Analistas preveem muita exportação de aço em 2021

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Foto: Antonio Gaudério/Folhapress/VEJA

Fazia um calor intenso na manhã de 26 de agosto, uma quarta-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outros figurões do governo surgiram na cerimônia de retomada das atividades do alto-forno 1 na usina de Ipatinga da Usiminas, em solo mineiro. Acompanhavam o presidente da República, membros da alta cúpula da política nacional e do estado de Minas Gerais, como o governador Romeu Zema (Novo), além de executivos da companhia siderúrgica. O equipamento tem capacidade de produzir cerca de 2.000 toneladas diárias de ferro gusa. Com a pandemia do novo coronavírus, a economia mundial travou em meados de março. O fechamento de fábricas e a retração do consumo em todo o mundo fizeram com que a produção da matéria-prima primordial para a construção civil e para a indústria, presente em automóveis e eletrodomésticos, ficasse estagnada e a capacidade ociosa disparasse.

Desde 2015, a utilização da capacidade nas siderúrgicas nacionais não passa de 70%. Com a Covid-19, os índices caíram para menos de 50%. A despeito do cenário nebuloso, ainda existe um grande espaço para ser ocupado. Para isso, a retomada econômica é de suma importância. A conjuntura macroeconômica atual, em que pesa a taxa básica de juros, a Selic ao menor nível histórico e o dólar valorizado frente ao real, sinaliza novos tempos para a indústria nacional, sobretudo para as exportadoras. Soma-se, ainda, a disparada nos preços do minério de ferro, o que faz reacender as chamas de um futuro promissor para este mercado. “O atual dinamismo do setor imobiliário e dos preços relativos como câmbio devem estimular a indústria siderúrgica nacional, especialmente se a demanda global ajudar”, projeta o engenheiro e doutor em economia Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda e atual diretor de estratégia econômica e relações com mercados do banco Safra.

Em governos anteriores, a indústria nacional foi preterida em relação ao avanço de setores como comércio e serviços. Não são poucos os que classificam o período da recente economia brasileira como um processo de ‘desindustrialização’. Pode ser que tal afirmação seja até exagerada, mas não se deve negar que a taxa de juros altíssima e o dólar parelho ao real de tempos passados foram fatores que levaram diversos segmentos produtivos à estagnação. “Em países mais desenvolvidos, quando você tem um processo de desindustrialização, é porque a renda da população e o PIB per capita já alcançaram uma evolução natural”, afirma Luis Fernando Martinez, diretor-executivo da CSN. “Aqui no Brasil, a indústria se desidratou nos últimos anos, ao mesmo tempo em que não tivemos crescimento dos índices de renda da população”.

Dados do Instituto Aço Brasil apontam que a produção siderúrgica brasileira não passou de 14,2 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2020. Os números identificam uma queda de 17,9% em relação à quantidade produzida de janeiro a junho do ano passado. O crescimento robusto do mercado imobiliário reduziu as perdas do setor no período, mas ainda é necessário que a indústria automobilística e a produção de máquinas e equipamentos retomem. “Mais de 80% da demanda da indústria siderúrgica brasileira está concentrada em construção civil, bens de capital e no setor automotivo. Quando veio a pandemia, nós enfrentamos uma crise severa, porque só o setor da construção civil continuou funcionando”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente da entidade. “Em julho, nós retomamos o nível de atividade que tínhamos em janeiro. Estamos vivenciando uma retomada em V.”

Segundo Martinez, da CSN, o país precisa passar por uma ‘reindustrialização’ de maneira sólida. Para isso, não basta a taxa de juro atraente, mas a desburocratização do sistema tributário nacional — lembra-se que a reforma tributária ainda tem um longo périplo a seguir antes de ser aprovada no Congresso. “A indústria precisa ter um papel mais relevante na economia. Em países mais desenvolvidos, a participação da indústria no PIB gira em torno de 25%. Hoje, o nível de participação da indústria no PIB nacional é inferior a 10%”, diz Martinez.

O consumo do aço ilustra o desenvolvimento das nações. Olhar para a Ásia torna isso bastante claro. Enquanto o consumo per capita de produtos siderúrgicos no Brasil era de 100,6 kg (quilogramas) em 1980, a China consumia apenas 32 kg. Em 2019, no entanto, esse indicador evoluiu no país asiático para a marca de 636,1 kg. O Brasil, entretanto, manteve-se estagnado, com consumo de 99,4 kg per capita no último ano. Na Coreia do Sul, por sua vez, o patamar evoluiu de 134,4 kg para 1.054,4, na mesma base comparativa. Não à toa, a China e a Coreia do Sul são dois dos principais exemplos de evolução econômica das últimas décadas — e o Brasil viveu de soluços de crescimento e de duas décadas perdidas.

