Nova “cloroquina” de Bolsonaro também é fake

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Foto: Reprodução

Depois da cloroquina e da ivermectina, o novo remédio em teste contra a Covid-19 que encanta Jair Bolsonaro é a proxalutamida, um bloqueador hormonal desenvolvido na China. O presidente fez questão de mencionar o remédio nas últimas duas lives, transmitidas nos dias 1º e 8. “Um medicamento que é desenvolvido conjuntamente com os Estados Unidos”, disse Bolsonaro na semana passada, assegurando que o Brasil pode ter, “mais cedo ou mais tarde, um remédio eficaz para combater aí a Covid”.

Contudo, embora seja popular nas redes sociais bolsonaristas, a substância não só não tem eficácia comprovada, como o estudo a que Bolsonaro se referiu preocupa pesquisadores envolvidos no combate ao coronavírus. Se as informações estiverem corretas, há o risco de os organizadores terem deixado uma quantia expressiva de voluntários morrerem desnecessariamente ao longo do trabalho. A menos que os dados estejam errados ou imprecisos. Nesse caso, estariam caracterizadas suspeitas de falhas graves e possíveis fraudes, que os responsáveis pelo estudo negam.

Parte dos resultados foi apresentada em uma entrevista coletiva transmitida pela internet no último dia 11 de março e conduzida pelo médico Luis Alberto Nicolau, dono do grupo de hospitais Samel, do Amazonas, que forneceu infraestrutura e funcionários para a parte brasileira do estudo e dividiu os custos com a empresa de biotecnologia americana Applied Biology, especializada em medicamentos para pele e cabelo.

Ao seu lado estava o pesquisador-chefe, o endocrinologista Flávio Cadegiani, diretor clínico da Applied. Ele é o idealizador do TrateCov, polêmica plataforma do governo federal que indicava o uso de remédios sem eficácia contra a Covid-19.

Na live de ontem, o presidente questionou voltou a mencionar a proxalutamida e só ouviu elogios da droga vindos do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, presente na live, o que esperar da droga e só ouviu elogios. Angotti, adepto do olavismo, é próximo de Cadegiani, segundo fontes ouvdas pela coluna. O pesquisador confirmou à reportagem que mantém conversas frequentes com o secretário, mas frisou que o diálogo se restringe a questões científicas.

Angotti definiu a proxalutamida como uma droga “promissora”, repetiu os dados apresentados pelos pesquisadores em uma apresentação de slides pela imprensa e enfatizou que o remédio seria capaz de reduzir o tempo de internação, sem sinalizar qualquer viés crítico aos lapsos observados no trabalho. O secretário também revelou que os responsáveis pelo ensaio solicitaram ao Conselho Nacional de Ética (Conep) a realização de mais um estudo no país envolvendo a proxalutamida, sem prover mais detalhes.

Os números mostrados na coletiva de março são os únicos conhecidos do estudo, que foi registrado no Conep em 28 de janeiro. Representantes do grupo se reuniram ontem com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar o processo de registro da proxalutamida e a Fiocruz foi chamada para avaliar os números do ensaio, mas ainda não entregaram nenhum dado à agência. A reunião foi mencionada por Angotti durante a live de Bolsonaro.

Na entrevista transmitida pela internet, um dos slides dizia que, dos 590 voluntários, 294 receberam a substância e 296, um placebo. Teriam ocorrido 12 mortes entre os que tomaram o remédio e 141 óbitos entre os que não tomaram. A diferença entre a quantidade de mortes demonstraria uma eficácia de 92,2% para a proxalutamida.

Embora pareça um resultado extraordinário, esse dado é justamente o que mais preocupa os pesquisadores consultados pela equipe da coluna. Um deles é Mauro Schechter, infectologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro que já conduziu estudos clínicos envolvendo o vírus HIV.

Para ele, considerando que o estudo se propôs a testar a proxalutamida apenas em pacientes leves e moderados, a taxa de mortalidade de 47,5% é muito alta – próxima da registrada em 2020 no Amazonas para pacientes de UTIs no início de 2020, e bem maior do que a média brasileira em grandes cidades e hospitais de referência, de 30%.

Nesse contexto, Schechter afirma que o estudo teria que ter sido interrompido assim que as mortes começaram a se avolumar. “Com essa taxa de eficácia, com 40 participantes eu já teria 10 mortes no grupo placebo e apenas uma entre os pacientes que tomaram o remédio. Então para que continuar até os quase 600 voluntários e esperar que morressem quase 150 pessoas?”

O infectologista alerta para outro detalhe fundamental: o fato de o estudo ser duplo-cego (quando nem o voluntário e nem os examinadores sabem quem está tomando remédio e quem está tomando placebo). “Nesse caso, poderia ser a droga matando os voluntários. Qualquer pessoa com neurônios mandaria interromper. Poderia, também, passar a dar a droga em teste para o grupo que estava tomando placebo. Não fazer nada é criminoso e não faz sentido.”

Outra questão que suscita desconfiança é o fato de que, segundo o prospecto, registrado na plataforma do governo americano clinicaltrials.gov, os dados dos voluntários foram coletados entre 2 de fevereiro e 22 de março, prazo extraordinariamente rápido.

Pelo critérios normalmente utilizados em estudos desse tipo, para encontrar 590 voluntários, seria necessário entrevistar e escrutinar o dobro ou o triplo de pacientes, até formar um grupo que atendesse aos critérios de inclusão e aceitasse participar do ensaio.

