Queiroga mantém parte dos militares na Saúde

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Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

Após dois meses como titular da pasta, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mantém a maioria dos militares nomeados a cargos de comando da gestão de Eduardo Pazuello, e deu sobrevida a aliados do ex-ministro em postos-chave. A lista inclui quadros da ativa das Forças Armadas que, assim como Pazuello, podem ser convocados a prestar depoimento à CPI da Covid por terem atuado no colapso hospitalar de Manaus, em janeiro, e na orientação do uso de cloroquina em pacientes infectados pelo coronavírus. Nas trocas da atual gestão, em dois casos os novos nomeados também são militares.

No total, dos 30 militares que exerciam as funções de maior remuneração — entre R$ 6 mil e R$ 17 mil mensais, em valores brutos — no Ministério da Saúde na gestão Pazuello, 20 seguem ocupando cargos altos na gestão Queiroga. O enxugamento, de 33%, expõe a continuidade da militarização da pasta, alvo de investigações na CPI da Covid. Após gerar preocupação na cúpula do Exército antes de depor na CPI, por conta dos temores de vincular as Forças Armadas ao fracasso do governo Bolsonaro na pandemia, Pazuello desagradou generais da ativa ao participar de um ato político com o presidente no Rio, no último domingo. O ex-ministro deve ser reconvocado à CPI, abrindo novo flanco para que a imagem do Exército fique em xeque na comissão. Por conta de contradições e imprecisões no depoimento de Queiroga, senadores também avaliam um novo depoimento do atual ministro.

Cerca de duas semanas após Queiroga tomar posse, no fim de março, o Comando do Exército prorrogou a cessão ao Ministério da Saúde, por 60 dias, do tenente-coronel Alex Lial Marinho, coordenador-geral de logística de insumos; da tenente-médica Laura Tiriba Appi, diretora de programa da secretaria de Atenção Primária; e do tenente Vagner Luiz da Silva Rangel, coordenador de execução orçamentária.

Marinho foi o destinatário de emails enviados ao Ministério da Saúde pela White Martins, fornecedora de oxigênio do Amazonas, em meio ao colapso hospitalar em Manaus em janeiro. O tenente-coronel é alvo de um requerimento de convocação à CPI, de autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), para prestar depoimento sobre a “demora da resposta na crise de oxigênio” na capital amazonense, além da “troca de lotes de vacinas entre este estado e Macapá”. O requerimento pode ser analisado nesta quarta-feira.

Laura Appi também foi citada em requerimento do senador Otto Alencar, que pedia sua convocação justificando que sua área de atuação “é considerada porta de entrada do SUS, sendo responsável por todas as diretrizes para o enfrentamento da COVID junto ao Sistema Único de Saúde”. O próprio senador, no entanto, retirou o requerimento.

A tenente-médica foi nomeada no dia 18 de maio de 2020, logo após Pazuello assumir interinamente o Ministério da Saúde. Ela é creditada como uma das responsáveis por “elaboração e revisão técnica” da nota informativa nº 17, publicada em agosto, na qual a pasta inclui medicamentos ineficazes contra Covid-19, como cloroquina e azitromicina, na orientação do chamado “tratamento precoce” para diversos grupos, incluindo gestantes e crianças. O Ministério da Saúde apagou a nota de seu site no início deste mês.

Segundo a revista “Veja”, Laura acompanhou Pazuello numa de suas primeiras reuniões após assumir o posto do ex-ministro Nelson Teich, na qual o governo ampliou a recomendação de uso cloroquina para formas leves e moderadas da doença — anteriormente, a orientação era que fosse usada apenas em casos graves.

Sob a gestão de Queiroga, deixaram o ministério os militares da ativa Luiz Otavio Franco Duarte, coronel e ex-secretário de Atenção Especializada; o coronel Cezar Schwab Rodrigues, subsecretário de assuntos administrativos; o tenente-coronel Marcelo Batista Costa, coordenador orçamentário; e o capitão Mario Luiz Ricette Costa, coordenador de Atenção Hospitalar e Domiciliar.

Investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas por conta do colapso hospitalar em Manaus, Franco Duarte chegou a ser deslocado para a diretoria de programas após Queiroga tomar posse, mas foi exonerado em definitivo três dias depois, em 12 de abril. Seu substituto foi o ortopedista Sergio Yoshimasa Okane, que atuava no Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo. Já no caso do coronel Cezar Schwab, o cargo foi entregue ao coronel da reserva do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, Luiz Tadeu Villela Blumm.

Além dos militares da ativa, Queiroga manteve aliados de Pazuello da reserva, como o capitão Paulo César Ferreira Jr., ex-chefe de gabinete, que foi deslocado para a diretoria de programas do ministério na nova gestão. Ferreira atuou com Pazuello na intervenção federal em Roraima, em 2018.

Outro ex-companheiro de farda de Pazuello que ganhou cargo na gestão Queiroga foi o capitão Quintanilha da Silva, que participou da Operação Acolhida, de apoio à chegada de imigrantes venezuelanos. A operação foi chefiada por Pazuello até março de 2020. Quintanilha foi nomeado por Queiroga coordenador do Distrito Sanitário Indígena do Xingu, substituindo o também militar da reserva Marcos de Carvalho.

Dos 15 militares da reserva nomeados na gestão de Pazuello, apenas quatro foram exonerados por Queiroga. Numa das trocas, o coronel-médico Roberto Bentes Batista deixou a diretoria de Engenharia de Saúde Pública da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) para que o novo ministro nomeasse Jonas Moura de Araújo, ex-prefeito de Água Branca (PI) e aliado do senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do centrão. Já a presidência da Funasa segue ocupada, desde o início da gestão Pazuello, por um coronel da ativa da Polícia Militar de Minas Gerais (PM-MG), Giovanne Gomes da Silva, que era o comandante-geral da corporação antes de assumir o posto federal.

Além dos militares, Queiroga também manteve na pasta o médico olavista Hélio Angotti Neto, secretário de Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos. Angotti é considerado um dos “bolsonaristas raiz” do ministério, ao lado da secretária de Gestão do Trabalho e Ensino em Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina” por sua defesa do medicamento. Mayra Pinheiro prestará depoimento à CPI nesta terça, enquanto Angotti deve falar à comissão na próxima semana.

O Globo