Confira todas as mentiras de Bolsonaro na ONU
Foto: Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) abriu a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta terça-feira, 22. Seu discurso foi pautado pela postura defensiva em questões como a preservação do meio ambiente e o combate à pandemia de covid-19.
Em meio às queimadas que assolam o Pantanal e a Amazônia, Bolsonaro defendeu o seu governo ao dizer que o Brasil é um dos países que mais preservam suas florestas tropicais, desconsiderando que somos também o país com a maior perda deste tipo de cobertura vegetal em 2019. O presidente pintou um quadro de perseguição internacional contra o País motivado pelas riquezas naturais.
Sobre a pandemia, citou a hidroxicloroquina, medicamento que não tem comprovação científica de sua eficácia no tratamento da covid-19 mas que é amplamente defendido por Bolsonaro. Ainda inflou o valor pago no auxílio emergencial, concedido aos mais pobres e trabalhadores informais afetados pelas medidas de isolamento social.
O Estadão Verifica checou as principais afirmações feitas pelo presidente durante seu discurso. Confira a seguir:
“Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País”
Bolsonaro repetiu uma alegação enganosa que já tinha feito em junho sobre uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, ele afirmou no Twitter que o Supremo havia decidido que as ações de combate à pandemia deveriam ficar sob total responsabilidade de governadores e prefeitos. Isso não é verdade — os ministros afirmaram apenas que Estados e municípios têm autonomia para tomar decisões contra a propagação da covid-19, o que não tira a responsabilidade da União.
Como o Estadão Verifica já mostrou nesta checagem de 23 de julho, em 15 de abril, o STF reconheceu, por unanimidade, a “competência concorrente” da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal em ações de enfrentamento ao novo coronavírus. O Supremo deliberou sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) a respeito da Medida Provisória (MP) 926/2020 — a legenda havia entendido que essa MP centralizava no governo federal a prerrogativa de decidir sobre isolamento social, quarentena e outras iniciativas de combate ao vírus.
Os ministros do STF entenderam que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que também deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do tema. O artigo 23 da Constituição define como “competência comum” entre União, Estados, municípios e Distrito Federal “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”.
O texto original da MP afirmava que as ações de enfrentamento à pandemia deveriam “resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais” e que era responsabilidade da Presidência da República dispor “sobre os serviços públicos e atividades essenciais”. Bolsonaro já afirmou publicamente diversas vezes sua contrariedade em relação a políticas de distanciamento social.
Posteriormente, quando a MP foi votada na Câmara dos Deputados, os parlamentares excluíram o trecho citado acima, que centralizava as decisões na figura do presidente.
“Nosso governo concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares para 65 milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo”
Essa conta não fecha. Mil dólares, em valores atuais, equivalem a R$ 5.443,40, de acordo com o conversor de moedas do Banco Central. Se distribuísse essa quantia a 65 milhões de pessoas, o governo gastaria R$ 353,8 bilhões. Mas o orçamento do programa de auxílio emergencial é de R$ 254,2 bilhões, com mais R$ 67,6 bilhões referentes a um crédito extraordinário, totalizando R$ 321,8 bilhões. Ou seja, faltariam R$ 31 bilhões para pagar a conta caso Bolsonaro quisesse mesmo dar o equivalente a mil dólares para cada beneficiário. (Este texto foi atualizado para incluir a informação sobre o crédito suplementar)
Como as mães solteiras recebem o benefício em dobro, apenas elas receberão mais de mil dólares – mas nem todas, apenas as que já estavam na lista de pagamentos da primeira parcela do auxílio, referente a abril.
O auxílio emergencial concedido a trabalhadores informais foi aprovado em 30 de março. Naquela data, os R$ 600 pagos pelo governo brasileiro equivaliam a US$ 116. O benefício começou a ser pago em abril. Para os que entraram na primeira leva de aprovados, foram transferidas cinco parcelas de R$ 600 — R$ 3 mil, ou US$ 551, em valores atuais. No caso das mães solteiras, o valor foi o dobro disso.
Inicialmente, o auxílio seria pago até agosto, mas o pagamento foi estendido até o fim do ano. Dessa forma, quem está no programa desde o início receberá, ao todo, R$ 4,2 mil (cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300). Na moeda americana, isso equivale a US$ 771, na cotação desta terça-feira. Esse valor deve ser multiplicado por dois caso a beneficiária seja mãe solteira.
