Deputadas aprovaram 3 vezes mais leis que deputados
Foto: WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL
Uma mulher parlamentar é mais eficiente do que um homem quando o critério é apresentação e aprovação de proposições legislativas. Mais ainda quando é observado o cuidado com as minorias. É o que aponta a monografia Elas que lutam: a participação das mulheres no processo legislativo na Câmara dos Deputados pós-constituinte, defendida em 3 de dezembro de 2020, pelo formando em direito José Jance Marques Grangeiro, na Universidade de Brasília (UnB), sob orientação da professora Débora Diniz.
O objetivo do estudo era analisar a representação substantiva das mulheres no processo legislativo entre a 49ª e a 55ª legislaturas (1991-2019) e compreender os efeitos do trabalho feminino sobre as matérias legislativas apresentadas e aprovadas.
A metodologia utilizada foi a pesquisa documental, por meio da análise do banco de dados da Câmara dos Deputados, o Sileg-Tramitação. Todas as informações usadas são públicas e podem ser acessadas diretamente na página do órgão. A monografia descreve como as mulheres produzem e sobre o que elas elaboram. E ainda aponta o que é apresentado a respeito delas.
Os resultados do levantamento mostram que representatividade importa, afirma Grangeiro. As mulheres apresentam e aprovam, em média, mais projetos do que os homens dentro do período de uma legislatura. Entre 2015 e 2019 – isto é, a 55ª Legislatura –, por exemplo, elas logram êxito nas proposições três vezes mais do que os deputados.
“Os dados da pesquisa apontam que a maioria das matérias convertidas em lei que abordam interesses femininos em temas de direitos fundamentais e sociais, economia e trabalho de cuidado, é de autoria de mulheres. Cerca de oito em cada 10 propostas que legislam a respeito de saúde da mulher e que viraram leis são de autoria de uma deputada, por exemplo”, descreve o autor.
Grangeiro também anota que, “ao olhar os dados da pesquisa sob a perspectiva liberal da meritocracia e eficiência, é possível inferir ser muito mais vantajoso ter uma mulher do que um homem no parlamento”.
Ao ler os resultados sob uma perspectiva mais humanística, é perceptível que as deputadas alcancem resultados que impactam muito mais a sociedade e de forma mais justa e solidária. JOSÉ JANCE MARQUES GRANGEIRO
O pesquisador traça um histórico de maior eficiência feminina na Câmara. No total, ele analisou 75.396 proposições legislativas que iniciaram a tramitação na Câmara dos Deputados entre a 49ª e a 55ª legislaturas (1991 a 2019). Foram consideradas para a sondagem apenas as propostas de lei em sentido formal e material, ou seja, aquelas que criam normas de conteúdo geral e abstrato.
Assim, foram analisados os seguintes tipos de proposição legislativa: medida provisória, projeto de decreto legislativo (e suas variações), projeto de lei, projeto de lei complementar, projeto de lei de conversão, projeto de resolução (e suas variações), proposta de emenda à constituição e proposta de fiscalização e controle.
As mulheres saíram de 6,6% das propostas apresentadas em 1991 para 10% em 2015, num crescimento constante com poucas variações. Apesar da baixa representatividade proporcional, quando se compara a média individual de apresentação de matérias legislativas segmentadas pelo gênero do autor, percebe-se que, na maioria das legislaturas analisadas, uma deputada apresentou mais proposições legislativas do que um deputado.
Quando se leva em consideração a eficiência do que foi apresentado, na 49ª Legislatura, as mulheres aprovaram 6,3% de tudo o que propuseram contra 3,9% dos homens. Na legislatura seguinte, as deputadas aprovaram 3,7% contra 3,3% dos parlamentares do gênero masculino. Entre 1999 e 2003, elas aprovaram quase 8% de tudo o que apresentaram, enquanto os homens chegaram a apenas 3,4%.
Na 52ª Legislatura, a diferença diminuiu. Enquanto as deputadas aprovaram 6,2% dos textos apresentados, os deputados quase chegam a 5%. Essa média próxima, com uma leve vantagem das mulheres, repete-se nas duas legislaturas seguintes. Entre 2015 e 2019, no entanto, a diferença entre o volume de matérias aprovadas voltou a crescer. Enquanto as mulheres aprovaram 2,4% de tudo o que apresentaram, os homens aprovaram apenas 1%.
Os temas dos projetos aprovados por elas indicam que ainda há, dentro da política, espaços que são permitidos ou não para as mulheres. De 1991 a 2019, entre as propostas que nasceram na Câmara dos Deputados e se converteram em normas, destaca-se a atuação feminina nos temas de saúde, educação, direitos humanos, direito civil (em especial o direito de família) e cultura.
