Centenas de milhares de negros ficam sem fundo eleitoral
Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo 07/09/2018
Mais de um mês após o início da campanha, 237 mil candidatos pretos e pardos em todo o país não receberam ainda de seus partidos qualquer quantia do fundo eleitoral. É o que aponta levantamento do GLOBO com base nos registros de prestações de contas reunidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em outubro, as eleições municipais adiantaram a regra de proporcionalidade, e os partidos são obrigados a destinar a candidatos autodeclarados negros valores equivalentes à sua participação no total de candidaturas.
A determinação, no entanto, ainda está longe de ser cumprida. Os dados do TSE apontam que candidatos pretos e pardos receberam somente 40% do fundo, embora representem 50% do total de candidaturas nas eleições municipais de 2020. Em comparação, os brancos, que têm menor representação entre as candidaturas registradas (48%), embolsam a maior parte dos recursos provenientes dos partidos (60%).
Os números indicam que os partidos seguem a lógica da competitividade para cumprir com a legislação Bruno Reis (DEM), de Salvador, está entre os candidatos que mais receberam recursos do fundo eleitoral em todo o Brasil.
Pardo, ele é vice-prefeito da capital baiana e lidera a corrida, com 61% das intenções de voto, de acordo com o Ibope. Mais de 99% da receita de Reis, cerca de R$ 7,7 milhões, provêm do fundo eleitoral. Só da direção nacional,ele recebeu R$ 3,5 milhões.
No outro extremo, a candidata preta Bibia da Bahia tenta pela primeira vez uma vaga na Câmara Municipal de Salvador pelo DEM de Bruno Reis, mas não ganhou nada do fundo eleitoral para a campanha, segundo o TSE.
— Se é uma ordem de Brasília, não sei por que os partidos não estão cumprindo. Minha reclamação não tem nada a ver com o Bruno (Reis), mas sobre o partido. (Isso) é uma falta de respeito com a gente. Se você dá para os grandes, por que não dar para os pequenos? — questiona a candidata.
Presidente do MDB Afro, Nestor Neto também se candidatou para a Câmara de Salvador. Ele diz ter recebido recursos do fundo apenas 30 dias após o início da campanha, que terá ao todo 45 dias:
— A medida foi louvável, extremamente importante. Infelizmente, os partidos não a receberam como algo positivo e passaram a procrastinar o máximo possível o cumprimento dessa mudança.
Embora o cenário de desigualdade prejudique sobretudo os candidatos a vereador, é entre os postulantes a prefeituras que se observa uma maior disparidade. Além de Bruno Reis, Amazonino Mendes (Podemos), que se autodeclarou pardo e lidera a disputa em Manaus, e Elinaldo Araújo (DEM), também pardo e que tenta a reeleição em Camaçari (BA), são exceções na lista de maiores beneficiários do fundo eleitoral.
Para o Frei David Santos, da ONG Educafro, a resistência das legendas em observar a determinação do STF tem relação com o racismo estrutural no Brasil.
— A Educafro recebe reclamações de candidaturas negras de direita, centro e esquerda, dos quatro cantos do Brasil, denunciando o acúmulo das verbas públicas eleitorais. São todos iguais no racismo estrutural — afirma.
Diante das denúncias, a Educafro solicitou ao presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, uma reunião emergencial. Barroso, que está nos Estados Unidos para acompanhar a eleição americana, deve definir a data do encontro nos próximos dias.
Como a regra da proporcionalidade ainda não está prevista em lei, os partidos que a descumprirem não estão sujeitos a nenhuma sanção legal.
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