Cerca de 6 milhões de brasileiros não chegarão a receber o valor cheio, porém. O governo já anunciou que os pagamento só irão até dezembro, independentemente do número de parcelas recebidas pelos beneficiários. Como muitos entraram no programa depois de seu início, eles, na prática, terão direito a um valor menor que os US$ 771.
“Somos líderes em conservação de florestas tropicais”
Embora o Brasil tenha a maior área de florestas tropicais do mundo, o País foi o que mais perdeu esse tipo de cobertura vegetal primária em 2019, segundo dados da Universidade de Maryland divulgados na plataforma Global Forest Watch. Foram mais de 1,3 milhão de hectares perdidos no ano passado, mais de um terço de toda a perda contabilizada mundialmente.
Segundo a Global Forest Watch, esses números incluem “desmatamento para agricultura, incêndios nas matas e exploração madeireira seletiva”. A plataforma indicou “focos de perda preocupantes” em territórios indígenas no Pará, onde a apropriação ilegal de terras resultou em desmatamento da cobertura vegetal original.
“Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono”
O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, responsável por 2,9% das emissões totais mundiais. Esses números estão em um relatório publicado em novembro de 2019 pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), da organização Observatório do Clima.
O País emitiu 1,939 bilhão de toneladas brutas de gases de efeito estufa em 2018 (medidas em CO²e, gás carbônico equivalente). A maior parte dessas emissões (44%), segundo o SEEG, veio de mudanças de uso de terra — especialmente o desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
“Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental”
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Amazônia Legal possui uma superfície aproximada de 5,01 milhões de quilômetros quadrados. A Europa Ocidental, por sua vez, tem uma área de cerca de 1,08 milhão de quilômetros quadrados, de acordo com a plataforma Worldometers.
“Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”
Um estudo divulgado no mês passado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) contraria a fala do presidente sobre a Amazônia. A análise técnica de dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da agência espacial norte-americana (Nasa) indicou que 34% dos focos de calor registrados em 2019 eram de fogo em áreas recém-desmatadas. Outros 36% foram identificados com o objetivo de manejo agropecuário, e 30% correspondiam a incêndios em áreas florestais.
Na divulgação da nota técnica, a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, comentou: “Somando os incêndios florestais e o fogo de desmatamento, podemos ver claramente o risco que as florestas sofrem atualmente. Não é fogo de capim que cria aquelas nuvens de fumaça que intoxicam a Amazônia e viajam até o Sudeste, é árvore queimando, derrubada ou em pé”.
O mesmo estudo também indica que o percentual de focos de calor em terras indígenas (11%) é bem menor do que o registrado em imóveis rurais (60%).
“Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo”
Sem apresentar provas, Bolsonaro culpou a Venezuela pelo desastre ambiental no litoral brasileiro. Um ano após a chegada das manchas nas praias do Sudeste e do Nordeste, a responsabilidade é desconhecida. A Marinha do Brasil e a Polícia Federal trabalham juntas na investigação do caso, mas ainda não divulgaram oficialmente a identidade dos causadores do incidente.
Esta não é a primeira vez que o presidente classifica o episódio como um “ato criminoso”, mesmo sem evidências. Durante o Fórum de Investimentos Brasil 2019, chegou a dizer que “com toda certeza houve derramamento criminoso de petróleo na região costeira”, mas recuou logo em seguida ao comentar que não tem “bola de cristal para descobrir rapidamente quem é o responsável pelo ato criminoso”.
Semanas depois, em live no Facebook, Bolsonaro também atacou os venezuelanos. “Está mais do que comprovado que (o óleo) é da Venezuela”, afirmou, sem dar detalhes sobre a investigação.
De acordo com laudo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o óleo era proveniente da Venezuela — estudos técnicos realizados pela Petrobras apresentaram a mesma conclusão. A identificação da procedência, porém, não significa que o país tenha responsabilidade direta sobre o derramamento na costa brasileira, já que o material pode ter sido embarcado em navio de qualquer origem, inclusive embarcações ilegais.
“Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa”
Segundo a iniciativa MapBiomas, em 2019, 523.718.372 hectares do território nacional (61,53%) estavam cobertos por florestas. Somando-se a formações naturais não florestais (áreas alagadas, campos e afloramentos rochosos), o total vai a 67,45%.
Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, feito com dados até 30 de setembro de 2017, 31,6% do território nacional está em Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A maior parte se encontra na Região Norte (24,9%).
