Congressistas americanos ligados à extrema-direita viram investigados
Foto: STEPHANIE KEITH / AFP
O título do vídeo foi colocado como uma questão, mas não deixou dúvidas sobre as posições dos homens que o filmaram. Eles o chamaram de “A Iminente Guerra Civil”, e em seus primeiros segundos, Jim Arroyo, que lidera a representação no Arizona do Oath Keepers, uma milícia de extrema direita, declarou que o conflito já começou.
Para amparar suas declarações, Arroyo mencionou o deputado Paul Gosar, também do Arizona, um dos mais extremistas integrantes do Congresso. Gosar fez uma visita ao escritório local dos Oath Keepers há alguns anos, como menciona Arroyo, e quando questionado se os EUA estavam se encaminhando para uma guerra civil, a resposta do deputado “foi direta: já estamos nela. Apenas não começamos a atirar uns nos outros”,
Menos de dois meses depois do vídeo ter sido publicado, integrantes dos Oath Keepers estavam entre aqueles com ligações a grupos extremistas de todo o país que participaram do ataque ao Capitólio, no dia 6 de janeiro, dando início a novo escrutínio aos laços entre congressistas e uma série de organizações e movimentos que expressam visões de extrema direita.
Cerca de 150 republicanos na Câmara apoiaram as alegações sem evidências de que a eleição foi roubada. Mas Gosar e alguns deputados tinham laços mais profundos com grupos extremistas, que defendem ideias violentas e teorias da conspiração, e cujos integrantes estavam entre os que invadiram os salões do Congresso para evitar a confirmação da vitória do então presidente eleito Joe Biden.
Entre eles estão os deputados Andy Biggs, do Arizona, que como Gosar estava ligado à campanha “Parem com o Roubo”, apoiando os esforços de Trump para mudar o resultado da eleição. A deputada Lauren Boebert, do Colorado, possui laços com milícias, incluindo os chamados Three Percenters, um braço extremista de movimentos armamentistas que teve pelo menos um integrante na invasão do Capitólio.
Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, promoveu a teoria da conspiração QAnon, cujos apoiadores estavam entre os mais visíveis na invasão, e também apareceu em um comício com milícias. Antes de ser eleita para o Congresso, no ano passado, usou as redes sociais para endossar, em 2018, a execução de integrantes do Partido Democrata e para sugerir que o massacre na Escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, em 2018, foi um ataque falso.
Matt Gaetz, da Flórida, apareceu no ano passado em um evento também frequentado por integrantes dos Proud Boys, outra organização terrorista cujo papel no ataque do dia 6 de janeiro, assim como os Oath Keepers e os Three Percenters, está sendo investigado pelo FBI.
Não está claro se algum dos políticos eleitos teve papel papel direto para facilitar o ataque ao Capitólio, além de ajudar a incitar a violência através de declarações falsas sobre a eleição ter sido roubada de Trump. Pessoas ligadas ao caso dizem que há investigações feitas por democratas mostrando que alguns deputados democratas fizeram tours do Capitólio e forneceram outros tipos de informações a pessoas responsáveis pelos eventos do dia 6 de janeiro. Até agora, não há provas para comprovar essa tese.
Boebert diz, em comunicado, que “jamais levou alguém para conhecer o Capitólio a não ser integrantes de sua família que estavam na cidade para sua posse”, e chamou as acusações dos democratas sobre os “tours de reconhecimento” a insurgentes de “mentira irresponsável”. Depois do tumulto no Capitólio, disse que não apoiava “atos ilegais de violência”.
Biggs negou qualquer tipo de ligação com os organizadores do “Parem o Roubo”, e condenou violência “de qualquer tipo”.
“Você estava ciente de qualquer manifestação ou tumulto no Capitólio marcado para depois do comício do dia 6 de janeiro de 2021? Não”, disse Biggs em comunicado.
Um porta-voz de Greene diz que ela agora rejeita o QAnon, e que tentou distanciá-la dos milicianos.
Gaetz, em seu podcast, disse que os Proud Boys estavam no evento em que compareceu para fornecer segurança, e que “só porque você tira uma foto com alguém” não significa que “esteja ligado a cada ponto de vista que eles tiveram ou terão no futuro”.
Mas ao declarar abertamente ou tacitamente apoio, um pequeno mas barulhento grupo de republicanos agora na Câmara forneceu legitimidade e publicidade a grupos extremistas e movimentos enquanto eles se preparavam para assumir seu papel de apoio aos esforços de Trump para subverter os resultados da eleição de 2020 e atacar o Congresso.
Aitan Goelman, ex-promotor federal que ajudou a condenar o responsável pelo atentado em Oklahoma City, Timothy McVeigh, disse que quando políticos eleitos, ou mesmo candidatos ao cargo, fazem coisas como aparecer com milícias ou grupos de direita, isso lhes confere um ar de legitimidade.
De certa forma, os congressistas estavam refletindo sinais vindos de Trump.
Durante o debate presidencial em outubro, ele fez um aceno aos Proud Boys, dizendo para “recuarem e esperarem”. Dois meses depois, Trump descreveu os seguidores do QAnon — muitos dos quais acusados de assassinato, terrorismo doméstico, planejar sequestros e, mais recentemente, atacar o Capitólio — como “pessoas que amam nosso país”,. Dizendo que elas “supostamente gostam de mim”.
Poucos republicanos estão mais ligados a grupos extremistas do que Paul Gosar.
— Ele está envolvido com grupos anti-islâmicos e de ódio — disse o irmão de Gosar, Dave, um advogado em Wyoming. — Ele fez comentários antissemitas. Ele é tão ligado aos Oath Keepers que nem é engraçado.
