Prefeito psolista de Belém prega frente de esquerda
Foto: Raimundo Paccó/FramePhoto/Agência o Globo
Único eleito com apoio de uma frente ampla à esquerda, o futuro prefeito de Belém, deputado federal Edmilson Rodrigues (Psol) diz compreender idiossincrasias partidárias, mas faz um apelo às lideranças de seu campo para que se entendam até 2022.
Em entrevista ao Valor, o ex-petista, partido pelo qual se elegeu prefeito em 1996 e 2000, arquiteto e urbanista, doutor em geografia humana pela USP, afirma que “com fascismo não se brinca” e o governo de Jair Bolsonaro “comanda esse processo destrutivo da estrutura do Estado democrático de direito”. E acrescenta: “Nós, da esquerda, temos um papel fundamental”.
As conversas para acomodar o campo da centro-esquerda, na opinião do ex-prefeito, que voltará ao poder em 2021, devem se inspirar no “debate respeitoso” que os partidos têm conseguido tocar pela frente parlamentar da oposição. “Creio que essa experiência dentro do Congresso Nacional pode inspirar um debate mais amplo para as disputas que virão contra o fascismo em geral e o fascismo eleitoral daqui a dois anos. Temos que aprender com os erros.”
Com experiência no Executivo e no Legislativo, Ed, como é chamado na capital, diz que não se pode tratar o PT como o feudo da corrupção. “Não são.” E, aqui, critica Ciro Gomes (PDT), de quem diz ser fã, por discordar da forma pela qual o ex-ministro se refere ao PT e às suas lideranças usando o mesmo tom com que ataca Bolsonaro.
A esquerda tem que aprender a fazer concessões programáticas e ser pragmática, na visão do prefeito. Ele reconhece o sectarismo de seu próprio partido, ao qual faz críticas e ponderações. O fato de o Psol nunca ter exercido cargos nos governos do PT, diz, poderia até suscitar o argumento de que o partido “não se mistura”. Essa visão mais radical, alega, é fruto de “influências do pensamento trotskista, com grandes distorções”, que pode provocar “um grau de estreitamento, de dificuldade de ampliar a ação política e realizar mediações”. Grande política, pontua, não é ruptura revolucionária.
Veja os principais tópicos da entrevista do prefeito eleito:
“Há três capitais que sinalizaram a formação de frentes bem amplas, mas nem tão amplas, comprometidas com um programa democrático popular. Em Porto Alegre, a frente foi sem o Psol, que teve candidatura própria. Não era a minha posição, mas como partidário eu respeitei. Eu gostaria muito que, lá, tivéssemos saído todos juntos. Em Florianópolis tivemos uma frente mais ampla que a de Belém, com o Elson Pereira (Psol), que infelizmente não chegou no segundo turno. Lá, o PSB estava junto desde o primeiro turno. Aqui em Belém, apesar do nosso esforço, há mais de 10 anos o PSB se incorporou aos governos tucanos. Então, há que se respeitar. O que quero dizer, é que houve uma construção, uma tentativa de envolver todo mundo, mas aqui não foi possivel termos o PSB. O esforço de fazer uma frente foi determinante para a gente chegar sempre na frente, inclusive no segundo turno.”
“Temos dois anos para conversarmos muito, olharmos muito olho no olho. As lideranças têm um papel importante. Acredito que se é de esquerda quando se consegue mandar obedecendo a vontade popular. É difícil, porque temos gigantes da política. Eu pude demonstrar que, com humildade, você consegue unir diferentes. Aqui eu tive depoimentos de apoio da Marina [Silva, da Rede], do Ciro Gomes, do [Fernando] Haddad, de lideranças do Psol de todas os matizes e de outros partidos, como a UP, um partido novo, e o PCB, com intelectuais importantes. Conseguimos um leque de apoios muito interessante, plural, e espero que isso sinalize sim para outros momentos. A ideia de que, sem abrir mão de princípios, e da construção de cada partido, é possível [unificar]. Porque cada partido tem que crescer mesmo, até porque tem uma legislação em que ou você cresce, ou desaparece. A cláusula de barreira é muito cruel. Quem não consegue atingir o coeficiente de votos, perde verba partidária, perde tempo de TV, a capacidade de participar de debates. Mas a gente pode, sim, autoconstruir, fazendo um projeto coletivo. Temos que exercitar isso.”
