Em dois anos, Bolsonaro não demarcou um acre de terras indígenas

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Foto: Fábio Nascimento / Greenpeace/Divulgação

O governo federal, que não demarcou nenhuma terra indígena nos dois anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro, travou internamente o andamento da maioria dos procedimentos em que os pedidos são analisados. Levantamento do GLOBO a partir de dados do Instituto Socioambiental (ISA) junto a cartórios e consultas de decretos, portarias ministeriais e publicações da Fundação Nacional do Índio (Funai) mostra que há 237 territórios com processos de demarcação já requisitados, mas 70% deles estão parados entre a Funai e o Ministério da Justiça, sem qualquer avanço, seja no que diz respeito a estudos de campo ou análises de documentos nos órgãos.

O Brasil tem 487 terras indígenas já homologadas, e os ataques de Bolsonaro à política de demarcação começaram ainda na campanha eleitoral, em 2018. No ano passado, o presidente chegou a dizer que, se dependesse dele, nenhuma homologação seria feita. “Na ponta da linha quem demarca terra indígena é o presidente”, afirmou, em junho de 2019.

A Funai e o Ministério da Justiça seriam o “início da linha”, já que são responsáveis pela identificação, estudo e declarações das terras, antes de seguir para o presidente homologar por meio de decreto. No entanto, o único movimento feito em processos de demarcação durante a gestão Bolsonaro foi a criação de cinco grupos técnicos pela Funai, depois que o órgão foi obrigado a iniciar os estudos por determinação judicial.

Mesmo assim, nada andou. Estima-se que cerca de 30 terras indígenas tiveram seus processos de demarcação devolvidos da Casa Civil e do Ministério da Justiça para a Funai, com base em um parecer dado pela Advocacia-Geral da União (AGU) no qual os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam na data em que a Constituição foi promulgada: 5 de outubro de 1988.

Entre as terras indígenas que ainda não foram homolgadas estão Ituna itatá, na Amazônia, considerada a mais desmatada em 2019, e Piripikura, em Mato Grosso, ambas ameaçadas por invasores, grileiros e queimadas.

Mais longevo presidente da Funai, o antropólogo Márcio Meira, que dirigiu o órgão entre 2007 e 2012, vê com ceticismo qualquer possibilidade de avanço nos processos demarcatórios na atual conjuntura política e critica a postura de derespeito à Constituição pelo atual governo.

– As propostas do governo Bolsonaro, e é só ver o que ele e os membros de seu governo falam sobre povos indígenas, não cabem na Constituição de 88. O que ele deseja fazer é não demarcar nenhuma terra indígena, uma promessa de campanha. Só que isso é inconstitucional para um presidente, que deveria não só demarcar novas terras como proteger as que já estão demarcadas. Mas ele não faz nenhuma e nem outra – afirma.

Para Meira, o principal impacto da paralisação dos processo demarcatórios é o acirramento dos conflitos e disputas por terras, além do aumento de invasões.

– A consequência disso é que você coloca em risco a vida de vários povos que estão sem a sua terra demarcada, ou seja, isso gera uma situação de insegurança jurídica, que permite , por exemplo, que fazendeiros e madeireiros invadam essas áreas que estão em processo de estudo.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, integrante da Comissão Arns de Direitos Humanos e do Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta também para a violação da Constituição Federal e a promoção de insegurança jurídica e de conflitos fundiários “agora e por gerações futuras” com a paralisação do processos demarcatórios.

Manuela acrescenta ainda sua preocupação com a discussão do marco temporal (ação que pode rever demarcações de terras indígenas) no STF.

– A demarcação de terras indígenas hoje está paralisada, e essa (falta de) política foi anunciada e estabelecida pelo presidente do Brasil. A Constituição Federal impõe ao Executivo o dever de demarcar em cinco anos a totalidade das Terras Indígenas. Como não concluiu, a União está em mora de 27 anos – afirma Manuela, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago. acrescentando sua preocupação com a questão do marco temporal:

– É uma tentativa de desvirtuar uma vez mais o que diz a Constituição, que nunca colocou data de validade aos direitos indígenas. A interpretação de que existiria essa data (marco temporal) quer estabelecer que os direitos dos indígenas às suas terras só terão validade se eles estivessem de posse dessas terras no dia da promulgação da Constituição, ou seja, 5 de Outubro de 1988. É, mais uma vez, uma tese patentemente inconstitucional – finaliza.

O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), Dinaman Tuxá, afirma que hoje vivenciamos numa série de retrocessos ideológicos dos tempos da ditadura, “um verdadeiro pacote de maldades” que se insere dentro de um contexto de pandemia que acaba se agravando.

– O reflexo disso é o enfraquecimento da política indigenista , o loteamento de cargos dentro da Funai para dificultar e inviabilizar ainda mais a demarcação das terras indígenas, um enfraquecimento da política ambiental, um enfraquecimento da política de fiscalização das terras já demarcadas, e tudo isso acarreta um aumento dos ilícitos nas terras indígenas e que ainda estão em estudos ou em via de demarcação de qualquer política pública. Isso não só se reflete diretamente para os povos indígenas, isso reflete também no aumento de queimadas, do desmatamento , no aumento do aquecimento global e consequetemente das mudanças climáticas. Então não demarcar é você se autodeclarar inimigo não só dos povos indígenas, mas de toda a humanidade. O mundo está de olho nessa postura criminosa do presidente da República – conclui.

Advogada do ISA reponsável por atuar em processos de questões fundiárias, Juliana de Paula Batista afirma que o desmonte na fiscalização ambiental também foi uma das marcas desse governo para além da paralisação dos processos demarcatórios.

– Além de acirrar conflitos, a paralisação dos processos demarcatórios adensa o número de invasores nessas terras e cria uma expectativa de direito de que essas demarcações não vão acontecer. Não se trata de devolver o Brasil para os índios. A maior parte da demanda de demarcação ela já foi cumprida – afirma Juliana completando:

– O presidente jurou cumprir a Constituição e a demarcação de terras indígenas é uma política de Estado , ela não é uma política que este ou aquele governo pode optar por fazer ou não fazer. O Estado é permanente, o governante é de ocasião, ele muda a cada quatro anos. O que está previsto na Constituição está acima de tudo e de todo e todos têm que cumprir, o presidente, o prefeito e o cidadão.

Entre os presidente com mais demarcações homologadas no currículo, Fernando Henrique Cardoso lidera a lista com 145 demarcações seguido de Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva e José Sarney com 112, 87 e 67 terras homologadas , respectivamente.

As áreas que estão em estudo carecem ainda de relatórios antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a identificação e a delimitação do local. As identificadas já tiveram seus estudos aprovados, mas ainda aguardam análise do Ministério da Justiça. As declaradas estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente, com georreferenciamento. No total, há 74 terras indígenas declaradas pela pasta, mas que estão travadas.

Questionado, o Ministério da Justiça não explicou se as 74 terras indígenas já declaradas estão paradas na mesa do gabinete ministerial ou se foram devolvidas com pedido de diligência ou mesmo enviadas para a Presidência homologar. Em nota, disse apenas que solicitou à Funai que se pronuncie em relação aos questionamentos do GLOBO.

A Secretaria-Geral da Presidência afirma que não há nenhum processo de demarcação na Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) , responsável por analisar os atos do presidente antes da publicação no Diário Oficial da União.

Já a Funai não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

O Globo 

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