Candidato de Bolsonaro na Câmara não poderia assumir Presidência da República

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Foto: Agência Câmara

Um dos líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) pode passar por uma situação constrangedora se mantiver o plano de concorrer à presidência da Câmara e sair vitorioso: ser impedido de assumir interinamente o Palácio do Planalto, caso o presidente Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, façam alguma viagem para o exterior.

O chefe da Câmara é o segundo na linha sucessória da Presidência da República. Um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que réus em ações penais podem até comandar uma das Casas do Congresso, mas não substituir o presidente e o vice, caso os dois se ausentem do território nacional.

A Primeira e a Segunda Turma do STF colocaram Lira no banco dos réus em dois casos distintos julgados em 2019, que ainda aguardam um desfecho. Aliado de Bolsonaro, o deputado é o chefe do Centrão, bloco de partidos que se movimentam em troca de cargos e verbas. O grupo dá as cartas nas votações da Câmara e se tornou a base de sustentação do governo. Lira espera o apoio de Bolsonaro para disputar a sucessão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em 1.º de fevereiro de 2021. Os dois deputados travam uma queda de braço que conseguiu barrar até mesmo a instalação da Comissão Mista de Orçamento no Congresso.

Lira é investigado pelos crimes de corrupção passiva e organização criminosa. No primeiro caso, um servidor da Câmara foi flagrado com R$ 106 mil em dinheiro vivo quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A segunda denúncia diz respeito às investigações do “quadrilhão do PP”. Lira é acusado de participar de um esquema de “cometimento de uma miríade de delitos” e arrecadação de propina por meio da utilização de diversos órgãos da administração, como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades. A organização criminosa teria sido estruturada após a eleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002.

Depois que as denúncias foram recebidas pelos ministros, a defesa de Lira entrou com recurso nos dois casos. Na última terça-feira, o ministro Dias Toffoli pediu vista (mais tempo para análise) na análise dos embargos de declaração (um tipo de recurso) no inquérito do aeroporto. Em maio deste ano, Gilmar Mendes já havia pedido vista no “quadrilhão do PP”.

Na prática, as duas interrupções travam a abertura das ações penais para aprofundar as investigações contra o deputado. Paralisam, ainda, a tomada de depoimentos e a realização de outras medidas para prosseguir com a apuração.

O precedente que pode criar empecilhos para Lira vem justamente de um adversário, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Em 2016, o Supremo se viu no meio de uma grave crise política depois que o ministro Marco Aurélio Mello afastou, em uma decisão individual, o senador da presidência da Casa.

A decisão foi tomada na análise de uma ação da Rede Sustentabilidade, que inicialmente mirava o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), mas acabou atingindo Renan depois. Para a Rede, a função de presidente da República é “incompatível com a condição de réu”.

Na época, Renan havia se tornado réu pelo crime de peculato – acusação da qual seria absolvido depois. Após o terremoto político provocado pela liminar de Marco Aurélio, o plenário do Supremo acabou fazendo ajustes na decisão do ministro, ao entender que Renan poderia chefiar o Senado, mas não, eventualmente, assumir o Planalto na linha sucessória.

Quatro anos depois, a controvérsia volta à tona com as articulações nos bastidores em torno da sucessão do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “A preponderar o paradigma do STF no caso Renan Calheiros, Arthur Lira não estaria impedido de assumir a Presidência da Câmara, mas estaria fora da linha de sucessão presidencial. A diferença é que Renan já estava na Presidência (do Senado, na época do julgamento do STF); e Arthur Lira seria eleito, embora réu em ação penal”, afirmou o professor criminalista Davi Tangerino, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Em que pese minha absoluta reverência à presunção de inocência, é um ônus incompreensível em uma Casa com centenas de outros candidatos e candidatas aptos ao cargo”, acrescentou Tangerino.

O advogado Pierpaolo Bottini, defensor de Lira, discorda do entendimento do Supremo. “Se levar ao extremo isso, ninguém que está com ação penal em andamento poderia ser candidato a presidente da República. Se não posso estar na linha sucessória, não posso também ocupar o cargo sob qualquer aspecto.”

Bottini aponta que um presidente da República é afastado do cargo quando é colocado no banco dos réus por crimes cometidos no exercício do mandato. Os processos referentes a atos cometidos antes de assumir a chefia do Executivo, por sua vez, são paralisados.

“Vamos supor que Arthur Lira se candidatasse a presidente da República e assumisse a Presidência pelo voto popular. Estas ações penais em andamento (no STF) seriam suspensas”, disse o advogado..

Estadão 

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