Dallagnol, agora, diz que anulações de Lula não afetam outros casos

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Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, afirma que não vê chances de uma “ampla anulação” da Lava-Jato, mesmo após o que classificou como “revisionismo”, ao tratar de medidas recentes, como o julgamento que declarou que o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial ao julgar Lula e a decisão que tirou casos do petista de Curitiba.

Em entrevista ao GLOBO, por email, Deltan diz que o STF precisa esclarecer a partir de que momento ocorreu a suspeição de Moro. Se for a partir da condução coercitiva de Lula, todas as buscas e apreensões e depoimentos devem ser anulados e provas que foram compartilhadas com outras ações devem perder validade. Se a suspeição ocorrer a partir de outro momento, como a divulgação da delação do Palocci, ele acredita que as provas podem ser salvas.

Sobre os diálogos com o ex-juiz Moro, o procurador diz que “é próprio de um caso que avançou em ritmo acelerado”. Troca de mensagens entre os dois foi citada por ministros do Supremo durante julgamento da suspeição de Moro. Ele também acredita na hipótese de que o plenário do STF possa reverter a decisão de Fachin, o que manteria válida a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia e o deixaria inelegível.

Nas últimas semanas, o STF anulou as condenações do ex-presidente Lula pelo ex-juiz Sergio Moro e o considerou parcial nos processos do líder petista. O sr. acha que muitas ações serão impactadas por isso?

O STF considerou suspeito o ex-juiz em razão de algumas decisões como aquela em que determinou a condução coercitiva do ex-presidente. Na minha opinião, tais decisões podem até ser consideradas duras, mas jamais fugiram ao padrão da Lava Jato. Não deram tratamento diferenciado nem foram relevantes para a condenação. Colocada essa discordância, a extensão da anulação dos casos depende do esclarecimento de um ponto pelo STF: a partir de que momento passou a existir a apontada suspeição do juiz pelo conjunto da obra? Se passou a ocorrer, por exemplo, quando o juiz levantou o sigilo da delação de Palocci ou foi para o governo Bolsonaro, pode ser que apenas a sentença condenatória do caso triplex seja anulada, mas sejam mantidas válidas as provas. Se esse for o entendimento e o plenário do STF reverter a decisão prévia do ministro Fachin que anulava as condenações em razão de o julgamento ter ocorrido em Curitiba e não Brasília, poderá ser mantida válida a condenação proferida pela juíza Gabriela Hardt no caso do sítio de Atibaia, confirmada pelo tribunal.

É possível que todas as provas colhidas pelo MPF no caso do tríplex do Guarujá sejam anuladas?

Se o STF entender que a suspeição (do Moro) passou a ocorrer no instante em que foi determinada a condução coercitiva, no começo da investigação, vão ser anuladas todas as provas colhidas nas buscas e apreensões, que não poderão ser utilizadas ou nem obtidas de novo. Como aí se encontram provas importantes para o caso triplex, talvez seja impossível reproduzi-lo. Além disso, nessa hipótese, o impacto se estenderá para as duas outras ações penais envolvendo o ex-presidente, os casos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, assim como para outras investigações ou processos em que tais provas possam ter sido usadas.

Outros petistas ou aliados condenados pela Lava-Jato podem ser beneficiados pela decisão que favoreceu o ex-presidente Lula?

Há duas questões aí: quem será diretamente beneficiado e quem pode ser indiretamente beneficiado. Serão diretamente beneficiados os corréus das ações contra o ex-presidente que forem anuladas, e quais dessas serão depende do esclarecimento da decisão pelo STF, como expliquei. No caso do triplex, dois outros réus foram condenados e, no do sítio, outros dez. Se for anulada a ação penal do Instituto Lula, há mais sete acusados que serão beneficiados. Podem ser diretamente beneficiados, ainda, réus de outros casos em que foram usadas provas colhidas nas investigações envolvendo o ex-presidente.

A segunda questão é quem pode ser indiretamente beneficiado, isto é, se a suspeição do ex-juiz poderá ou não ser expandida para outros casos sem tais provas e em que o ex-presidente não foi acusado. Acho muito improvável que isso ocorra porque o fundamento da suspeição foi um conjunto de decisões proferidas no caso concreto do ex-presidente que não têm relação com os outros casos, como por exemplo a interceptação telefônica do ex-presidente, a publicidade de áudios interceptados e o levantamento do sigilo da delação de Palocci. Nesse sentido, a ministra Carmen Lúcia frisou várias vezes que seu voto estava calcado em circunstâncias muito particulares do caso e que não estava se manifestando sobre outras situações da operação Lava Jato.

