Ex-secretário de Pazuello irrita senadores com informação falsa

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Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

O ex-secretário estadual de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, ter procurado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello antes do estopim do colapso sanitário em Manaus, no começo do ano —quando pessoas morreram nos hospitais sem acesso a oxigênio.

Campêlo também buscou minimizar a gravidade da crise e afirmou que, na rede pública de saúde, a “intermitência de oxigênio” teria durado apenas dois dias: 14 e 15 de janeiro, o que não é verdade, conforme mostra o UOL. A declaração gerou irritação entre os senadores da comissão.

Indagado pelos parlamentares sobre as mortes que ocorreram fora do período mencionado, sendo estas provocadas pela falta de oxigênio medicinal ou insumos hospitalares básicos, o depoente respondeu à CPI que “não há registro”.

Na versão do ex-secretário, a oferta de oxigênio foi comprometida no estado por uma questão de mercado, isto é, a demanda acabou por superar em demasia o estoque disponível para comercialização. A empresa fornecedora, White Martins, atendia não só os hospitais e unidades da rede pública, mas também da rede privada.

“Uma coisa é faltar oxigênio na rede de saúde hospitalar. Outra é o paciente que está tratando em casa porque não tem vaga no hospital, tenta comprar o cilindro de oxigênio na rua e ele não existir”, declarou Campêlo.

Segundo Campêlo, Pazuello —então ministro da Saúde— foi informado, logo na primeira reunião entre os dois, que o Amazonas enfrentava dificuldades logísticas em relação à entrega de oxigênio. O encontro se deu antes do estopim da crise, em meados de janeiro, de acordo com a narrativa do depoente.

“Fiz uma ligação ao ministro Pazuello no dia 7 de janeiro por telefone explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém a Manaus, a pedido da White Martins. A partir daí, fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico”, disse Campêlo hoje.

“Não houve resposta, que eu saiba”, emendou.

Outros ofícios foram encaminhados ao ministério e a Pazuello nos dias 9, 11, 12 e 13 de janeiro com pedidos de apoio logístico. Dias depois, o estado sofreria com a falta de leitos para pacientes com covid-19 e o desabastecimento de insumos básicos. Pessoas morreram nos hospitais sem acesso a oxigênio.

À CPI, porém, Pazuello disse que ficou sabendo dos problemas no abastecimento de oxigênio somente na noite de 10 de janeiro.

O ex-ministro buscou se eximir de qualquer culpa ou omissão pela crise no Amazonas, embora tenha sido contestado por senadores. Ele declarou que a responsabilidade de monitoramento do estoque de oxigênio não era o foco da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas e que o governo federal atendeu aos pedidos quando solicitado.

Já Mayra Pinheiro, servidora do ministério conhecida como “capitã cloroquina”, disse à comissão que Pazuello teria sido informado do problema dois dias antes, em 8 de janeiro.

Segundo apuração de parte de membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado Federal, há evidências de que o governo federal ignorou sucessivos alertas do governo do Amazonas a respeito da iminência do colapso na rede hospitalar. Essa é uma das linhas de investigação em curso na CPI.

Uma nota publicada no site do governo do Amazonas em 14 de janeiro atribui ao governador Wilson Lima (PSC) —que evitou falar à CPI ao recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal)— a informação de que a demanda por oxigênio no estado “passou a ser cinco vezes maior nos últimos 15 dias” — ou seja, desde 31 de dezembro.

Em 27 de janeiro —12 dias após a data final mencionada pelo ex-secretário— o UOL noticiou uma fala do próprio ex-secretário admitindo que Manaus não havia reduzido a demanda e que ela havia aumentado no interior do estado. A reportagem foi citada na CPI pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Reportagem do UOL mostrou hoje que um documento do governo federal enviado à CPI da Covid, por exemplo, aponta que o Ministério da Saúde sabia da escassez de respiradores no Amazonas um mês antes do colapso.

Campêlo afirmou à CPI ter recebido, em 7 de janeiro, telefonema da White Martins a fim de checar quantos leitos de UTIs e clínicos seriam providenciados a partir da execução do plano de contingência estadual. Na ocasião, a empresa já demonstrava preocupação com o aumento exponencial do consumo.

“Então, nós relatamos que, aproximadamente, teríamos capacidade de implantar mais 150 leitos de UTI e, aproximadamente, 250 leitos clínicos na capital de Manaus. Esse era o plano”, comentou.

