Aras quer apoio de evangélicos para ser ministro do STF

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Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO

Em campanha reservada a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, recebeu dois líderes evangélicos de setores da Assembleia de Deus fora da agenda, na última segunda-feira, 15. Ao pastor Silas Malafaia (Vitória em Cristo) e ao bispo Abner Ferreira (Ministério Madureira), Aras posicionou-se contra o fechamento de igrejas durante o período de restrições impostas por governadores e prefeitos em função do agravamento da pandemia de covid-19. O relato é de Malafaia.

O encontro, que ocorreu na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), não foi informado na agenda pública de Aras. Católico e sem a preferência dos evangélicos, o procurador-geral corre por fora na tentativa de ser indicado ao Supremo em julho, quando está prevista a aposentadoria compulsória do ministro Marco Aurélio Mello, que completará 75 anos. A vaga foi prometida reiteradas vezes pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda no primeiro ano de governo, a um ministro “terrivelmente evangélico”.

Um líder do segmento protestante, frequentemente tietado por candidatos à vaga, relatou, reservadamente, que a sucessão no Supremo entrou na pauta do encontro e que todas as costuras estão sendo feitas de forma sigilosa. Em busca de prestígio, Aras intensificou a procura por canais de aproximação com os pastores. Malafaia, por sua vez, disse à reportagem que o procurador-geral não falou abertamente se pretende a vaga de Marco Aurélio. Segundo ele, por ser “muito ético”.

O pastor disse à reportagem que Aras não pediu segredo sobre o encontro reservado e, por isso, poderia falar abertamente. Por meio de sua assessoria, Aras confirmou a reunião, mas não deu detalhes. Afirmou apenas que “foram tratados temas de interesse dos evangélicos”.

Em seu gabinete, Aras relatou ações que caíram no agrado dos líderes religiosos da Assembleia de Deus. O chefe do Ministério Público Federal comentou sobre uma reunião anterior com procuradores-gerais de Justiça, que chefiam o Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal. O objetivo seria alinhar a atuação do órgão. O pastor disse que o PGR afirmou, “com sensatez e equilíbrio”, aos procuradores: “Não mexam em templos religiosos”.

“Nessa reunião, ele (Aras) declarou o que está na Constituição. Primeiro, lugar de culto é inviolável, ninguém pode fechar ou impedir um culto religioso. Segundo, que as religiões cumprem um papel que o Estado não consegue, têm um papel terapêutico nessa história. A fé atua em áreas que um médico não atua. Então, que era um absurdo por violar um preceito constitucional e a prática de um povo, que 95% têm alguma religião. Ele disse para mim que apenas um procurador se contrariou, todos os demais concordaram com a fala dele. Essa foi a palavra dele, que acha um absurdo, uma afronta.”

Um aliado de Aras na PGR, a par das conversas, disse que ele pediu que o Ministério Público ficasse de fora de decisões sobre o funcionamento das igrejas. Segundo este mesmo subprocurador, Aras ponderou aos procuradores-gerais de Justiça que a decisão é de competência das autoridades sanitárias e segue critérios técnicos. Aras teria dito, na mesma linha, que o MP não deve assumir a responsabilidade política dos gestores pelas escolhas, nem intervir inadequadamente a favor ou contra o fechamento dos templos.

Prefeitos e governadores impuseram limitações ao funcionamento de templos religiosos em geral, como o impedimento de cultos presenciais ou o fechamento total. Malafaia afirma que eles foram “hipócritas”, porque não interferiram em aglomerações no transporte público, como ônibus e trens, mas prejudicam o comércio e os espaços de culto. Por isso, os representantes das igrejas passaram a procurar aconselhamento jurídico. “Enche a paciência de tanta hipocrisia e omissão. Quero ver o poder público ir em áreas proletárias e mandar fechar. Tenho 60 igrejas em comunidades. Está tudo aberto, um movimento louco. Vai na Maré, na Rocinha, no Alemão”, argumenta Malafaia.