A Lava-Jato pode ter o mesmo destino da operação Castelo de Areia? O senhor teme a anulação?

É impossível que as duas operações tenham o mesmo destino. Enquanto a Castelo de Areia foi natimorta, a ampla legalidade da Lava Jato foi reconhecida diante de milhares de questionamentos em quatro instâncias ao longo de sete anos. Mesmo se considerarmos o revisionismo de hoje, não vejo chances de uma ampla anulação. É fácil alegar supostos excessos genericamente, mas quando se vai analisar cada decisão, verifica-se que está recheada de fatos e de provas e que aplicou a lei de modo coerente entre os diferentes casos e consistente com o entendimento dos tribunais.

Além disso, os efeitos das duas operações são incomparáveis. A Lava Jato rompeu a barreira da impunidade sistêmica brasileira, onde quedou a Castelo de Areia. Corruptos que estavam saqueando o Brasil foram levados à prisão. Centenas de réus foram condenados, bilhões recuperados. Por fim, o que a Lava Jato revelou jamais poderá ser escondido debaixo do tapete. O mecanismo da corrupção revelado ilumina a compreensão não só do Brasil de ontem, mas também daquele de hoje e amanhã, e será assim enquanto mudanças mais profundas não forem feitas para atacar as raízes do problema.

O sr. acha que é possível defender a imparcialidade de Moro e a despolitização da Lava-Jato, se o ex-magistrado condenou Lula e logo em seguida assumiu um cargo no primeiro escalão do governo Bolsonaro, beneficiado pela retirada do petista da disputa?

A ida do ex-juiz para o governo Bolsonaro foi uma decisão pessoal que pode ser questionada por várias razões, mas em nada macula a lisura das investigações e processos conduzidos até aquele momento. Entendo que a saída do ex-juiz para o governo pode levar algum incauto a equivocadamente cogitar a hipótese de que o julgador pudesse ter condenado Lula para afastá-lo da disputa presidencial, favorecendo o candidato Bolsonaro que o convidaria para o governo, mas essa hipótese não resiste à reflexão.

Primeiro, porque a condenação aconteceu em julho de 2017, distante em mais de um ano da disputa presidencial em que o então candidato Bolsonaro era visto como um azarão, ou seja, tinha mínimas chances de vencer. Segundo, não há qualquer indício de que o ex-juiz tenha tratado sobre sua indicação para posições públicas com candidatos à Presidência até a época de sua saída da magistratura. As informações da imprensa dão conta de que os primeiros contatos do ex-juiz com o presidente Bolsonaro ocorreram no fim de 2018. Em terceiro lugar, e aqui está o ponto central, a condenação proferida pelo ex-juiz teve por base os fatos, as provas e a lei.

Esse trabalho foi confirmado por dois tribunais independentes, inclusive por ministros nomeados para o cargo pelo próprio ex-presidente Lula e sua sucessora, o que afasta completamente a hipótese de que haveria uma perseguição política. Quando se percebe que as condenações foram proferidas por diferentes juízes e confirmadas por tribunais independentes, sendo fruto do trabalho de centenas de servidores públicos técnicos, a teoria da perseguição política se revela uma teoria da conspiração sem qualquer base na realidade.

O sr. acha que errou ao trocar mensagens com o ex-juiz Moro?

Se houve um crime de hacekamento, então pode haver mensagens verdadeiras lá, o que não afasta a edição, deturpação ou descontextualização desse material para fazer falsas acusações que não correspondem à realidade. Trocar mensagens com o juiz e com os advogados foi algo que ocorreu muitas vezes, é legal e é próprio de um caso que avançou em ritmo acelerado. Até o ministro Marco Aurélio, o mais garantista do STF, disse recentemente que esse tipo de conversa é normal e defendeu o trabalho da Lava Jato.

Na época da divulgação desse material, vários juristas como ex-ministros, advogados, juízes e o corregedor do CNMP entenderam que não há ali qualquer ilegalidade. Em Direito tudo é sujeito a debate, mas há múltiplos interesses guiando as discussões e é inegável o desejo de alguns de construir narrativas para obter a anulação das condenações, o que não se conseguiu nos processos diante da robustez das provas e legalidade dos trabalhos.

O Globo