TSE não responde a Bolsonaro por suspeitar das perguntas
Foto: Adriano Machado/Reuters
Até pouco tempo atrás, o presidente Jair Bolsonaro jurava que se manteria afastado das disputas municipais, caso o Aliança pelo Brasil, partido que tenta fundar, não conseguisse as assinaturas necessárias para sair do papel. Sem o Aliança na praça, Bolsonaro mudou o discurso e agora diz apenas que não fará campanha para candidatos a prefeito no primeiro turno das eleições, em 15 de novembro. Mesmo assim, pelo sim, pelo não, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No documento, a AGU fez duas perguntas à Corte, sem rodeios. A primeira: “O presidente da República que não está filiado a partido ou coligação incorrerá em conduta vedada se fizer deslocamento para compromisso eleitoral de apoio a outras candidaturas?”. Em seguida, a AGU emendou: “Caso seja possível (…) fazer os deslocamentos para compromissos eleitorais de terceiros, o ressarcimento das despesas do presidente da República que não estiver filiado a partido político ou coligação deverá ser feito pelo partido ou coligação apoiados?”
Os questionamentos, encaminhados no mês passado, demonstram a intenção de Bolsonaro de subir no palanque, fato que não passou despercebido pelo TSE. Em sessão administrativa desta terça-feira, 8, o tribunal decidiu, por unanimidade, rejeitar a consulta da AGU, sem nem mesmo entrar no mérito das indagações.
“É evidente (…) a ligação da consulta com a situação concreta na qual se encontra o presidente da República, não preenchendo, assim, o requisito da abstratividade, razão pela qual não deve ser conhecida, conforme jurisprudência reiterada deste TSE”, argumentou o relator, ministro Sérgio Banhos. No diagnóstico do magistrado, a manifestação da Corte, neste momento, poderia representar antecipação de análise sobre circunstâncias passíveis de configurar conduta vedada a agente público.
Na prática, as disputas municipais são vistas pelo governo como uma espécie de antessala da campanha presidencial de 2022, quando Bolsonaro pretende concorrer a um segundo mandato, apesar de dizer que “só Deus sabe” o sofrimento vivido pelo inquilino do Planalto.
“Não queiram a minha cadeira. Com todo respeito, não sou super-homem, mas não é para qualquer um. Tem que estar muito preparado psicologicamente, ter couro duro e ver como alguns zombam da nossa Nação”, afirmou ele, em cerimônia no último dia 1.°, quando chegou a chorar ao assistir a vídeo de sua campanha, em 2018.
Sem partido, com a economia em recessão e denúncias batendo à porta do governo e de seu núcleo familiar, Bolsonaro se movimenta para fincar estacas no Nordeste após a distribuição do auxílio emergencial para enfrentar a crise do coronavírus. As articulações políticas também são feitas para construir bases de apoio em capitais classificadas como “joias da coroa” por qualquer governo, como São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Bolsonaro vive um dilema. De um lado, sabe que as eleições municipais serão “nacionalizadas” por seus adversários para desconstruir o governo e precisa de candidatos para defendê-lo. De outro, não pode melindrar aliados do Centrão em cidades onde houver mais de um candidato desse grupo. A tentativa, então, é a de esconder o jogo, como se isso fosse possível. Na capital paulista, por exemplo, a tendência do presidente é apoiar a provável candidatura de Celso Russomanno (Republicanos), até agora não oficializada.
Tudo é calculado pelo Planalto para impedir a volta do PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o avanço do governador João Doria (PSDB) e do ex-ministro Sérgio Moro, seus possíveis adversários da centro-direita em 2022, já que Wilson Witzel, no Rio, é tido como fora do páreo após o afastamento do Palácio Guanabara.
“O povo não quer comprar revólver nem cartucho de carabina. O povo quer comprar comida”, disse Lula, em pronunciamento postado nas redes sociais no 7 de setembro. À espera de novo julgamento, com a Lava Jato em crise e sendo desmontada, o ex-presidente deu a senha dos próximos capítulos. “Estou aqui. Vamos juntos reconstruir o Brasil”, insistiu.
No programa que o PT lançará, nos próximos dias, para se reposicionar no jogo haverá uma nova versão do Bolsa Família – chamada internamente de Bolsa Família 2.0. O anúncio do plano ocorre no momento em que Bolsonaro tenta repaginar o recém-criado Renda Brasil, motivo de sua divergência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, outrora apelidado de “Posto Ipiranga”.
E, no meio de tudo isso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) faz um “mea culpa” por ter permitido que o instituto da reeleição prosperasse, há mais de 20 anos. Em 1998, FHC foi o primeiro presidente reeleito no Brasil.
“Devo reconhecer que, historicamente, foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um mandato de cinco”, escreveu ele no artigo “Reeleição e crises”, publicado no domingo, 6, no Estadão e no jornal O Globo.
Fernando Henrique observou que, no cenário de hoje, seria “ingenuidade” achar que os presidentes não farão o “impossível” por um segundo mandato e propôs “acabar com o instituto da reeleição”. Na teoria, a cúpula do PSDB fala agora em “refletir” sobre um modelo de transição que não afete as disputas de 2022 nem de 2024. Mesmo porque, na hora do “vamos ver”, Doria não vai deixar.