Kássio afaga Congresso com 2a instância

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Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O desembargador Kassio Nunes Marques é sabatinado nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ele foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao posto de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), na vaga aberta por Celso de Mello, que se aposentou no último dia 13 de outubro. Caso a indicação seja aprovada na comissão, o nome deverá ser apreciado no plenário do Senado no mesmo dia.

Durante a sabatina, o desembargador disse que o Congresso é o foro mais competente para a discussão da prisão após segunda instância. Na visão dele, são os congressistas que devem “traçar essas discussões” e “ouvir os clamores populares”. Apesar disso, o desembargador defendeu que esse instituto não pode ser aplicado automaticamente.

“Sobre a prisão em segunda instância, essa matéria foi devolvida ao Congresso Nacional, portanto é o foro mais do que competente para traçar essas discussões, ouvir os clamores populares”, disse ao ser questionado . Em seguida, Kassio Marques explicou uma opinião que já havia dado sobre o assunto anteriormente.

“Me reporto a uma entrevista que proferi no passado quando era vice-presidente do tribunal, em um momento fotográfico, em que me indagaram sobre o que já havia decidido o Supremo naquele momento que era autorizando prisões em 2ª instância. Apenas em um comentário, eu disse que era favorável àquela decisão, que iria cumprir, e apenas ponderei que como a própria Constituição exige que toda decisão seja fundamentada, essa decisão de determinar o recolhimento ao cárcere não seja um consectário natural. Ela pode ser a regra ou a exceção, mas que tenha uma decisão fundamentada”, defendeu.

O desembargador aproveitou o assunto para fazer uma comparação. “Se de um lado temos um criminoso habitual, um traficante, que tenha por profissão delinquir, e do outro lado um pai de família, empregado, com residência fixa e sem antecedente, mas que por um infortúnio se envolveu em uma briga próximo à sua casa, de natureza grave, naquela condenação de segunda instância, se não dermos a possibilidade de fundamentar uma decisão de recolhimento, iríamos aplicar em sede desse automatismo o recolhimento dessas duas pessoas”, disse.

No discurso de abertura, o Kassio Marques disse também que “não tem por hábito” tomar decisões monocráticas, pois prefere “privilegiar” o pleno das Cortes onde passou. Além disso, o magistrado defendeu que o combate à corrupção “não deve se concentrar neste ou naquele indivíduo, nesta ou naquela instituição”.

“O único homem que não comete erros é aquele que não realiza coisa alguma. O estado de perfeição é condição inerente a Deus e foge à condição humana. Não tenho por hábito julgar recursos de forma monocrática. Entendo que a segurança jurídica que se pretende [no Brasil] passa por parâmetros simétricos de razoabilidade”, disse.

Diante do colegiado, Kassio Marques também defendeu a independência entres os Poderes e a defesa da democracia. “O papel do STJ e do STF configuram balizas do Direito. Penso que os limites constitucionais denotam a própria configuração do Estado. Penso que se faz necessário o devido respeito e independência entre os Poderes. A defesa da democracia é pilar fundamental do Estado. Compreendo o papel fundamental da imprensa e espero sempre contribuir com a solidez da nossa sociedade”, acrescentou.

Em seguida, o desembargador mencionou a questão do combate à corrupção. “O combate à corrupção não deve se concentrar neste ou naquele indivíduo, nesta ou naquela instituição. O bom juiz não se perfaz apenas em razão do conhecimento jurídico, é necessário ter conhecimento sobre o seu povo. Fiquei bastante motivado pelo que presenciei nesta Casa nos últimos dias; os nossos pensamentos se convergem ao defender as garantias constitucionais”, disse.

Ao ser questionado se apoia a Operação Lava-Jato, Marques defendeu também que o Poder Judiciário tem “competência” para promover ajustes em operações que possam ter descumprido a lei ou a Constituição.

