Câmara dos Deputados quer eternizar home office
Foto: Sérgio Lima/Poder360 – 15.jul.2019
A Câmara dos Deputados debate tornar permanente o sistema de deliberações remotas criado em função da pandemia, que permite aos parlamentares votarem do celular, sem que precisem estar no plenário em Brasília. Os defensores dizem que isso otimizará as sessões, aumentará o quórum e diminuirá custos. Os críticos acusam um cerceamento do debate e maior dificuldade para a população pressionar sobre temas polêmicos, como as reformas.
Ainda não há modelo sobre como isso funcionaria, mas já existem pelo menos sete projetos de resolução apresentados por deputados de PP, PL, PSL, MDB, Novo e PSDB para permitir as votações remotas após a pandemia e o secretário de Transparência da Câmara, deputado Roberto de Lucena (PV-SP), tem organizado debates e reuniões para tratar do tema.
É preciso a aprovação de uma resolução em plenário para alterar o regime interno da Câmara para que as sessões possam ocorrer de forma remota. Os parlamentares que quisessem poderiam estar presentes, mas aqueles ausentes poderiam votar a distância. Outro debate, aparentemente mais consensual, é permitir audiências públicas por videoconferência.
Segundo Lucena, ainda não há um modelo totalmente definido, mas um sistema misto tornaria a Câmara “mais dinâmica”. “Defendo que não recuemos desse avanço e tenhamos um sistema híbrido, inclusive para as comissões”, disse. As votações só teriam que ser obrigatoriamente presenciais em projetos mais importantes, como propostas de emenda à Constituição (PEC).
O secretário afirmou que já está decidido que, em 2020, a Câmara não voltará a seu funcionamento normal, mas que não é possível prever como será o cenário a partir de fevereiro. “Podemos conviver com esse vírus por anos ainda e um sistema híbrido permitiria que os deputados de grupo de risco possam continuar em casa”, pontuou.
Outro argumento recorrente entre os deputados é que, assim, eles poderiam cumprir compromissos em seus Estados, como acompanhar a visita de ministros ou do presidente em suas bases eleitorais, sem perderem votações em Brasília. Desde a gestão Eduardo Cunha os deputados passaram a perder parte do salário por faltas nas sessões.
O deputado Evair de Melo (PP-ES), vice-líder do governo Bolsonaro, apresentou projeto para tornar as votações permanentemente remotas e afirmou que isso tornou mais rápidas as sessões, diminuiu a obstrução da oposição e reduziu o custo do Parlamento, ao evitar voos a Brasília. “É uma ignorância negligenciar essa oportunidade que a tecnologia nos dá”, disse.
Para Melo, as ressalvas seriam apenas para PECs e matérias com impacto financeiro e tributário. “Falar em falta de debate é conversa de quem quer tumultuar. Só as corporações e os lobistas que operavam nos corredores estão incomodados com esse novo modelo”, afirmou. Deputados de siglas ideologicamente opostas, como Glauber Braga (Psol-RJ) e Marcel van Hattem (Novo-RS), porém, também criticam a perenização desse modelo. “A utilização dos mecanismos virtuais se impuseram por uma necessidade pandêmica. Usar esse expediente como regra permanente, substituindo a mobilização presencial, é o que querem alguns deputados que têm medo da pressão e organização popular”, disse Braga.
Van Hattem afirmou que poderia haver redução de custos, mas que o sistema remoto é ruim por concentrar o poder nas mãos de lideranças partidárias e restringir o debate mais amplo, com o direito a exposição de todos os parlamentares. Ele destacou que, mesmo se houver um acordo inicial para votar apenas temas de consenso a distância, “a gente sabe que a tentação entre alguns líderes seria grande para votar textos polêmicos”.
Essa percepção de que o poder fica ainda mais concentrado nos partidos é compartilhada por um deputado do Centrão que, ao Valor, relatou participar dos debates prévios com sua bancada para decidir o posicionamento, mas que pouco acompanha as sessões e apenas vota de acordo com essa decisão anterior, sem prestar atenção nos debates e posicionamento dos demais deputados. Se tornaram comuns desde março cenas de deputados orientando votos ou discursando de dentro do carro, com a TV ligada em partidas de futebol ou no meio da rua.
A Associação Brasileira de Relações Governamentais e Institucionais (Abrig), que representa os lobistas de empresas, entidades e sindicatos, também vê problemas no modelo remoto, embora principalmente pelas dificuldades de acesso causadas pela pandemia. Para Marina Mattar, diretora de comunicação da Abrig, ficou mais difícil municiar os parlamentares com informações sobre os temas votados e muitas vezes os relatores de projetos foram anunciados bem na hora da votação. “Se o sistema for continuar, o que acreditamos que ocorrerá até pelo menos termos uma vacina, precisa de mecanismos para aumentar a transparência”, disse.