“Ele [representante da White Martins] anotou, pediu para que nós não ativássemos mais nenhum leito de UTI até o sinal da empresa fornecedora de que poderia ter segurança para a ampliação do fornecimento de oxigênio. E assim fizemos: demos a ordem de não ativação, de continuarmos com a ampliação dos leitos, mas ativar os leitos somente no momento em que tivéssemos a anuência da empresa com segurança.”

Diante das declarações, Omar Aziz questionou então se o estado havia tomado uma decisão baseada em posicionamento de uma empresa privada —em detrimento das necessidades da rede pública de saúde naquele momento.

O ex-secretário respondeu que, apesar da preocupação manifestada, o governo local continuou a abrir leitos porque a fornecedora providenciaria, em alguns dias, um lote de 52 mil metros cúbicos de oxigênio. Além disso, havia previsão de novas entregas para os dias seguintes.

“Ela [White Martins] afirmou para mim e para a nossa equipe que, a partir do sábado, dia 9 [dois dias depois do telefonema], chegaria a primeira balsa de abastecimento com 52 mil metros cúbicos de oxigênio vinda de Belém e, a partir daquela data, a cada dois dias, chegariam novas balsas, novos carregamentos de oxigênio para dar segurança ao fornecimento da rede.”

Sem criticar a empresa, Campêlo observou que a programação tinha o objetivo de atender toda a estrutura de saúde dependente do fornecimento, tanto na rede pública quanto na privada. Ele não destacou se houve, portanto, uma incompatibilidade entre a demanda do estado e as entregas que haviam até então sido provisionadas pela White Martins.

“Nós, evidentemente, tínhamos acesso aos relatórios mensais de fornecimento e consumo, devido aos pagamentos que fazíamos, em relação à rede estadual; o restante era controlado pela White Martins. Então, quando ela falava que viria uma programação, era uma programação para atender a toda a rede de saúde privada e pública.”

Para o líder do MDB no Senado, eleito pelo Amazonas, Eduardo Braga, “o que houve mesmo foi muita incompetência, muita falta de planejamento e muita falta de compromisso com a população”.

O senador Jorginho Mello (PL-SC) disse que, a seu ver, Campêlo “não esclareceu muita coisa”. Diversos senadores criticaram o fato de o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), ter evitado prestar depoimento à CPI por meio do Supremo Tribunal Federal na semana passada, pois este poderia explicar mais questões relativas à crise vivida pelo estado no início do ano.

Campêlo relatou à CPI que também conversou com a servidora Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”, antes que a crise explodisse em Manaus. Segundo ele, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde deu ênfase ao chamado “tratamento precoce” —termo que o governo federal utiliza para se referir ao estímulo a medicamentos sem eficácia no tratamento dos sintomas do coronavírus.

O incentivo do governo Jair Bolsonaro (sem partido) a remédios como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina é justamente um dos pontos de interesse da CPI.

Segundo Campêlo, o primeiro encontro com Mayra ocorreu em 4 de janeiro deste ano.

À época, Manaus já vivia um cenário de agravamento da pandemia, com escalada da demanda por respiradores e escassez na oferta de oxigênio. Dias depois, a rede de saúde da capital amazonense entraria em colapso.

“Em 4 de janeiro, recebemos a secretária Mayra Pinheiro. Estivemos juntos com o governador e com a presença da imprensa. Vimos uma ênfase da doutora Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce e relatando um novo sistema que poderia ser utilizado e que seria apresentado oportunamente, o TrateCov.”
Marcellus Campêlo, ex-secretário estadual de Saúde do Amazonas

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou haver “crime contra a vida” na ação das pessoas que insistiram no chamado “tratamento precoce”, método ineficaz contra a covid-19, enquanto medidas efetivas, como o isolamento social, foram flexibilizadas ou ficaram em segundo plano. “A ação foi deliberada”, disse Rogério, ao acrescentar que o presidente Bolsonaro é o principal “responsável”.

Na 4ª fase da Operação Sangria, ocorrida em 2 de junho deste ano, a Polícia Federal fez buscas na casa do governador Wilson Lima e prendeu Marcellus Campêlo, então secretário de saúde. Ele foi solto no dia 7 e pediu exoneração do cargo.

A Operação Sangria investiga irregularidades na gestão da pandemia, como na compra de respiradores e na prestação de serviços para o Hospital de Campanha Nilton Lins, além de supostas fraudes em licitações e supostos desvios de verbas públicas que deveriam ser usadas para combater a pandemia.

A quebra dos sigilos telefônico e telemático de Campêlo foi aprovada pela CPI na semana passada.

Uol