Dados do Banco Mundial mostram que países tão diferentes quanto Guiana (83,9%), Gabão (90%), Finlândia (73,1%) e Japão (68,4%) possuem mais área de floresta do que o Brasil.
“E usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultura, números que nenhum outro país possui”
Ainda com dados do Censo Agropecuário do IBGE, é possível ver que o País possuía 351.289.816 hectares de terra em estabelecimentos agropecuários. Isso representa 41,25% do território brasileiro (851,4 milhões de hectares). Já o MapBiomas mostra que a área destinada para pastagem e agricultura, em 2019, foi de 255.128.957,50 hectares (29,97% do território nacional).
Este valor é próximo da média mundial. Dados do Banco Mundial consideram que o Brasil utilize 33% de sua área para plantações e pastos, valor próximo da média global de 37,4%.
“O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado”
Não procede: Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostram que, em 2019, o Brasil recebeu US$ 71,989 bilhões em investimento direto. Este valor coloca o Brasil como o sexto país no ranking de investimentos diretos, atrás de Estados Unidos (US$ 246,215 bilhões), China (US$ 141,225 bilhões), Cingapura (US$ 92,081 bilhões), Países Baixos (US$ 84,216 bilhões) e Irlanda (US$ 78,234 bilhões).
Os números do Banco Central, que trazem diferenças em relação aos dados da Unctad, mostram que o Brasil registrou no primeiro semestre de 2020 um total de US$ 25,349 bilhões de Investimento Direto no País (IDP). Este valor é inferior aos US$ 32,233 bilhões registrados no primeiro semestre do ano passado.
“A Operação Acolhida, encabeçada pelo Ministério da Defesa, recebeu quase 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana. Com a participação de mais de 4 mil militares, a Força Tarefa Logística Humanitária busca acolher, abrigar e interiorizar as famílias que chegam à fronteira”
A Operação Acolhida foi criada em 2018 e atua no ordenamento da fronteira do Brasil com a Venezuela, no acolhimento e na interiorização de refugiados e migrantes. De acordo com a página oficial do programa, 264 mil venezuelanos solicitaram regularização migratória por meio da força-tarefa humanitária. A página não informa o número de acolhidos nos abrigos temporários, apenas aqueles que tiveram o processo de interiorização concluído: 35.567. Os números foram atualizados em 15 de junho.
O Estadão solicitou os dados mais recentes do programa ao Ministério da Defesa e à Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), mas não houve retorno até o fechamento desta checagem.
Além das Forças Armadas, o projeto recebe apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e de mais de 100 entidades da sociedade civil. O governo também afirma na página que mais de 4 mil militares participaram da ação desde o início.
Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu informações de que a Operação Acolhida teria apenas 25% do atual orçamento disponível em 2021 e seria encerrada ao final do próximo ano. As atividades seriam transferidas para os governos locais e agências internacionais.
Uma das instalações da Operação Acolhida, em Boa Vista, também fez parte da visita polêmica do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, ao Brasil, em 18 de setembro.
“O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 55 mil militares, policiais e civis, com participação marcante em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo”
A informação consta na página do Itamaraty e se refere ao histórico da participação brasileira em missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Em março de 2020, quando o texto foi atualizado pela última vez, eram 258 efetivos brasileiros em nove localidades: Líbano, Sudão do Sul, Saara Ocidental, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Darfur, Chipre, Abyei e Iêmen.
De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia, o Brasil participou de 46 operações de manutenção de paz da ONU entre 1948 e 2017, de um total de 71, além de outras cinco sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA). O número de servidores, incluindo militares, policiais e especialistas civis, é calculado em 57 mil pessoas no período. Cerca de 88% da participação ocorreu após a década de 1990 — com destaque para a participação na missão no Haiti, entre 2004 e 2017, quando foram enviados mais de 37 mil militares.
O Brasil, no entanto, vem reduzindo o orçamento para participação em operações de paz, como mostra reportagem recente do jornal Folha de S. Paulo. Em 2021, o governo deve destinar R$ 24,7 milhões para essa finalidade, corte de 70% em relação aos R$ 82,3 milhões deste ano, em valores corrigidos pela inflação. O Ministério da Defesa justificou o corte à retirada de missão no Líbano em dezembro. O orçamento também é o menor desde 2013, quando foi destinado o valor corrigido de R$ 480,9 milhões.