Institutos de pesquisa fake aplicam golpes

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Foto: Reprodução

O número de pesquisas bancadas com recursos dos próprios institutos cresceu 174% nesta campanha em relação a 2016, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — foram 3.499 até ontem, contra 1.279 há quatro anos, em intervalos de tempo equivalentes. Além do aumento expressivo, o GLOBO identificou acusações de ofertas de resultados fraudulentos, levantamentos feitos a partir de formulários do Google e Facebook e uso de dados falsos de estatísticos, entre outros indícios de que a expansão do mercado de medição da intenção de votos vem acompanhada de práticas que podem interferir no processo eleitoral.

Ao informarem que realizaram as pesquisas com verba própria, sem contratante externo, os institutos não precisam prestar contas sobre a origem do dinheiro. Há casos de levantamentos feitos por empresas que declararam à Receita Federal ter como atividade o transporte com uso de vans e a filmagem de casamentos.

O Ipop Cidades & Negócios lidera o segmento. Em oito meses, investiu R$ 650 mil em 350 pesquisas, em 192 cidades — todas praticamente com o mesmo custo, de R$ 2 mil, independentemente do tamanho da amostra e do local. Bem mais que o capital social que foi aberta em fevereiro deste ano, de R$ 150 mil. Na última semana, a empresa registrou 114 pesquisas no TSE, com a previsão de ouvir 57 mil pessoas.

O dono do instituto, Márcio Rogério Pereira Gomes, foi o titular de outra empresa, que figurou no topo das pesquisas autofinanciadas em 2016. Ele foi condenado recentemente a sete meses de prisão, em regime aberto, e ao pagamento de R$ 213 mil por divulgação de pesquisas fraudulentas relativas às eleições municipais de quatro cidades no interior de São Paulo.

Em 2020, o Ipop já acumula mais de 30 processos na Justiça Eleitoral de Goiás. Em um deles, em Pontalina, o Ministério Público entrou com uma representação contra a empresa após receber a denúncia de que Gomes “ofereceu um resultado mais favorável a um pré-candidato”.

Em depoimento, o candidato do PSC à prefeitura do município, Mack, disse que o empresário pediu R$ 6 mil para publicar uma pesquisa em que ele apareceria com 21,3% das intenções de voto. A oferta foi recusada e, um mês depois, foi publicado um levantamento em que Mack tinha 11,3%. Depois da divulgação, a Justiça barrou a pesquisa.

— Há indícios de que ocorreu a fraude e que ele (Gomes) foi o autor — afirmou o procurador Guilherme Oliveira, que colheu o depoimento do candidato e tem em mãos o áudio da conversa dele com o empresário.

Em outro caso que corre na Justiça trabalhista, uma ex-funcionária do Ipop relata um cenário distinto do apresentado pela empresa nos últimos meses. Contratada como agente de pesquisa no fim de janeiro, ela relata falta de salários e acúmulo de funções que deveriam ser desenvolvidas pelo estatístico responsável pelas pesquisas, como a confecção dos discos apresentados aos eleitores e a definição dos bairros das cidades em que os questionários serão aplicados.

Em prints de conversas anexadas pela defesa da funcionária no processo, o dono do Ipop pede que a funcionária envie por WhatsApp a relação de bairros de Guapó, Aragoiana, Varjão, Cezarina e Indaiara, onde foram aplicados questionários do instituto. A funcionária encaminha a lista para Márcio e avisa que está confeccionando o disco que será usado na pesquisa.

Os questionários apresentam falhas, como nomes fora de ordem alfabética e presença de candidatos que sequer fazem parte da disputa. Já os dados de estratificação mudam completamente. Numa mesma cidade, mulheres representaram 27,3% dos entrevistados em julho. Em outubro, a quantidade subiu para 48,2%.

Procurado, o empresário afirmou que as pesquisas são judicializadas por candidatos descontentes com os resultados:

— Caso você fosse candidato e saísse um resultado em que você está em segundo ou terceiro, você não ia desqualificar a pesquisa? Estamos ganhando (na Justiça) em todas.

Há também episódios de fraudes no uso dos nomes dos estatísticos responsáveis pelo embasamento técnico da pesquisa. Em julho, Eurimar Reis Damaceno Santos abriu a Datapes, em Palmas.

A empresa tem como atividade principal a filmagem de festas e eventos, mas, desde a fundação, fez dez pesquisas, ao custo total de R$ 30 mil, bancados pela própria empresa. Todas supostamente assinadas por Andrigo Rodrigues, estatístico em Santa Catarina. Procurado pelo GLOBO, ele negou ter feito o trabalho.

— Nunca falei com ninguém do Tocantins. Nem registrado no Conselho de lá sou — disse ele, que registrou ocorrência sobre o caso.

Por telefone, um representante da empresa não soube informar os nomes dos estatísticos responsáveis pela pesquisa e desligou após ser questionado sobre Rodrigues ter negado trabalhar para a firma.

Em Ipiranga (PR), uma empresa de aluguel de vans para transporte da mulher do candidato a vereador Dodô Nascimento (PSB) foi acusada de realizar uma pesquisa eleitoral com registro inexistente de um matemático, quando a legislação exige um estatístico — a Justiça Eleitoral impediu a publicação.

Procurado, o candidato disse, inicialmente, que fez a pesquisa em nome de uma página de Facebook e que foi um equívoco o registro do matemático. Depois, negou ter feito o levantamento a pedido da página. Perguntado sobre o financiador do levantamento, desligou.

Já na Bahia, o Tribunal Regional Eleitoral deu registro de pesquisa a uma enquete de Facebook, enquanto no Rio Grande do Norte, a plataforma usada e registrada foi um formulário do Google.

A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) levou à Procuradoria-Geral da República uma representação relatando a série de suspeitas.

— Estamos falando de algo em torno de R$ 45 milhões disponíveis para esse “benefício”, que é manter as cidades informadas com pesquisas gratuitas. Quando percebemos que estava acontecendo de maneira recorrente, imaginamos que houvesse alguma anomalia — ressaltou o coordenador do Conselho de Opinião Pública da Abep, João Francisco Meira.

Para o vice presidente do Conselho Federal de Estatística, Mauricio Pinho Gama, é preciso que o TSE tenha um controle maior do sistema usado para registrar os levantamentos.

— São sete regionais (do conselho) para todo o território nacional. Temos um número de funcionários pequeno. A gente tenta fazer o que pode, mas não é uma fiscalização eficaz — pontuou.

Em nota, o TSE informou que não realiza qualquer controle prévio sobre o resultado das pesquisas, tampouco gerencia ou cuida de sua divulgação, atuando sempre que é provocado por meio de representação. De acordo com o tribunal, um sistema com mais segurança para o registro de pesquisas será implementado no ano que vem.

O Globo

 

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