Blogueiras “cristãs” enriquecem com surto carola no país

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Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Todos os dias, às 8h, a influenciadora digital Franciele Vasconcelos, de 26 anos, faz uma live no Instagram para ler trechos da Bíblia para as seguidoras. Logo depois, ela inicia uma rotina movimentada de visitas e divulgações de produtos, em lojas que fazem roupas exclusivas para mulheres evangélicas. A jovem chega a comparecer, diariamente, a até três estabelecimentos comerciais desse segmento e está com a agenda cheia, com um mês de antecedência.

Franciele é uma das inúmeras meninas e mulheres que surgem de dentro das igrejas do Brasil, com as mais diferentes doutrinas evangélicas, e que se lançam na carreira de blogueiras de moda cristã. Essa é uma tendência em ascensão no país, que vive o aumento da parcela de evangélicos na população e o fortalecimento de um nicho de consumo que já movimenta bilhões por ano.

Apesar dos nomes variados (moda evangélica, moda cristã ou moda modesta), o que elas vendem para as seguidoras segue características comuns: saias e vestidos de diferentes cores, tecidos, com algumas variações na modelagem, mas com comprimento quase sempre abaixo dos joelhos e com pouco ou nada de decote. Ou seja, a chamada moda comportada, que atende às regras mais conservadoras das igrejas.

O que antes ficava no âmbito comportamental tornou-se um segmento econômico rentável e em crescimento. Em Goiânia, considerada uma cidade-polo de confecção e vestuário, existem lojas especializadas que fabricam e vendem, exclusivamente, “saias evangélicas”. É o único tipo de produto. Esses estabelecimentos vendem no atacado para todo o Brasil, amparados pela divulgação e visibilidade das blogueiras.

“A mulher evangélica consome muito. Ela sempre quer estar bem vestida. A gente vai para o culto e parece que a gente vai para o Oscar. Eu acredito que, se a gente se veste bem e da melhor forma para estar em qualquer ambiente, o que dirá para Deus. A gente tem que estar o mais apresentável possível, pois você está entregando o seu melhor para Deus”, diz Franciele Vasconcelos, que tem 50,9 mil seguidores no Instagram.

Franciele é natural de Piracicaba (SP) e vive em Goiânia (GO) com o marido. Após seis anos trabalhando como criadora de conteúdo digital, até um curso ela idealizou, para ensinar jovens a se tornarem influencers. A maioria do público é formado por meninas evangélicas. No início, ela chegou a participar do concurso promovido por uma marca de São Paulo, focado em encontrar novos rostos da igreja para divulgar os produtos Brasil afora.

São cerca de dois meses de competição on-line e presencial, na loja da marca. As meninas precisam passar por diferentes testes e desafios, como composições de look para inverno e verão, entrevistas, apresentação e outras atividades criativas. A disputa já se tornou tradicional entre as blogueiras cristãs, e atrai meninas do país todo.

“Ganhando ou não, tem toda uma visibilidade. Concursos desse tipo ajudaram bastante a aumentar o número de blogueiras evangélicas”, conta a influencer Deborah David, de Brasília, que já participou do concurso, e, há três anos, decidiu investir e ampliar as atividades do perfil pessoal que ela mantinha no Instagram.

Hoje, existe não só uma legião de blogueiras evangélicas, como há também segmentos dentro desse nicho. Religiosas que professam a doutrina da Congregação Cristã no Brasil (CCB), por exemplo, fazem questão de mencionar isso no perfil. Elas colocam sempre a sigla CCB na descrição e usam o sentido de “moda modesta” para definir o estilo de vestuário cristão que vestem e divulgam.

Uma das maiores blogueiras evangélicas do Brasil hoje, e que é referência para aquelas que estão começando, é Paola Santana, que tem 666 mil seguidores no Instagram e quase 250 mil no Facebook. Ela lançou uma marca própria de moda evangélica.

Procurada por lojistas e marcas de todo o país, para fechar parcerias e trabalhos, ela vive com a agenda lotada. Um “provador” dela, que é aquele formato de conteúdo digital baseado em uma série de Stories no Instagram ou um vídeo único divulgando looks de determinada loja ou marca, não sai por menos de R$ 2 mil, segundo empresários ouvidos pela reportagem.

Paola mora no interior de São Paulo, assim como várias outras blogueiras evangélicas em ascensão. A região é considerada o principal polo de mercado e crescimento das influencers cristãs, a exemplo de Carol Debortoli, que mora em Guarulhos (SP) e tem quase 250 mil seguidores; Rebeca Ferrari, de Piracicaba (SP), com 117 mil; e Renata Castanheiras, com 234 mil, no perfil Crente Chic.

Renata, assim como as demais blogueiras desse segmento, busca desmistificar a ideia de que moda evangélica é cafona, e brinca com isso em suas postagens.

Em Brasília, Deborah David, da Assembleia de Deus, é uma das principais referências, com mais de 71 mil seguidores no Instagram. Já na descrição do perfil, ela cita a moda cristã como o conteúdo principal. No Distrito Federal, segundo ela, ainda existem poucas lojas que produzem e vendem, especificamente, moda evangélica, mas ela faz muitos trabalhos para lojas de São Paulo e Goiânia.

“Por muito tempo, a mulher evangélica teve dificuldade de encontrar roupas que realmente vestissem e não fossem, assim, bregas, cafonas. Antigamente, a moda cristã era brega, de corte reto… Hoje em dia, conseguimos usar roupas da moda, no nosso estilo e com acesso bem mais fácil”, diz ela.

Até o segmento de roupas de ginástica, lembra Deborah, tem se voltado para esse público consumidor e oferece um vestuário mais discreto e alternativo, para não evidenciar muito as curvas do corpo feminino. O uso de saias por cima da calça legging e malhar dentro das regras da igreja, por exemplo, são hábitos que têm se tornado cada vez mais frequentes.

 

Por meio do uso de hashtags, como #modacristã, #evangelicasnamoda e #modaevangelica, as blogueiras dizem perceber o aumento de seguidores e a presença de um público cada vez maior que acompanha conteúdos do tipo. Só a hashtag #modaevangelica tem mais de 4,1 milhões de postagens no Instagram. Na verdade, o Brasil como um todo, nas últimas décadas, registrou aumento do percentual da população evangélica.

Em 2000, conforme o Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia cerca de 26,2 milhões de evangélicos no Brasil, que correspondiam a 15,4% da população. Dez anos depois, em 2010, a parcela evangélica subiu para 22,2%, com um total de 42,3 milhões.

A estimativa é que o próximo Censo, que deve ocorrer, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2022, aponte um índice ainda maior. No ano passado, estudo do Instituto Datafolha divulgou que 31% da população brasileira era evangélica, com projeção de aumento nos próximos anos.

Se o público cresce, também se amplificam o nicho e a demanda por consumo de produtos segmentados. Trata-se de um cenário em expansão e que justifica o aumento de blogueiras e lojas com itens feitos, especificamente, para atender o nicho evangélico.

O look do culto, agora, é sinônimo de conteúdo digital.

Metrópoles