Decano do Supremo acha que Tribunal não deve interferir no governo
Foto: Eraldo Peres/AP
Em 31 anos de atuação no Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Mello se acostumou a ser uma voz dissonante na corte, a ponto de ter ganhado no meio jurídico o apelido de “senhor voto vencido”. Foi assim quando ele tomou posição contra o inquérito das fake news, ou quando ficou sozinho defendendo a redução das decisões monocráticas na corte. Às vésperas de se aposentar – ele deixa o cargo no próximo dia 5 de julho -, Marco Aurélio deu entrevista para o A Malu Tá ON. E como de hábito, foi contra a maré.
O decano do Supremo disse considerar que os ataques recentes de lideranças do governo à suprema corte são “arroubos retóricos”. O que mais incomoda Marco Aurélio é o papel que o tribunal vem exercendo na vida nacional.
“O Supremo está sendo acionado por pequenos partidos, que não figuram no Congresso Nacional como deveriam figurar, visando a fustigar o presidente da República. Daí a necessidade de o Supremo perceber essa manobra, que não é uma manobra sadia. E observar acima de tudo a autocontenção, não invadir esfera que não é a própria dele, o Supremo.”
Para o ministro, é possível chegar a um “entendimento” com Jair Bolsonaro, “desde que haja o abandono de paixões”. Ainda assim, ele critica a ida de Eduardo Pazuello a um ato político de apoio ao presidente. “Nós aprendemos sempre que disciplina e hierarquia são fundamentais nas forças. E que um militar não pode estar envolvido em política”, diz. “Isso não se coaduna com a atuação de um militar.”
Sem fugir de questões difíceis, Marco Aurélio falou sobre as vaidades na corte, conflitos de interesse e antigas mágoas dos colegas.
Se exaltou ao comentar o adiamento de uma das últimas decisões que irá proferir nos próximos dias, sobre a suspeição do juiz Sergio Moro: “Nunca engavetei processo, nunca pedi vista de processos [para engavetá-los]”, disse. “Eu estava pronto para votar, tanto que devolvi o processo na sessão imediata à que pedi vista.”
E, aproveitando, “antecipou voto” sobre um assunto que ainda vai entrar na pauta do Supremo (e que ele certamente já não julgará) : as mensagens obtidas ilegalmente por hackers no caso Vaza Jato.
Apesar de reconhecer que é um “um soldado que marcha contra a tropa”, Marco Aurélio rejeita o rótulo de rebelde. “O que é ser rebelde? É ser autêntico? Nunca ocupei cadeira voltada a relações públicas e reconheço que detenho espírito irrequieto”, disse. “Se com o meu voto, o teto tiver que cair sobre a minha cabeça, vai cair. Atuo com absoluta independência segundo minha ciência e consciência.”
O podcast A Malu tá ON está disponível toda sexta-feira, a partir de 12h, na página de Podcast do GLOBO, no Spotify, no Globoplay, no Apple Podcasts, na Amazon Music, no Google Podcasts, no Deezer, ou em qualquer outro agregador de podcasts.
Nos episódios anteriores do programa, foram ouvidos Rita Lobo, o governador de São Paulo, João Doria, o cineasta José Padilha, o senador e relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes e o infectologista Marcus Lacerda.