A multinacional ArcelorMittal, que exporta para mais de 30 países a partir de sua operação brasileira, prevê novos rumos para a siderurgia com a reforma tributária. “Não existe um país forte sem uma indústria forte”, diz Benjamin Baptista Filho, presidente da companhia no Brasil. Para ele, o grande trunfo da reforma será reconduzir o país no caminho da geração de emprego por meio de investimentos em infraestrutura. “A China e a Coreia do Sul são ótimos exemplos de países que investiram muito, com a criação de portos, aeroportos, ferrovias, construção naval e desenvolvimento de máquinas agrícolas. Aqui no Brasil, só a malha de aeroportos é bem desenvolvida. Ainda há muito o que se fazer”, reitera.

Assim como o processo de religamento de um alto-forno é delicado e demanda muitos estudos, aumentar a capacidade produtiva para exportação não é tão simples. Para diminuir a ociosidade nas fábricas, índice que em junho foi de 51%, o setor briga pela recomposição da alíquota do Reintegra, programa de incentivo fiscal criado pelo governo em 2011. Hoje, essa alíquota é praticamente invisível, apenas 0,1%. “Nós temos uma capacidade ociosa muito alta. Enquanto não sai a reforma tributária, brigamos com o governo pela recomposição do Reintegra, que é um meio importante de recompormos a nossa capacidade competitiva, migrando nossos produtos para a exportação”, diz Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil. O Reintegra já foi mais generoso. Em 2014, por exemplo, devolvia 3% da receita da exportação.

Com o cenário de guerra comercial, a balança brasileira foi afetada e as vendas de produtos manufaturados recuaram 11% em 2019, para 77,5 bilhões de dólares. Mesmo assim, empresas brasileiras que têm plantas na América do Norte, como CSN e Gerdau, conseguiram passar quase que ilesas pelo período mais conturbado do embate geopolítico. Recentemente, os Estados Unidos anunciaram uma medida para restringir a importação do aço de diversos países. Não foi diferente com o Brasil. Devido à ociosidade na indústria americana, a cota isenta para o produto brasileiro foi reduzida de 350.000 toneladas para 60.000 toneladas no quarto trimestre do último ano. Em dezembro, os países devem voltar à mesa de negociação para definir o acordo para 2021. Lembra-se que os EUA são o principal mercado para a exportação do aço brasileiro.

Nos últimos anos, as companhias que investiram em tecnologia em seus processos produtivos se deram bem e agora devem colher os frutos. “De 2008 a 2019, a indústria siderúrgica brasileira investiu 27,5 bilhões de dólares. A maior parte desses aportes foi na área tecnológica. É o que faz com que as empresas do setor chamem a atenção do investidor na bolsa de valores”, relembra Mello Lopes. As siderúrgicas listadas no Ibovespa, principal índice das ações listadas na B3, recuperaram rapidamente o valor de mercado neste ano. Um dos fatores para isso é que, com o investimento em eficiência tecnológica, as empresas a diminuíram os custos nos últimos anos. Recentemente, a CSN lançou um projeto CSN Inova, projeto que pretende desenvolver soluções para Indústria 4.0. “As pessoas talvez ainda tenham uma visão de que a indústria siderúrgica é ultrapassada, pesada e obsoleta. Mas não é nada disso. A siderurgia nacional é uma das mais tecnológicas no mundo”, diz Martinez, diretor-executivo da empresa.

Apesar dos bons ventos que sopram a favor da siderurgia nacional, há de se ressaltar que o dólar, um fator preponderante para as exportações, também se valorizou perante as moedas de outros competidores, como a Turquia e a Rússia. A indústria automotiva, um dos principais mercados do aço, tende a demorar para registrar uma retomada, o que continuará pressionando as margens das siderúrgicas do país. Além disso, a recuperação econômica com mais vigor depende da aprovação da reforma tributária. “Essa nova composição de Estado pensado pelo ministro Paulo Guedes, que é juro baixo e câmbio desvalorizado, pode ser muito positiva. Mas, para isso, é preciso ter coordenação para que as reformas estruturantes sejam aprovadas no Congresso”, diz Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital. Só assim, a atividade econômica voltará a crescer, e consolidará a retomada do tradicional setor do aço em uma nova era de grandes negócios.

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