Imunidade de rebanho pode criar supermutação do coronavírus
Foto: Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil
E aconteceu o tão esperado depoimento de Osmar Terra. O deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul foi, desde o início da pandemia, uma das primeiras vozes a se posicionar contrariamente a qualquer medida de distanciamento social, além de ter se tornado conhecido como defensor da chamada imunidade de rebanho. Médico de formação, o deputado esbanjou eloquência e citou muitos dados… Na sua maioria, equivocados, como já noticiado.
A imunidade de rebanho ocorreria quando a maior parte de uma população se tornasse imune em relação a uma doença infecciosa. Isso, em decorrência, ofereceria proteção indireta para aqueles que não estão imunes, de modo que a dada doença não mais se disseminasse. A suposta estratégia para alcançar rapidamente tal condição seria deixar o vírus circular o máximo possível para que, induzido o contágio, a maioria da população se contaminasse e essa suposta imunidade fosse alcançada.
Não existe consenso científico sobre a efetividade da imunidade de rebanho em pandemias. Mesmo que ela fosse comprovada para o caso da Covid-19 — o que não foi o caso, como muito bem lembrado pelo epidemiologista Pedro Hallal em depoimento à CPI nesta semana —, projeções dão conta de que o número de mortes seria devastador. Um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres, por exemplo, traçou um panorama extremamente sombrio de como a doença poderia ter se propagado pelo Reino Unido, como poderia ter impactado o sistema público de saúde e quantas pessoas poderiam ter morrido se a estratégia de imunidade de rebanho sem vacina continuasse sendo aplicada. O modelo apontou que as mortes no Reino Unido poderiam ter chegado a 510 mil. Até o momento, lá morreram pouco menos de 130 mil pessoas.
Terra foi taxativo ao dizer que jamais advogou a favor disso. Mas insistiu nas críticas às políticas de distanciamento social. Disse de maneira exaltada que a estratégia de “deixar as pessoas em casa (…) não salvou nenhuma vida”. Afirmação errada. As evidências mais robustas da ciência indicam que, dentre as medidas mais eficientes e que mais vidas têm poupado, está justamente o distanciamento social. Um estudo “padrão ouro” publicado recentemente na “Nature Human Behaviour”, um dos mais prestigiosos periódicos científicos, fez uma comparação global para avaliar quais intervenções não farmacológicas têm mais impacto na redução da transmissão do vírus Sars-CoV-2. Dentre as sete medidas com maior eficácia, seis são diretamente ligadas às políticas de distanciamento social e limitação à circulação das pessoas. A ciência provou que o deputado está errado. Ficar em casa salvou vidas, sim!
O deputado afirmou ainda que só não se alcançou a dita imunidade por causa do surgimento de novas cepas. E insistiu que é por causa destas que a pandemia dura até hoje. E o que as novas variantes têm a ver com o distanciamento social? Alguns estudos publicados na “The Lancet” e na “Nature” sustentam que quanto mais o vírus circula e se replica no organismo humano, maior a chance de ele acumular mutações e gerar novas variantes. É um processo que faz parte da natureza desse organismo, mas é favorecido em cenários de descontrole como o que vimos e vemos no Brasil.
O discurso contra o distanciamento social proclamado por Terra e alimentado por Bolsonaro contribuíram decisivamente para que uma série de cidades e estados não pudessem implementar medidas de distanciamento. Os posicionamentos do deputado Osmar Terra podem, portanto, ter contribuído diretamente para aquilo que ele aponta como sendo a razão do prolongamento da pandemia: as novas variantes.
Cabe agora à CPI analisar o extenso material levantado pelo Cepedisa-USP e pela Conectas, que sustenta que houve ação deliberada para propagar o vírus em função da crença na imunidade de rebanho. Só assim nossos senadores poderão inferir se a propagação do vírus se deu por incompetência ou por estratégia voluntária.
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