados, que correspondem a parcela significativa ou até mesmo todo o valor gasto na campanha, podem invalidar possíveis acertos, sob o entendimento de que houve uma interferência do processo democrático por causa do valor substancial.

Cecilia ressalta, no entanto, que diferentes aspectos relacionados ao instituto são novos e que haverá uma evolução dessa dinâmica, com o possível debate de outras questões, uma vez que é não é algo objetivo, previsto na lei. Ela ressalta que há debates e propostas relacionadas ao instituto.

Rodrigo Dall’Acqua, especialista em Direito Penal e sócio do OL&D Advogados, explica que o acordo de não persecução penal exige o pagamento do dano causado pelo crime, sendo que nem sempre é possível quantificar o valor.

“O delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral ofende a lisura do processo eleitoral e gera um dano que não se traduz em termos pecuniários. Portanto, o valor recebido pelo político como caixa 2 não é necessariamente o valor do dano”, explica.

Segundo Dall’Acqua, quando o prejuízo do crime é abstrato, o acordo de não persecução penal pode arbitrar o valor do pagamento como sendo uma multa, estabelecida de acordo com os amplos critérios do Código Penal, permitindo assim que políticos façam o acordo sem que necessariamente paguem a integralidade do valor recebido como caixa 2.

Assim como apontando por Cecília, o criminalista André Damiani diz que o acordo vem sendo entendido como um negócio jurídico processual que vincula tão somente os envolvidos (Ministério Público e investigado), no qual deve prevalecer a autonomia da vontade das partes.

“Nesse sentido, o valor da sanção pecuniária imposta ao ministro foi livremente negociado entre as partes e, uma vez que estas deram-se por satisfeitas, devemos presumir que estamos diante de um valor justo. Vale lembrar que a PGR, titular da ação penal, no momento de firmar um acordo de não persecução penal deve ter em conta não apenas o montante atualizado da eventual doação ilegal, mas também o alto custo para o erário público que envolve um longo processo penal cujo resultado é incerto.”

Especialistas também destacam que o fato de um crime ter sido praticado em razão de um cargo público não implica da inviabilidade do cabimento de um acordo de não persecução penal. O mesmo ocorre no caso de um delito que tem relação com a campanha de um político que acaba eleito.

Segundo o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, na hipótese de um político que pratica caixa 2 em uma campanha e é eleito, do ponto de vista penal, a assinatura da não persecução não afeta o mandado. “O acordo afasta qualquer intervenção nos direitos do celebrante relacionada ao crime em questão”, afirma.

Cecilia Mello indica ainda que, no caso de um recebimento de propina por exemplo, em que um agente público confessasse o delito, caso cabível – considerando os limites e a pena mínima de até quatro anos -, o acordo de não persecução poderia ser firmado.

A advogada aponta que, em tais casos, o político em questão pode até sofrer perda do cargo, mas não pela questão do delito penal. Isso em razão de implicações e sanções paralelas, como no caso de um deputado que pode ir para o Conselho de Ética.

Advogada e desembargadora aposentada do TRF-3, Cecilia Mello avalia que em crimes financeiros, onde haja lesão ao patrimônio ou aos cofres públicos, o acordo de não persecução penal pode ser o melhor caminho, tendo em vista que reduz a demanda da Judiciário, inibe a ocorrência de prescrição, repara a lesão patrimonial com imediato direcionamento dos valores à administração pública e exonera o acusado do peso e dos custos de um processo.

Na mesma linha, o criminalista Daniel Gerber entende que o encaminhamento do caso envolvendo Onyx foi correto. “O acordo satisfez todas as elementares exigidas por lei, e ao ser realizado em um caso de grande repercussão serve para mostrar um novo paradigma de eficiência do Direito Penal, onde a certeza de uma determinada punição, ainda que não privativa de liberdade, diminui sensivelmente as hipóteses de impunidade e resgata a crença de que o sistema pode funcionar adequadamente e alcançar seus declarados fins”, diz.

O criminalista Diego Henrique destaca que o acordo ‘consolidou a adoção das soluções consensuais no sistema criminal brasileiro’, cujo objetivo é conferir celeridade à resolução do conflito, alcançando-se uma justa medida entre as partes.

“Do lado do acusador pune-se quem supostamente cometeu um crime, sem que se leve anos e anos de persecução na Justiça em busca de uma condenação que, por vezes, acaba não se alcançando. Já para o investigado a vantagem está em aceitar, desde logo, uma pena mais branda do que aquela que poderia receber ao final de uma ação penal e não ter seu nome inscrito no rol dos culpados, já que o acordo não gera antecedentes criminais.”, afirma.

A advogada constitucionalista Vera Chemim aponta ainda que, a despeito da importância do acordo de não persecução penal, ‘especialmente por resolver a lide de forma objetiva e no presente caso, ressarcir o Estado, é preciso que se efetue um controle mais efetivo das negociações entre o MP e o agente que cometeu o crime, inclusive no que diz respeito ao valor de fato que deverá ser devolvido aos cofres públicos’.

Também é necessário que tal controle alcance muito além da homologação do acordo pelo STF (neste caso), diz a advogada, ‘acompanhando se o agente realmente irá ressarcir o Estado e caso ocorra qualquer evento que fuja da legislação, se o MP retomará os feitos, conforme determina a lei’.

“O que se questiona do ponto de vista penal é se esse tipo de acordo minimiza o cometimento de um crime relativamente grave, além de estimular de certa forma a sua continuidade, desde que o agente envolvido venha a devolver os recursos em tempo futuro, sem uma punição proporcional ao fato típico”, afirma ainda a constitucionalista.

Estadão