Malafaia, no entanto, diz que não viu na atitude de Aras um movimento pensado para se cacifar no segmento. “Se o Aras quisesse se promover para agradar os evangélicos ele divulgava tudo, vazava para a imprensa essa postura dele. Mas não falou com ninguém. Sinceramente, não sou nenhum bobinho, a gente conhece bem o jogo. Ele é um cara religioso também, católico”, opina o pastor.

Em 2019, quando correu por fora da lista tríplice votada pelos membros do MPF e conseguiu ser escolhido por Bolsonaro para a PGR, Aras também manteve reuniões em segredo com evangélicos e, como o Estadão revelou na época, comprometeu-se com uma pauta moral cristã, a partir de uma carta elaborada pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).

A entidade também é cortejada por interessados na vaga do STF. Um dos nomes fortes considerados é o atual presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, que frequenta a Igreja Adventista do Sétimo Dia. No ano passado, a Anajure realizou um congresso nas dependências da corte, e Martins defendeu a liberdade religiosa como direito fundamental, no painel de abertura. O presidente do STJ costuma usar frases como “Deus no comando” em conversas de aplicativo e teria angariado apoios na bancada evangélica recentemente. No entanto, pesa contra ele o fato de ser próximo ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), opositor de Bolsonaro. Ambos são alagoanos.

Malafaia e Ferreira comandam igrejas no Rio de Janeiro. Ambos apoiam Bolsonaro e exercem influência política no segmento. O atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), é da mesma linha assembleiana comandada pela família Ferreira, que inclui a AD Madureira e a AD Brás. Esse ministério da Assembleia de Deus é historicamente ligado ao partido PSC e foi acusado de intermediar o recebimento de propina para o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ). O próximo presidente da frente parlamentar será o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), fiel da ADVEC, de Malafaia.

Por enquanto, o favorito entre os evangélicos é o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília. Dos nomes colocados, ele também possui o melhor trânsito no STF. A simpatia dos ministros, porém, foi abalada com a série de inquéritos que Mendonça passou a requerer à Polícia Federal para investigar críticos de Bolsonaro com base na Lei de Segurança Nacional.

“O André Mendonça tem a unanimidade da liderança evangélica. Mas quem vai bater o martelo é o presidente. Ninguém colocou faca no pescoço de Bolsonaro. O André tem apoio de 95% da liderança, ele é o cara que tem mais chance, sem menosprezar Aras, Humberto Martins”, disse Malafaia.

Para dar alternativas a Bolsonaro, em setembro do ano passado os pastores indicaram uma lista tríplice ao presidente, encabeçada pelo desembargador federal William Douglas, seguido pelo ex-desembargador eleitoral Jackson di Domenico e pelo procurador de Justiça Eduardo Sabo. Bolsonaro, contudo, preteriu os evangélicos e deu a cadeira aberta pela aposentadoria do ex-ministro Celso de Mello ao ministro Kassio Nunes Marques, avalizado por políticos do Centrão.

A lista continua válida, tendo sido endossada por lideranças evangélicas ligadas ao Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb), que visitaram Bolsonaro na segunda-feira, após participarem de encontro com Augusto Aras. Eles são, majoritariamente, pentecostais e neopentecostais. Foram ao Palácio do Planalto nomes como Renê Terra Nova (Ministério Internacional da Restauração), Estevam Hernandes (Renascer em Cristo), César Augusto (Fonte da Vida) e Samuel Câmara (Assembleia de Deus em Belém). Segundo Malafaia, o grupo não fez novos apelos por um dos nomes indicados porque poderia soar como tentativa de “constranger” o presidente, que já sabe da preferência pelo ministro da Justiça.

O discurso dos evangélicos é que foi Bolsonaro quem prometeu a indicação da segunda vaga ao segmento e que agora deverá cumprir sua palavra. Lideranças das igrejas deram apoio majoritário ao presidente em 2018, e pesquisas de intenção de voto indicam novamente um favoritismo do presidente no segmento para a disputa da reeleição no ano que vem.

Estadão