“No Rio, muita gente que votou no prefeito eleito [Eduardo Paes], foi para derrotar o bolsonarismo, o fascismo, a corrupção, mas ele não era propriamente o discurso ético. Porque o Eduardo também está envolvido em vários escândalos, foi um cara muito ligado a Sergio Cabral. Mas se eu tivesse no Rio, não teria saída. Votaria nele. Mas por que nós chegamos a isso, se tinhamos nomes e tinha até um protótipo de chapa, com Marcelo Freixo e Benedita da Silva? Por que o PSB e PDT não sentaram à mesa com os demais partidos? Por que esse sectarismo tão grande? Creio que cada região tem a sua própria história, embates regionais, competitividades, que influenciam a possibilidade ou não de unidade. Mas as lideranças têm que entender que isso deve ser secundário diante ao combate ao fascismo.”
“Num segundo mandato de Bolsonaro nós não teremos mais povos indígenas. A dizimação de florestas, apesar de todas as denúncias, está ocorrendo com índices avassaladores. O sentimento que se tem é de impotência, porque é um governo que não respeita normas, desafia os órgãos fiscalizadores, incentiva a exploração de minério em terras indígenas, o desmatamento, o incêndio em florestas. E apesar de todas as denúncias da mídia, dos organismos internacionais, vem se processando aqui algo muito parecido com o que ocorreu com o primeiro-ministro eleito da Alemanha, um rapaz chamado Adolf Hitler. Ele foi levado pelo povo à posição de super ditador, em nome de uma raça pura, para a destruição da humanidade. Não se brinca com fascismo. Ele não tem responsabilidade nenhuma com a verdade.”
“Aqui, grande parte das pessoas que não votaram em mim foi porque a máquina de ‘fake news’ os convenceu de que o Psol e eu iríamos transformar os banheiros de escola em unissex, e que as crianças de seis anos poderiam praticar sexo, e que aos 19 anos poderiam trocar de sexo. Foi impressionante. Numa cidade em que tem a maior festa católica do planeta, e que é a mãe da Assembleia de Deus, do neopentecostalismo, não é pouca coisa manipular a população religiosa com mentiras que passam a ser verdades no imaginário popular, para gerar resistências. Isso aí tem que estar acima de divergências se o projeto é liberal ou de esquerda; se é mais ou menos radical na perspectiva do socialismo, ou se é mais ou menos radical na perspectiva do liberalismo; se privatiza tudo, ou se mantém estatais estratégicas. Esse debate é o republicano, com diferenças respeitáveis. Diferente de quando se trata de ameaça à democracia, de incentivo ao fechamento do Supremo e do Congresso, de destruição do aparelho do Estado, de políticas de Estado de proteção social, do respeito à conservação ambiental e às terras da União. Ou seja, quando o próprio governo comanda esse processo destrutivo da estrutura do Estado democrático de direito, nós estamos correndo um risco de consolidarmos aquilo que já é real: um fascismo em processo de implantação. Nós, da esquerda, temos papel fundamental.”
“[As correntes] são complexas. Porque algumas correntes são orientadas por visões de mundo e organizações de caráter internacional. Por exemplo, em geral tem influências do pensamento trotskista, com grandes distorções do pensamento de Trotski, que foi um grande intelectual e revolucionário. Mas às vezes você tem um grau de estreitamento, de dificuldade de ampliar a ação política e realizar mediações, que acho que é um certo medo de fazer a grande política, e de achar que a grande política é apenas quando você tem um momento de ruptura revolucionária. Ao longo da história, há conjunturas em que não houve outra coisa a fazer se não derrubar governos, a estrutura de Estado e constituir uma nova ordem. Mas quando a ordem hegemônica é liberal, e quando o pensamento conservador é muito forte, ele domina corações e mentes de muitos pobres. Todo mundo sabe que o presidente eleito aqui ofendeu mulheres, disse que quilombolas são preguiçosos e não servem nem para procriar. Trata negro e quilombola como bichos, animal pra ser vendido e pesado em arrobas, pessoas sem valor algum. Ao mesmo tempo, carrega ligações com o crime organizado, as milícias. E sempre esteve em partidos de direita, que negociaram cargos. Apesar de tudo isso, convenceu o povo de que seria a nova política. A esquerda não pode deixar de ver isso.”
