Bolsonaro sabe que suas mentiras são fáceis de desmontar
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Bolsonaro voltou a elogiar Trump, mas foi ignorado no discurso do presidente americano.
Líderes políticos mentem, mas alguns disfarçam melhor do que outros, circunscrevendo as distorções a generalidades. O presidente Jair Bolsonaro não se dá a este trabalho. Distorce fatos facilmente sujeitos à comprovação.
No discurso de abertura da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, Bolsonaro, no esforço de demonstrar que a comunidade internacional confia no seu taco, disse que o Brasil, apesar da pandemia, tem verificado um aumento no ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. “Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo”, disse.
A afirmação do presidente da República não procede. Segundo dados do Banco Central, de janeiro a julho de 2019 os investimentos diretos no Brasil somaram US$ 36,4 bilhões. Este ano, no mesmo período, foi registrada a soma de US$ 25,5 bilhões, uma queda, portanto, de 30%.
A distorção dos fatos se deu, no discurso, depois de uma sequência de afirmações sobre o manejo ambiental no país em que Bolsonaro incorreu em outras inverdades. Disse, na contramão de todas as evidências científicas, que os incêndios se alastram pela elevação da temperatura no entorno da floresta, em áreas já desmatadas e onde há acúmulo de massa orgânica em decomposição , além de serem provocados por caboclos e índios, “que queimam seus roçados em busca de sobrevivência”.
No esforço de se mostrar ambientalmente responsável frente a uma comunidade internacional onde cresce a pressão por boicotes e sanções ao Brasil, o presidente também se disse portador de uma política de “tolerância zero” com o crime ambiental. A confiança internacional, portanto, teria crescido em função dessa postura. Por falsa, a atitude não poderia ensejar uma afirmação fidedigna sobre a confiança externa.
Se Bolsonaro não moderou as inverdades, tratou, por outro lado, de conter o tom. Ao contrário do discurso do ano passado, quando citou cinco vezes o “socialismo” que sua eleição viera combater, o termo não apareceu este ano, bem como sumiram as menções a Fidel Castro, Luiz Inácio Lula da Silva ou Hugo Chávez. A Venezuela só foi mencionada como exemplo da política de “direitos humanos” do país pelo acolhimento de refugiados.
O presidente também dedicou menos tempo à política interna, limitando-se à reiterada acusação contra governadores, a quem coube, “por decisão judicial”, medidas de isolamento e restrição de liberdade, restando ao governo federal o envio de recursos, além, como se sabe, da postura frontalmente oposta ao isolamento.
Bolsonaro também foi mais contido nas referências religiosas. Se em 2019 não faltou nem mesmo o João 8,32 (“E conheceis a verdade, e a verdade vos libertará”), além de repetidas referências a uma “perseguição religiosa” no Brasil, desta vez o presidente se limitou a fazer um apelo à comunidade internacional pelo combate à “cristofobia”. O Brasil, porém, registra mais desrespeito a religiões de matriz africana, como candomblé e ubanda, do que aos evangélicos de sua base de apoio.
Se em 2019, Bolsonaro ainda se mostrava prisioneiro da agenda interna, com menções até mesmo ao ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, desta vez, o presidente se mostrou mais ciente da audiência daquela assembleia. Bateu nas mesmas teclas traçadas pela política externa brasileira desde sua posse. Não escondeu o viés em relação à tecnologia 5G “com quaisquer parceiros que respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados”, e com elogios à política para o Oriente Médio adotada por Donald Trump. A deferência não foi retribuída. O presidente americano ignorou o Brasil em seu discurso.