“Acho que não há um brasileiro, seja magistrado ou não, que não reconheça o mérito de qualquer operação no Brasil. Não há que se falar em demérito de nenhuma operação quando há participação dos Poderes. O que acontece é que se houver determinada conduta, seja de autoridade policial, membros do Ministério Pública ou do judiciário, essas correções podem ser feitas. Ressalvo a competência do Poder Judiciário para promover os ajustes necessários se, pontualmente, houver descumprimento da lei ou da Constituição [em operações]”, defendeu.

Emocionado, Marques iniciou seu discurso na CCJ defendendo a Constituição Federal e um “país democrático”. Em sua fala inicial, Kassio fez um detalhado resgate de sua trajetória, desde a passagem por colégio religioso em Teresina (PI), onde nasceu, a tradição cristã ensinada por sua mãe, até o início da vida profissional, tendo passado por órgãos públicos do Piauí, como advogado.

O magistrado se referiu à sua “possível” escolha para o cargo de ministro da Suprema Corte como “missão”. E chorou no começo de sua fala.

“Estou bastante emocionado pelos fatos que estão ocorrendo. O agente público que ocupa função da magistratura é depositário de grande esperança do povo brasileiro”, disse. “A Constituição é uma das maiores conquistas do povo. Mas [a Constituição] não se aperfeiçoa se a independência e harmonia entre os Poderes”, acrescentou.

Aos senadores, Kassio Maques disse ainda que recebeu a indicação do presidente Jair Bolsonaro como um “verdadeiro chamado”. “Não é a primeira vez que tal reflexão me ocorre de modo tão veemente. Acredito que a vida de todos nós é composta de muitos desafios, de muitas convocações para as mais diversas missões, algumas profissionais, outras pessoais, familiares, subjetivas ou introspectivas. Não importa. Tudo isso é inerente à natureza do homem, com as suas habilidades e competências, mas também com as suas limitações”, afirmou

Na sabatina, Kassio Marques evitou se posicionar de forma taxativa sobre a questão do aborto. A questão do aborto foi tema de pergunta do senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Antes de apresentar essa dúvida, o parlamentar entregou uma “lembrança” ao desembargador: a representação de um feto correspondente à undécima semana de gestação.

“Eu entendo que o Poder Judiciário já muito provavelmente exauriu as hipóteses dentro dessa sociedade, só se eventualmente vier a acontecer algo que hoje é inimaginável, alguma pandemia, algum problema como no caso de anencefalia provocado pela zika, algo nesse sentido que transformasse a sociedade”, afirmou. “Do meu lado pessoal eu sou um defensor do direito à vida e tenho razões pessoais para isso”, declarou o desembargador.

Kassio Marques disse também que é preciso “harmonizar” as decisões judiciais como forma de garantir segurança jurídica à sociedade, empresários e aos investidores estrangeiros. Segundo ele, o sistema jurídico brasileiro tem “mecanismos” que garantem juridsprudências e seu poder vinculativo.

“Investir num país em que tudo pode ser judicializado é algo que precisa ser harmonizado no Brasil. A segurança jurídica nada mais é que a harmonização das decisões judiciais. O sistema de precedentes trouxe mecanismos para a harmonização de jurisprudências. O poder vinculativo das decisões do STF como norteador geral tem que ser utilizado como mecanismo. Eu sou extremamente favorável à consolidação da segurança jurídica. Sempre prestigiei o instituto da vinculação de decisões para que toda a sociedade saiba como determinado assunto será decidido. Todo o Poder Judiciário é responsável pela manutenção do Estado de Direito. Sem o respeito às instituições, não teremos confiança”, afirmou.

As afirmações foram feitas após Kassio Marques ser questionado sobre o assunto pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Marques também ouviu perguntas sobre o ativismo judicial no Brasil. Pacheco quis saber se o magistrado concorda que existe esse tipo de prática no Judiciário. Em resposta, Marques disse que tem perfil diferente, mais próximo da autocontenção.

“Sobre o ativismo judicial, não tenho tido nenhuma dificuldade em encaixar meu perfil como autocontendor”, explicou. Em seguida, o desembargador comparou a situação brasileira com a dos Estados Unidos. Na avaliação dele, a Constituição brasileira não combina com um comportamento ativista.

Valor Econômico