Marco Aurélio irrita colegas do STF com voto pró-Bolsonaro

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, ficou contrariado com o “atropelo” do ministro Marco Aurélio Mello, que divulgou na quinta-feira, 24, o voto a favor do direito de o presidente Jair Bolsonaro depor por escrito à Polícia Federal. O gesto de Marco Aurélio surpreendeu os colegas porque o voto foi tornado público a uma semana do início do julgamento sobre a controvérsia no plenário virtual da Corte. Trata-se de uma plataforma online que permite que os magistrados analisem processos sem se reunirem pessoalmente ou por videoconferência, longe dos olhos da opinião pública e das transmissões ao vivo da TV Justiça.

A ofensiva de Marco Aurélio foi interpretada por integrantes do STF como um “atropelo” e uma forma de pressionar o tribunal a decidir o quanto antes sobre a polêmica envolvendo como o chefe do Executivo deve se manifestar – se por escrito ou presencialmente – no âmbito das investigações sobre interferência indevida na Polícia Federal. A apuração foi aberta com base nas acusações levantadas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Na última quarta-feira, 23, Marco Aurélio já havia decidido encaminhar o recurso de Bolsonaro, pedindo para depor por escrito, para análise no plenário virtual, em vez de esperar Fux pautar o caso nas tradicionais sessões plenárias, transmitidas ao vivo pela TV Justiça.

Na condição de comandante do tribunal, Fux tem o poder de elaborar a pauta e definir o que será julgado nas sessões plenárias “presenciais”, agora por videoconferência, em tempos de pandemia. Uma série de mudanças regimentais internas, porém, “turbinaram” o uso do plenário virtual, possibilitando que a ferramenta digital vire uma espécie de atalho para que os magistrados enviem para lá os casos que quiserem, à revelia do presidente do Supremo. No plenário virtual, diferentemente do “plenário real”, cada relator pode definir o que vai ser analisado pelos colegas, sem necessitar do aval da presidência.

No entorno de Fux, a avaliação é a de que a polêmica sobre o depoimento de Bolsonaro é delicada por opor não apenas Celso de Mello – decano e relator do inquérito que investiga o presidente – a Marco Aurélio Mello (vice-decano), mas por colocar o STF em confronto com o Palácio do Planalto. Nos bastidores, ministros já discutem reservadamente uma manobra para tirar a discussão do tema do plenário virtual. Isso poderia ser feito, por exemplo, com um “pedido de destaque”, que interromperia o julgamento e o levaria para a sessão presencial.

Dois ministros ouvidos reservadamente pela reportagem avaliam que o caso deve, sim, migrar do plenário virtual para o “físico” por se tratar de uma discussão politicamente relevante. “É o mínimo de respeito”, diz um magistrado sobre o caso ser julgado com a presença de Celso de Mello. O decano retorna da licença médica na próxima semana.

A controvérsia não produz apenas efeitos políticos e jurídicos, mas também institucionais: faltando um mês para a aposentadoria de Celso de Mello – uma das figuras mais respeitadas da Corte, chamado de “bússola” e “farol” pelos colegas –, os ministros vão derrubar o seu entendimento?

Segundo o Estadão apurou, Celso de Mello está tranquilo e convicto dos fundamentos técnicos da sua decisão de 64 páginas, que contrariou o Planalto ao determinar que Bolsonaro preste depoimento presencialmente. O decano apontou diferentes precedentes da Corte para amparar o entendimento de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investigação criminal, não têm direito à prerrogativa de depor por escrito.

Entre as decisões anteriores do STF citadas por ele está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que era presidente do Congresso.

Celso não quer deixar o STF, em novembro, com essa situação pendente. Uma das medidas em análise pelo magistrado é a de apresentar uma “questão de ordem” para que o plenário analise o caso o quanto antes – mas em uma sessão “presencial”. A percepção na Corte é a de que o decano tem mais chances de convencer os colegas em uma sessão transmitida ao vivo pela TV Justiça, com todos ouvindo seus argumentos.

No plenário virtual, por outro lado, os magistrados apenas depositam seus votos no sistema, sem troca de ideias ou debates. A ferramenta, com seus julgamentos discretos, também reduziria os constrangimentos de ministros que eventualmente venham a discordar da opinião do decano para abraçar os argumentos da defesa de Bolsonaro.

Resolvido como deve ser tomado o depoimento do presidente, o STF terá outra questão espinhosa para resolver nas próximas semanas: quem vai assumir a relatoria das investigações? Em tese, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello assume o acervo de processos do decano – o que abriria margem para a insólita situação de um magistrado indicado por Bolsonaro cuidar de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.

Um integrante da Corte aponta que Marco Aurélio, por ser o segundo ministro com mais tempo de atuação na Corte, poderia ser uma espécie de “relator interino”. Em entrevista ao Estadão, Marco Aurélio disse que não aceita herdar o processo. Ao menos três ministros defendem a redistribuição do caso para um novo ministro logo depois da aposentadoria de Celso de Mello, para impedir que o inquérito acabe justamente nas mãos de um magistrado escolhido por Bolsonaro.

Ao assumir a presidência do STF, no último dia 10, Fux tentou se distanciar das intrigas políticas de Brasília e pregou a harmonia não apenas entre os Poderes, mas dentro do próprio tribunal. “Assim como os Poderes da República devem ser harmônicos entre si, a harmonia também deve reinar internamente nesta Corte”, afirmou. Por enquanto, não reina.

Estadão