“A desistência dele foi uma decisão que ele amadureceu quando percebeu que não conseguiria convencer pelo ampla maioria dos partidos de que era necessário união para enfrentar o fascismo do Rio, além da corrupção. Lançaram no Psol no Rio duas candidaturas. Não vejo negatividade nisso. Você pode sonhar e pode pensar em realizações, vivendo com democracia interna. Quando o Marcelo retirou a candidatura, os dois companheiros lá também retiraram. A Renata [Souza] foi incentivada pelo Marcelo. A decisão dele também leva em conta o fato de não ter tido, de forma imediata, uma unidade partidária, como veio a ocorrer depois. Isso é uma questão que o Psol precisa debater. Se retiraram depois [da desistência do Freixo], podiam ter retirado antes. Mas aí está no imponderável.”
“Há um determinado tipo de visão que ficou muito vinculado à esquerda, a psicosfera criada pela Lava-Jato, tendo como alvo o PT. Na minha avaliação, o PT cometeu muitos erros, muitos dirigentes partidários se envolveram com corrupção, mas não se pode dizer que o partido inaugurou corrupção, e nem se pode dizer que o PT como um todo e sua militância são corruptos. Não são. A grande maioria é gente de luta, mas a campanha, baseada até em fatos concretos da Lava-Jato, no combate à corrupção, acabou pegando o PT como elemento e espraiando para toda a esquerda. Uma criminalização da política, na verdade, para que o salvador do mundo chegasse com seu discurso antipolítica, antissistema, mesmo sendo um viciado na corrupção, viciado na violência estrutural. Os fatos estão aí. Adriano da Nóbrega era chefe do Escritório do Crime.”
“O Juliano [Medeiros] está representando o Psol permanentemente, em reunião com os partidos de oposição no Congresso Nacional. Nem tudo é unidade, mas grande parte da unidade em várias decisões importantes no Congresso, e mesmo na luta nacional, é fruto desse diálogo permanente. Há um fórum de dirigentes partidários, os presidentes de partidos, como o [Carlos] Lupi, do PDT, o [Carlos] Siqueira, do PSB, todos os principais dirigentes e parlamentares têm participado. Eu creio que essa experiência dentro do Congresso Nacional pode inspirar um debate mais amplo para as disputas que virão contra o fascismo em geral e o fascismo eleitoral daqui a dois anos. Temos que aprender com os erros.”
“Com certeza, porque se estamos unidos lá, em quase todos os temas importantes, por que não podemos estar quando a sociedade nos chama para defender o Brasil e a democracia? Para a esquerda não se precisa colocar o dedo no nariz. Não é a lama da corrupção. Naturalmente você tem que fazer concessões programáticas, e colocar pontos de vista, em alguma medida exigir limites mínimos, mas não dá para dizer que temos diferenças tão grandes que não podemos estar juntos. É por isso que eu respeito os companheiros que decidiram lançar candidaturas, mesmo em Porto Alegre. Porque é uma esquerda programática. Mas o Psol, que não participou de governo nenhum, com a expulsão da Heloísa Helena, da Luciana Genro e do Babá, e com a construção do partido nessa segunda leva, nós não tivemos um cargo para servir nem café em qualquer ministério, qualquer estatal. Sobrevivemos e crescemos fazendo oposição de esquerda e programática. Enfim, teríamos até como dizer ‘nós não nos misturamos’. Mas se você pensa nos demais partidos de esquerda, todos participaram do governo Lula, com ministérios. PDT na Comunicação, nos Correios, PSB na Ciência e Tecnologia, a Marina ministra do Meio Ambiente. Por que então privilegiar as diferenças?”
“O Ciro tem razão em muitas críticas que faz, de forma contundente? Tem. Ele é brilhante, sou fã dele, mas não em tudo. Ele podia falar de um modo diferente. Uma coisa é atacar o Bolsonaro. Mas esse mesmo tom não pode ser usado contra uma liderança ou um partido do campo democrático popular, muito menos quando não se tem prova concreta, uma condenação. Muitos dos que sofrem ataques sofrem porque são demonizados, para não crescerem, para não representarem projetos de mudanças.”