Dave e outros irmãos do deputado veiculam anúncios o denunciando como um extremista perigoso quando concorreu ao Congresso em 2018. Agora querem que ele seja expulso da Câmara.
— Alertamos a todos sobre o quão perigoso ele era — afirmou Dave Gosar.
Nos dias que se seguiram à eleição de 2020, Paul Gosar e Biggs ajudaram a tornar o Arizona um lugar crucial para o movimento Parem o Roubo, encontrando posições comuns com a linha dura que até então vivia de forma obscura, como Ali Alexander. Os dois gravaram um vídeo, “Essa eleição é uma piada”, visto mais de um milhão de vezes e que espalhou desinformação sobre uma ampla fraude eleitoral.
Alexander disse que ele “esquematizou” o evento do dia 6 de janeiro com Gosar, Biggs e outra voz do Parem o Robo, Mo Brooks, do Alabama. A caracterização feita por Alexander do papel dos congressistas é exagerada, diz Biggs, mas os congressistas faziam parte de uma rede mais ampla de pessoas que ajudaram a planejar e promover o protesto como parte dos esforços para derrubar a vontade dos eleitores.
Apesar de Biggs ter amenizado seu envolvimento com a campanha de Parem com o Roubo, no dia 19 de dezembro Alexander mostrou uma mensagem de vídeo do deputado para uma multidão furiosa em um evento onde os participantes gritavam palavras violentas contra os congressistas. No evento, a esposa de Biggs, Cindy, foi vista abraçando Alexander em pelo menos duas ocasiões, além de sussurrar em seu ouvido.
Em 2019, Biggs falou em um evento apoiado pelo Movimento Patriota AZ (sigla do Arizona), Patriotas AZ e a Guarda Americana — todos identificados como grupos de ódio pelo Centro de Direito da Pobreza do Sul, de acordo com o jornal Arizona Republic. Em 2015, ele ficou calado em um evento enquanto um dos fundadores dos Oath Keepers defendeu o enforcamento do senador John McCain, o acusando de trair a Constituição. Biggs contou ao jornal que naquela época ele não sentiu que era seu lugar para falar e denunciar os comentários.
Assim como a família de Gosar, os dois irmãos de Biggs o denunciaram publicamente, dizendo que era ao menos em parte responsável pela violência do dia 6 de janeiro. Além disso, uma deputada estadual do Arizona, Athena Salman, pediu que o Departamento de Justiça investigasse as ações de Gosar e Biggs antes dos protestos, dizendo que eles “encorajaram, facilitaram, participaram e possivelmente ajudaram a planejar essa insurreição antidemocrática”.
Em dezembro de 2019, centenas de manifestantes foram à Assembleia Legislativa do Colorado contra uma nova lei que retiraria armas de fogo das mãos de pessoas com distúrbios emocionais. Entre os que ali compareceram estavam integrantes dos Three Percenters, descritos por promotores federais como um “grupo miliciano radical”, e por uma candidata ao Congresso com histórico de prisões chamada Lauren Boebert, que estava atrás de seus votos. Armada com sua própria pistola, posou para fotos com milicianos e prometeu se opor à lei.
Nos meses seguintes, milicianos se tornariam um dos principais aliados políticos de Boebert. Com sua campanha em andamento no ano passado, escreveu no Twitter: “eu sou a milícia”.
Os milicianos também fizeram a segurança de seus eventos de campanha e frequentaram o ar que ela mantém, Shooters Grill, em Rifle, Colorado. Em um vídeo recente, um integrante dos Three Percenters foi filmado dando uma pistola Glock 22 para ela. Outro integrante do grupo, Robert Gieswein, que apareceu em uma foto na frente do restaurante de Boebert no ano passado, enfrenta um processo federal por ligação ao ataque ao Capitólio e por ter agredido policiais.
O diretor de comunicações de Boebert, Benjamin Stout, disse em e-mail que ela “sempre condenou todas as formas de violência política e que sempre deixou claro que aqueles que atacaram o Capitólio deveriam ser processados”. Ele ainda afirmou que “simplesmente porque ela tirou uma foto com alguém que pediu para tirar essa foto não signfica que endorse toda crença que eles tenham ou concorde com declarações públicas ou causas apoiadas por eles”.
Uma das forças por trás do ataque ao Capitólio era o movimento conhecido como QAnon, e o QAnon tem poucos apoiadores mais ranqueados do que Greene.
O movimento é centrado em uma crença fantasiosa de que Trump, secretamente ajudado pelos militares, foi eleito para destroçar os democratas, financistas internacionais e burocratas do “Estado Profundo”, que adoram Satã e abusam de crianças. Ele profetiza um evento apocalíptico, conhecido como “A Tempestade”, entre Trump e seus inimigos. Durante essa “Tempestade”, seus inimigos, incluindo Biden e muitos congressistas democratas e republicanos, seriam presos e executados.
A multidão que atacou o Capitólio incluía muitos apoiadores usando camisetas com o “Q” e bandeiras com o símbolo do movimento.
Greene aderiu ao QAnon desde cedo, o chamando de “oportunidade única para afastar esse grupo global de satanistas pedófilos”. Muitas de suas postagens no Facebook refletiram a linguagem usada pelo movimento, falando sobre enforcar lideranças democratas ou executar agentes do FBI.
Greene também se mostrou simpática a alguns grupos milicianos cujos integrantes foram vistos em vídeos atacando o Capitólio, como os Oath Keepers e os Three Percenters. Durante um evento pró-Trump em Washington, em 2018, o Mãe de Todos os Comícios, ela louvou os grupos como aqueles que podem proteger as pessoas contra um “governo tirano”.
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