Entenda investigação contra Ricardo Salles
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia autorizou a instauração de um inquérito para investigar o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) sob acusação de crimes como advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
A apuração pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) surgiu a partir de uma investigação da Polícia Federal (Operação Handroanthus) que levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas, segundo o STF.
Essa madeira apreendida na divisa do Pará com o Amazonas no fim de 2020 foi avaliada em R$ 129 milhões.
A investigação contra Salles, que não é a mesma que levou a buscas e apreensões em endereços ligados ao ministro em maio deste ano, levou o presidente Jair Bolsonaro a demitir o delegado Alexandre Saraiva do cargo de superintendente da PF no Amazonas.
Salles classificou a investigação de infundada. Entenda abaixo como o ministro foi arrastado para a apuração da PF depois que ele tentou, segundo os investigadores, interferir no caso para proteger extração ilegal de madeira.
Em 14 de abril de 2021, a Superintendência da Polícia Federal no AM enviou ao STF e à PGR uma notícia-crime com acusações contra Ricardo Salles, o senador Telmário Mota (Pros-RR) e o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Mota acabou liberado por falta de provas, mas não está clara ainda qual é a situação de Bim.
Em entrevista à BBC News Brasil em abril deste ano, o delegado Alexandre Saraiva disse ter encontrado evidências de que Salles e Mota tentaram prejudicar as investigações daquela que foi a maior apreensão de madeira da história da PF na Amazônia.
Salles fez críticas à operação e visitou a área entre os Estados do Pará e Amazonas, onde se reuniu com madeireiros e demonstrou acreditar na legalidade da madeira apreendida e na inocência dos acusados.
Mas as principais evidências contra Salles, segundo Saraiva, surgiram depois de analisar documentos recebidos de madeireiros alvos da Operação Handroanthus. A intenção deles era provar que a maior apreensão de madeira feita até hoje pela PF era, na verdade, legal. “Mas o que encontramos foram fraudes muito claras e muito graves”, disse o delegado.
Além disso, a PF viu tentativa de interferência de Salles porque o ministro do Meio Ambiente “sem ter qualquer poder de gerência sob a Polícia Federal, ‘deu um prazo de uma semana para que os peritos apresentem os laudos em relação à documentação’, desconsiderando a complexidade da atividade, como se tivesse expertise sobre a atuação de um perito criminal federal”.
O presidente do Ibama foi acusado pela PF por medida parecida. Segundo a notícia-crime dos investigadores, Bim solicitou o “envio das peças de informação, incluídos os documentos técnicos/periciais, que embasaram a operação e as apreensões’ da Operação Handroanthus”.
Para a PGR, esse tipo de medida adotada por Salles e Bim em tese pode constituir prática de crimes como advocacia administrativa, que consiste em “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.
Em sua explicação oficial, Salles afirma que se reuniu com madeireiros de Santa Catarina que atuam na região amazônica a pedido de dois políticos bolsonaristas, o senador Jorginho Mello (PL-SC) e a deputada federal Caroline de Toni (PSL-SC).
Segundo o ministro, os empresários catarinenses afirmaram que parte da produção madeireira deles estava apreendida há mais de 100 dias sem possibilidade de defesa e que, na opinião deles, Saraiva estava “procrastinando o andamento do feito propositalmente, com vistas a deliberadamente prejudicar todo o setor madeireiro local”.
A PGR afirma que Salles não deu explicações sobre as acusações da PF de interferência na investigação nem sobre as defesas públicas que ele fez dos madeireiros antes da conclusão do inquérito da PF. Para o Ministério Público, o ministro deve explicações também sobre esses dois pontos.
A ministra Cármen Lúcia, que não trata do mérito da investigação em sua decisão, determinou que a apuração seja concluída nos próximos 30 dias. Segundo a PGR, os próximos passos do processo envolvem os depoimentos de agentes do Ibama e da PF, dos madeireiros e de Salles, além da análise dos documentos reunidos.
Em 19/05, a Polícia Federal deflagrou em três Estados a Operação Akuanduba, que teve como alvo Ricardo Salles, empresários do ramo madeireiro e servidores públicos, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim.
A operação foi autorizada por outro ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A PF apura suspeitas de exportação ilegal de madeira. A investigação apura desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando.
Segundo a PF, ela começou a partir de denúncias feitas por autoridades dos Estados Unidos sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”.
A decisão de Moraes diz que “os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles; além de servidores públicos e de pessoas jurídicas”.
Salles classificou esta operação da PF de “exagerada e desnecessária”.
Ao autorizar a deflagração da operação, Moraes também suspendeu um despacho do Ibama (7036900/2020), de fevereiro de 2020, que autorizava a exportação de produtos florestais sem emissão de uma autorização mais rigorosa.
Segundo a notícia-crime apresentada ainda no ano passado contra Salles e arquivada em outubro (medida revertida por Moraes), esse despacho do Ibama teria “legalizado milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020, sem as respectivas documentações”.
O despacho em questão foi publicado pelo Ibama 20 dias depois de ser provocado por duas entidades do setor madeireiro: Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex) e pela Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), que atua no Pará e em Rondônia.
Em seus pedidos ao Ibama, o setor madeireiro defendia que mudanças feitas no processo de autorização de exportação havia criado redundâncias e caducado parte das normas. O órgão ambiental concordou e revogou, no despacho 7036900/2020, parte das exigências previstas na lei que visam garantir que a madeira exportada tenha origem legal.
Para o Instituto Socioambiental, o Greenpeace e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que foram ao STF contra essa mudança na norma, o despacho do Ibama acabou facilitando exportação de madeira extraída de forma ilegal porque a mudança afetou “a única formalidade que garante controle próximo e eficaz do Ibama da madeira exportada”.
Na decisão publicada nesta quarta pelo Supremo, é citada a conhecida fala de Salles na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o ministro disse que o foco da imprensa na pandemia de covid-19 permitiria “passar a boiada mudando todo o regramento”, particularmente via pareceres do ministério.
“Esse referido modus operandi (‘parecer, caneta’) teria sido aplicado na questão das exportações ilícitas de produtos florestais”, aponta a decisão.