Extrema-direita despenca em eleição francesa

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Foto: Christian Hartmann/Reuters

Uma abstenção recorde, de 2 em cada 3 eleitores, marcou neste domingo (20) as eleições regionais da França, onde o voto não é obrigatório. Segundo estimativa do instituto Ipsos para a France TV, a abstenção em nível nacional foi de 66,1% e chegou a 70,8% na região do Grande Leste. O menor índice foi na Córsega, com 44,1%.

“É o mal-estar democrático que se aprofunda”, afirmou à FranceInfo o cientista político Rémi Lefebvre. “É uma abstenção histórica, mais estrutural do que cíclica. A pandemia não a explica”, disse ele.

Segundo levantamento feito pelo serviço noticioso francês, 39% dos não votantes afirmaram não ter ido às urnas porque “estas eleições não vão mudar nada no cotidiano”, 23% disseram estar insatisfeitos com os políticos em geral e 22% afirmaram não ter identificação com nenhum dos candidatos.

Apesar disso, 64% dos franceses se diziam interessados nos resultados desse pleito, de acordo com pesquisa do Ipsos. Isso ocorre porque a votação era considerada uma espécie de termômetro para as eleições presidenciais de abril de 2022, que devem opor o atual presidente francês, Emmanuel Macron, do centrista A República em Marcha (LREM), à ultradireitista Marine Le Pen, do Reunião Nacional (RN).

A aparente contradição entre abstenção e interesse, segundo Lefebvre, reforça que “a única eleição que interessa, ao ponto da histeria, é a presidencial”. O acirramento de ânimos citado por ele se materializou há menos de duas semanas, quando um simpatizante da ultradireita deu um tapa do rosto de Macron.

Antes deste domingo, pesquisas davam ao partido de Le Pen a possibilidade de chegar em primeiro lugar em 6 das 13 regiões, mas o RN obteve a maioria dos votos apenas na região de Provença-Alpes-Côte d’Azur, no sudeste francês. Ainda assim, com 34,8% dos votos, o candidato da ultradireita era seguido de perto pelos Republicanos, com 33,7%.

Em seu discurso, o candidato do RN, Thierry Mariani, transformou a disputa nacional em assunto principal, ao pedir a seus simpatizantes que o ajudem a vencer “o candidato de Macron”.

Embora as eleições regionais tenham temas, interesses e dinâmicas específicas e não possam ser imediatamente traduzidas para a política nacional, no conjunto dos votos foram os Republicanos, partido de centro-direita (mais para a direita que para o centro), que obtiveram a maior parcela dos que se dispuseram a ir votar em todo o país: 27,2%.

A ultradireita do RN ficou com 19,3%, o Partido Socialista e sua frente de centro-esquerda, com 17,6%, os verdes do EELV, com 12,5%, todos à frente do grupo de Macron, que obteve 11,2% dos votos, de acordo com a pesquisa do Ipsos. A França Insubmissa (LFI), classificada entre esquerda e ultraesquerda, foi a escolha de 4,2% dos que foram votar.

Analistas consideraram o desempenho do LREM um luminoso sinal amarelo para Emmanuel Macron, já que membros de seu governo se envolveram nas eleições. Candidato, o ministro encarregado das relações com o Parlamento, Marc Fesneau, terminou em quarto lugar, com 15,5%, na região do Centro-Vale do Loire.

O resultado foi descrito como um “tapa na cara democrático” por uma parlamentar partidária de Macron, Aurore Bergé. “Não vou minimizar o que aconteceu”, afirmou ela em entrevista à BFMTV. Até a publicação desta reportagem, o presidente francês não havia se pronunciado sobre a eleição.

Por outro lado, 51% dos eleitores afirmaram neste domingo ao Ipsos que seu voto não representava nem sanção nem adesão ao governo nacional, enquanto 33% disseram votar para expressar oposição a Macron, e 16%, para lhe mostrar apoio.

A eleição regional, que forma as assembleias em 13 regiões e 96 departamentos franceses, divide-se em dois turnos, com o segundo acontecendo no próximo domingo (a não ser onde um candidato supere 50% na primeira rodada). Os partidos têm até a manhã de terça para formar alianças e registrar listas para o segundo turno —candidatos devem ter tido mais de 10% no primeiro.

Administrar uma região —com orçamento e poder de decisão muito maior que o de cidades que o RN já governa— daria a Marine Le Pen mais cacife político para tentar vencer pela primeira vez um segundo turno em eleições presidenciais. Após o fechamento das urnas, ela atribuiu os resultados abaixo do esperado à abstenção e conclamou seus partidários a lutar pela vitória no segundo turno.

Vencer na segunda rodada, porém, tem sido uma barreira para a ultradireita na França. Para tentar reverter essa rejeição nas eleições presidenciais, ela tem adotado um discurso menos radical, no que é chamado na França de “desdemonização”.

Além de suavizar a retórica, ela expulsou do partido integrantes que fizeram declarações antissemitas e tem dito que a escolha dos franceses não é entre “direita e esquerda”, mas entre “nacionalistas —ela, no caso— e globalistas”.​

Folha de S. Paulo