“Tenho quatro nomes que lançamos para a comissão de transição, até para conhecer as finanças. Começamos hoje as conversas com lideranças partidárias para ouvir as demandas, nomes técnicos, porque ninguém é neutro politicamente. Mas não quero ninguém indicado por partido que não tenha como contribuir, porque os desafios são muito grandes. O governo vai ser amplo, mas cada nomeado tem que ter compromisso programático, ético. Cada centavo vale muito numa cidade tão desigual. Temos essa vontade de construir uma Belém mais humana, democrática, justa e feliz. Além de conhecimento técnico, queremos experiência, se possível. Porque às vezes você tem um brilhante doutor numa área que não consegue administrar nada, nem sua própria vida. Governo não é academia. Conhecimento científico é de fundamental importância, mas alguns cientistas brilhantes vão contribuir com conhecimento científico, não necessariamente têm perfil. Vou considerar isso para montar o governo, sem nenhum óbice às indicações. Semana que vem vou apresentar um leque de nomes que vão compor o secretariado.”
“O primeiro ato, logo após a posse, é um decreto criando um programa que se chama ‘Bora Belém’. É um projeto de renda mínima municipal, de até R$ 450. Ele vai complementar programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e outros. Mas a questão central é fazer busca ativa nas populações mais pobres, para combater a fome. É um programa amplo, porque está articulado à reestruturação do Banco do Povo, paralisado há 16 anos. O sentido do banco é gerar financiamento, microcrédito a juros baixos, para geração de empreendimentos populares, cooperativas, gerando empregos. Tivemos antes uma experiência bem virtuosa, gerando mais de 20 mil empreendimentos, que serviu de referência para o Paul Singer. A equipe do Banco do Povo foi assessorá-lo [no governo Lula e Dilma]. Uma experiência muito positiva na área de economia solidária. Vamos criar uma frente de trabalho para a limpeza de bueiros e canais. Devem ter 14 bacias hidrográficas, e as enchentes estão infernizando a vida do povo. Está tudo assoreado e foi abandonado pelo prefeito. E isso além da covid-19.”
“A nova onda é uma preocupação. Já acionei a universidade, para ter o hospital universitário como possibilidade de retaguarda. Já liguei para o governador, me reúno com ele e com o secretário de saúde estadual, para que a ação seja concatenada. Houve muita briga aqui entre prefeito e governador, UPA fechada, gente morrendo. As diferenças que eu tenho com o governador não podem ser maiores que a necessidade de salvar vidas se houver uma grande nova onda da covid.”
“Temos uma área de investimento social muito grande prevista no orçamento. Num governo como o nosso, vamos dar prioridade ainda maior e já incluir alguns recursos que permitam o atendimento de algumas milhares de famílias em situação de grande vulnerabilidade. Belém é tão pobre que mais de 500 mil pessoas, ou seja, um terço da população, receberam auxílio emergencial. Aqui, 121 mil famílias recebem o Bolsa Família, com médio de benefício de R$ 190. A complementação municipal é para chegar a R$ 450. Mas, num primeiro momento, temos que ir para os bolsões de pobreza, pessoas sem capacidade de se cadastrar. Enquanto houver uma criança na rua passando fome ou trabalhando eu estarei totalmente voltado à ideia de erradicar a fome em Belém. A pobreza não tira dignidade humana, mas a miséria tira, e o combate à miséria é uma necessidade que o poder público tem que realizar.”
“Hoje temos em torno de R$ 5 bilhões de orçamento. Quando se dá prioridade aos mais humildes, você tira de prioridades outras coisas, que podem esperar. O estudos [de impacto orçamentário] estão sendo feitos. Foi enviado recentemente o projeto para a Câmara. Eu quero, antes da aprovação do orçamento pela Câmara Municipal, definir valores mais objetivos. O valor exato não está fechado. A área social está vendo, dentro dos cadastrados, qual é o valor que cada família recebe, por exemplo. O sentido do programa é o da complementação, quando necessário.”
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