Argentina apresenta projeto para levar gás até Porto Alegre

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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O novo embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, apresentou formalmente ao governo Jair Bolsonaro um projeto bilionário de gasoduto para escoar a produção de Vaca Muerta – uma das maiores reservas de gás de xisto do planeta – até Porto Alegre. De lá, o insumo argentino poderia conectar-se com a rede brasileira para abastecer os mercados da região Sul e de São Paulo.

O projeto abrange a ampliação da capacidade de transporte no sistema de 1.430 quilômetros de dutos que corta o país vizinho. São investimentos estimados em US$ 3,7 bilhões entre a província de Neuquén, onde ficam as jazidas, e a fronteira com o Brasil em Uruguaiana (RS). A Casa Rosada corre atrás de financiamento para isso.

O trecho Uruguaiana-Porto Alegre, com quase 600 quilômetros de extensão e orçado preliminarmente em US$ 1,2 bilhão, ficaria sob responsabilidade brasileira. Estima-se que a obra levaria em torno de 18 meses e, uma vez concluída, aumentaria para 15 milhões de metros cúbicos por dia o envio de gás argentino.

A capacidade total, porém, chegaria a 30 milhões de m3 /dia – praticamente a mesma do gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol). Hoje a Argentina manda apenas 3 milhões de m3 /dia, mas de forma inconstante, para o acionamento da usina térmica de Uruguaiana, a gás natural, principalmente nos períodos de seca e quando reservatórios das hidrelétricas estão em queda.

Com essa nova infraestrutura, a Argentina quer impulsionar o uso do gás de Vaca Muerta pela indústria brasileira. Atualmente o insumo tem custo final perto de US$ 11 em São Paulo, mas poderia chegar a Porto Alegre com um valor de US$ 7 por milhão de BTU (unidade de referência no setor).

Para a Argentina, o benefício da parceria não estaria só na venda direta do gás. Com acesso a um mercado tão grande como o brasileiro, seria mais fácil atrair investimentos também para o aumento da exploração em Vaca Muerta. O megacampo teve suas reservas confirmadas em 2011 e já produz mais de 70 milhões de metros cúbicos, além de 150 mil barris de petróleo, por dia. Gigantes como Shell, Exxon e Total atuam em Neuquén. A maior parte da produção ocorre por meio da técnica de “fracking”.

“É o nosso grande projeto binacional. O Brasil precisa de gás, e nós precisamos de mercados e de investimentos”, disse Scioli ao Valor. Ele acredita que todo o desenvolvimento do projeto, a partir de tomada a decisão de levá-lo adiante, demoraria em torno de três anos – incluindo as obras.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, deve ter reunião virtual no fim deste mês com o secretário de Energia da Argentina, Darío Martínez, para explorar o assunto. O país vizinho pretende formalizar proposta de constituir um “comitê técnico de planejamento bilateral” para avançar nos temas de integração energética.

Em janeiro, durante conversa no Fórum de Davos, o presidente da estatal petrolífera YPF, Guillermo Nielsen, já havia falado sobre a ideia do gasoduto com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que manifestou forte interesse.

Na sexta-feira, ao receber o Valor em sua residência oficial, Scioli completava um mês em Brasília e se mostrava satisfeito com os contatos desde sua chegada. “Demos um salto qualitativo, buscando diálogo, explicando a situação argentina. Trouxe uma mensagem clara do presidente Alberto Fernández para colocarmos nossas ideologias de lado e trabalharmos juntos pelo fortalecimento das relações Brasil-Argentina.”

Ex-vice-presidente de Néstor Kirchner e governador de Buenos Aires por oito anos, até perder o segundo turno das eleições presidenciais contra Mauricio Macri em 2015, Scioli é tido como um peronista moderado e com forte trânsito entre empresários – perfil ideal para distensionar a relação entre Fernández e Bolsonaro.

Quanto às críticas de aumento do protecionismo na gestão Fernández, Scioli fez questão de enfatizar que a Argentina já autorizou mais de 95% dos pedidos de licenças de importações feitas pelo Brasil e atendeu a todo o planejamento comunicado pelas montadoras.

Se é para falar de comércio dentro do Mercosul, comentou o embaixador, deve-se lembrar que o Brasil acumula superávit US$ 52 bilhões com a Argentina nos últimos 15 anos – dos quais US$ 24 bilhões na indústria automotiva.

Scioli disse que pretende agir para um aumento do comércio bilateral, com mais exportações dos dois lados, mas pede maior abertura do mercado brasileiro para produtos argentinos que enfrentam restrições – como camarões, mel, uvas frescas e mosto de uva.

Enquanto isso, o embaixador do Brasil na Argentina, Sérgio Danese, trocará de endereço. Ele acabou de receber o “agrément” da África do Sul para chefiar a missão brasileira em Pretória. Um dos diplomatas mais admirados pelos colegas e ex-secretário-geral do Itamaraty, Danese está há quatro anos em Buenos Aires. Sua sabatina no Senado ainda não tem data para ocorrer.

Valor Econômico