Depois disso, os pacientes tem de ser monitorados por pessoas com especialização sólida na área do estudo, que redigem minuciosos relatórios diários. Ensaios clínicos com grupos bem menores que seguem essas regras chegam a demorar quase um ano. O prospecto previa encerrar a coleta em 27 de abril e a entrevista coletiva foi feita já em 11 de março.

Por isso, pesquisadores como Jose Galluci Neto, médico-assistente que atua no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, dizem que o prazo do estudo é inexequível. “É impossível”, resume Gallucci. “Não é um prazo nem um pouco razoável”.

Na entrevista coletiva, o próprio Cadegiani reconheceu que os resultados apresentados eram fora do comum. “Como pesquisador, nunca vi nada parecido no mundo.” Embora já tenha integrado outros estudos clínicos envolvendo bloqueadores hormonais, nem ele nem os demais autores nunca publicaram trabalhos em revistas científicas de renome.

Nesta semana, ao ser questionado sobre os dados apresentados, Cadegiani entrou em contradição.

Primeiro, disse que não havia como interromper o estudo em razão dos óbitos dos voluntários porque os pacientes morreram num prazo de tempo muito curto. Ele afirma que, quando foi constatada a alta taxa de mortalidade, a fase de coleta de dados já estava praticamente encerrada. “Nós observamos mesmo (o aumento nas mortes) no início de março. Foi bem gritante”, explica Cadegiani, que alega ainda ter havido uma defasagem de até dois dias na compilação dos dados de diferentes centros no Amazonas, feita por WhatsApp. “Mas foi tudo muito rápido”.

Ainda assim, o pesquisador-chefe da proxalutamida diz não considerar o prazo curto um problema. Pelo contrário. “Ter feito rápido foi crucial”, afirmou. “Se não, você teria que parar por uma diferença de eficácia, e na hora de publicar, as publicações científicas considerariam o estudo underpowered (sem o devido peso estatístico). Melhor comprovar a molécula de uma vez para poder ter um resultado e salvar mais vidas depois.”

Surpreendentemente, quando perguntamos se ele não vislumbrou o risco a própria proxalutamida estar provocando as mortes dos voluntários, já que o estudo era duplo-cego, Cadegiani admitiu saber quem estava tomando o remédio e quem estava tomando placebo – o que viola protocolos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde.

E usou o fato de saber que os mortos estavam no grupo placebo para justificar por que não parou a pesquisa. “No placebo estava morrendo muito mais, mas se você interrompe o estudo, não pode usar (a droga) porque não é aprovada. É um paradoxo que ninguém consegue me responder como cientista”, justificou o endocrinologista.

Gallucci, da USP, afirma o argumento de Cadegiani não se sustenta. “Isso não justifica. Era necessário parar o estudo para avaliar os dados. Primeiro é preciso saber quem está recebendo o quê. Além disso, existem formas de conseguir autorização especial para usar uma droga não aprovada às autoridades brasileiras. Mas, mesmo que ele não pudesse dar a droga, não justifica não ter aberto o estudo”, disse o pesquisador.

Cadegiani alega que o recrutamento dos voluntários foi rápido porque houve uma grande adesão dos familiares, que teriam observado a melhora dos pacientes que tomaram o remédio. Por isso, teriam conseguido recrutar, por exemplo, mais de 100 pessoas em Parintins, na divisa com o Pará. O pesquisador-chefe afirmou ainda que entrevistou 700 pessoas para chegar aos 590 voluntários. Segundo ele, cerca de 110 pacientes foram descartados por não se encaixarem no estudo.

O episódio demonstra lacunas regulatórias e legais que abrem margem para problemas envolvendo a segurança dos voluntários e a preservação da ética em pesquisas. Pelas regras do Conep, os pesquisadores são obrigados a reportar efeitos adversos e a fazer relatórios a cada seis meses, bem como um balanço ao final do estudo.

Como o ensaio da proxalutamida foi projetado para ser feito em menos de quatro meses, nenhum relatório foi feito. Se constatadas irregularidades que tenham causado dano aos pacientes, o conselho pode solicitar ao Ministério Público a abertura de inquérito, mas não pode punir os pesquisadores.

O pesquisador-chefe diz que as supostas imperfeições serão explicadas e detalhadas no estudo e pede aos críticos que aguardem até a publicação do trabalho. Pela regulamentação do Ministério da Saúde, cada estudo clínico também tem que ter um comitê de ética independente que, em tese, fiscaliza e corrige eventuais falhas.

No caso da proxalutamida, Cadegiani afirma que o comitê de ética é uma empresa especializada nesse tipo de verificação, a Azidus. Embora isso não seja irregular, fontes ouvidas pela coluna afirmam que é comum que essas firmas apenas referendem os estudos de quem as paga. Por ser duplo-cego, o estudo também deveria ter sido acompanhado por um comitê externo independente de pesquisadores para monitorar a segurança e a eficácia da droga, mas não está claro se o grupo chegou a ser formado. Procurado, o Conep não se posicionou sobre o estudo da proxalutamida.

Na reunião que fizeram ontem com a Anvisa, os representantes do grupo Samel e do grupo chinês Kintor, que produz a substância, se fizeram acompanhar pelo vice-presidente de Produção e Inovação da Fundação Oswaldo Cruz, Marco Krieger.

O papel da Fiocruz, segundo Krieger, será avaliar os dados do estudo para verificar se o remédio é de fato promissor. Como se vê, não faltarão detalhes e lacunas a serem explicadas.

O Globo 

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