Brasileiros estão comendo menos carne do que nunca

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Foto: Mateus Bonomi/AGIF/AFP

A droga mais mencionada na CPI da pandemia, a cloroquina, é também líder mundial de pesquisas clínicas sobre Covid-19. Só que, diferentemente de como tem sido tratada no inquérito de senadores, na academia o entendimento científico é de que o fármaco não funciona para a doença causada pelo novo coronavírus —e pode até piorar o quadro dos pacientes.

Entre os pesquisadores, há uma base parruda que apoia o consenso acadêmico: mais de 2.500 artigos científicos devidamente revisados e publicados sobre cloroquina no âmbito da Covid-19 no mundo. Esses trabalhos têm vindo à tona desde janeiro do ano passado.

Trocando em miúdos, há um novo resultado científico sobre cloroquina a cada seis horas.

A droga é, também, a mais testada em pesquisas com humanos para tratamento de Covid-19. Desde janeiro do ano passado, há registro de 268 investigações com cloroquina para Covid-19 em 55 países (incluindo o Brasil). São pesquisas que estudam o reposicionamento de drogas já existentes no mercado para outras doenças —caso da cloroquina, usada no tratamento da malária.

O Brasil está entre os dez países que mais têm publicado trabalhos científicos sobre o tema. É, ainda, o quarto país com mais testes em humanos de cloroquina para Covid-19, depois de EUA, França e Egito.

Amplamente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao longo de 2020 como tratamento precoce para a Covid-19, a droga tem sido um dos principais alvos da CPI da pandemia — que já chegou a ser chamada de “CPI da cloroquina”.

Somente nas duas audiências da comissão parlamentar com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, nesta semana, a droga foi mencionada 140 vezes —por ele e por senadores.

A questão é que o uso de cloroquina no SUS foi recomendado oficialmente pelo Ministério da Saúde após o general Pazuello assumir interinamente o comando da pasta, em maio de 2020. E, com toda a ciência já publicada sobre a droga, não havia evidência científica para basear as recomendações.

Por meio de nota informativa, o Ministério da Saúde indicava cloroquina ou seu derivado (a hidroxicloroquina) associada ao antibiótico azitromicina para pacientes leves, moderados e graves de Covid-19.

A nota foi atualizada em junho para incluir a prescrição do medicamento para crianças e grávidas —na mesma época em que a FDA (agência que regula medicamentos nos Estados Unidos) revogou a autorização de uso emergencial do medicamento para tratar Covid-19 nos EUA.

Válidas por quase um ano, as orientações foram retiradas do site do Ministério da Saúde em maio —uma semana antes de Pazuello ser ouvido pelos senadores.

Na primeira audiência da CPI com Pazuello, na quarta-feira (19), o general disse que nunca recebeu ordens específicas de Bolsonaro nem mesmo a respeito da cloroquina. “Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada”, respondeu a Renan Calheiros (MDB-AL). No dia seguinte, o ex-ministro disse que não comprou “nenhum comprimido de hidroxicloroquina.”

Central na CPI da pandemia, a cloroquina vem perdendo fôlego na academia. A droga teve um pico de estudos clínicos em abril do ano passado, quando 110 novas pesquisas de cloroquina em humanos foram registradas no mundo. Isso foi logo depois da declaração promissora de Donald Trump, ex-presidente dos EUA, sobre a droga para Covid-19.

Para se ter uma ideia, neste ano, até agora, somente nove pesquisas novas com cloroquina em humanos foram registradas em países como Egito, Índia, México e Brasil.

“Não era nem para ter começado novas pesquisas sobre cloroquina”, avalia a microbiologista Natália Pasternak, pesquisadora da USP e presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência). “Ciência não é democracia, a gente não vota pra ver se um fármaco funciona ou não. A gente testa.”

Os EUA, líder mundial em pesquisas sobre Covid-19, jogaram de vez a toalha. Responsável por 58 pesquisas clínicas com a cloroquina para a doença causada pelo novo coronavírus, o país não registrou nenhum novo experimento com a droga para Covid-19 com início neste ano.

Dentre as 268 pesquisas clínicas com cloroquina para Covid-19 já registradas mundialmente, no entanto, metade dos trabalhos ainda segue em andamento (alguns ainda recrutando pacientes). A outra metade foi concluída ou interrompida.

As informações sobre as pesquisas clínicas estão na base internacional Clinical Trials, que compila dados sobre testes de medicamentos em pacientes globalmente —como local, quantas pessoas serão pesquisadas, duração do experimento e metodologia (exemplo: um grupo recebe a droga e, outro, o placebo, que é uma pílula sem a medicação).

Já os dados sobre artigos científicos publicados são da base internacional Web of Science, a mesma usada nos levantamentos de produção científica do RUF – Ranking Universitário Folha.

E como a ciência sabe que é hora de parar de investigar uma hipótese —como o uso de cloroquina no tratamento de Covid-19?

“Não existia uma probabilidade razoável que justificasse a realização desses estudos [de cloroquina para Covid-19]. Então a pergunta não é quando parar, mas, deveriam ter começado?”, questiona o médico Luis Correia, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Para ele, no entanto, mesmo com tantos trabalhos que demonstram que a droga não funciona para Covid-19, as pesquisas devem continuar justamente por não terem sido baseadas em probabilidade. “Existia uma crença que fez com que estudos fossem desenhados. Não vai haver nunca uma evidência que sirva para mostrar aos crentes que a cloroquina não funciona para Covid-19.”

Folha