A pesquisa aponta que quatro em cada 10 projetos sobre saúde, apresentados pelos deputados e que se converteram em normas, eram de autoria feminina. O mesmo ocorre com as matérias relacionadas à cultura. Três a cada 10 propostas aprovadas sobre educação, direitos humanos, direito e justiça e direito civil também foram apresentadas por mulheres.
A respeito do assunto, Beatriz Rodrigues Sanchez, autora da tese Teoria política feminista e representação: uma análise da bancada feminina da Câmara dos Deputados, da Universidade de São Paulo, avalia que é possível afirmar que as mulheres estão mais presentes nas comissões que tratam de temas socialmente considerados femininos, porque esse é o único nicho disponível para elas no campo político.
“O fato de a participação nas comissões ser definida pelos partidos políticos contribui para essa hipótese. Os partidos, por reproduzirem esses estereótipos de gênero, acabam alocando as deputadas nessas comissões. Ao mesmo tempo em que são mais permeáveis à presença das mulheres, esses temas estão associados a posições de menor prestígio no campo político”, explica em sua pesquisa, que é mencionada por Grangeiro.
Beatriz Sanchez também ressalta que há, portanto, “uma divisão sexual do trabalho político que, ao se basear nos pressupostos da ‘política maternal’, confina as mulheres no âmbito das questões sociais e destina aos homens as tarefas que possuem maior reconhecimento”.
Grangeiro pondera que, apesar da alta participação das mulheres na apresentação e aprovação de proposições legislativas relacionadas ao cuidado, há forte atuação em matérias que tratam de administração pública, economia, agricultura e outros temas em que existe significativa concentração masculina.
“Vale destacar a aprovação de importantes proposições legislativas de combate à violência contra a mulher que contaram com forte participação feminina, quer seja na autoria ou relatoria, quer seja na mobilização intensa em prol de sua aprovação. Entre esses projetos, destacam-se a Lei Maria da Penha (Lei Ordinária nº 11.340/2006), a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/15) e as alterações do Código Penal Brasileiro para incluir novos tipos de violência sexual contra mulheres.”
Grangeiro já trabalhou em gabinetes na Câmara dos Deputados. Ele relata que, no cotidiano, notou uma diferença entre deputados e deputadas na forma de agir, ou seja, no modo como precisavam se organizar para garantir o sucesso de suas proposições.
“Pude observar, por exemplo, a atuação de deputadas como Soraya Santos (PL) e Laura Carneiro (MDB), defensoras, em 2015, de um projeto que tratava da alteração das configurações do crime de estupro. Elas e as outras deputadas se organizaram de forma estratégica: mapearam quantos votos precisavam, de quais partidos, em quais comissões, quem poderiam convencer. Elas tinham uma missão”, pontua.
Então ele decidiu testar, cientificamente, se suas impressões iriam se confirmar. Quando gerou os dados usados na monografia, estabeleceu os filtros e estudou sobre as deputadas da constituinte, o pesquisador entendeu que esse modo de se organizar estrategicamente vem de muito longe.
Um marco no direito ao voto no Brasil foi a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a participação política ampla e igualitária como garantia constitucional, aumentando o rol de pessoas aptas a votar, permitindo o sufrágio inclusive aos analfabetos de ambos os gêneros.
Apesar desses avanços conquistados na Assembleia Constituinte, o Brasil ainda amarga uma baixa representação de mulheres no Congresso Nacional. Mesmo com a eleição de 77 deputadas em 2018, que passaram a representar 15% da Câmara dos Deputados, o país ocupa o 140º lugar no ranking da Organização das Nações Unidas (ONU) de países com maior representação feminina no Legislativo.
“A pesquisa é impressionante, tem caráter de descoberta. Estamos mostrando que, mesmo sendo 15% do Congresso, essas mulheres têm, em todas as categorias que se pode medir, uma maior eficiência. Isso não só fortalece as mulheres na política como mostra que colocar mulheres na política é transformador”, observa Débora Diniz, orientadora do estudo.
Na monografia, entretanto, Grangeiro, não explica o porquê dessa maior eficiência. “Seria necessária uma outra metodologia. Trata-se de uma rede de estratégias que se cruzam, envolvendo ideologia partidária, pautas do governo federal e capital político da parlamentar”, observa.
O autor também destaca que não é suficiente que haja mulheres na política para a transformação dos regimes patriarcais e racistas. Ele ressalta que projetos relacionados ao direito e à autonomia sobre o próprio corpo, como questões ligadas ao aborto legal, ainda são tabu.
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