Intelectuais americanos temem golpe nos EUA
Foto: Carlos Barria/Reuters
A morte da democracia americana bate à porta, advertiu um grupo de historiadores. Na terça-feira (1º), mais de cem acadêmicos, vários especializados no colapso de democracias, publicaram uma carta aberta pedindo urgência ao Congresso e ao governo federal para deter iniciativas legislativas estaduais que, na prática, impedem eleições justas e garantem a captura do poder pela direita minoritária.
Os acadêmicos defendem o sistema bipartidário, mas destacam que os republicanos se tornaram seu inimigo, politizando a gestão neutra do processo eleitoral, como fizeram em 2020.
Toda a orgia autoritária que os americanos testemunharam a partir da candidatura vitoriosa de Donald Trump, em 2016, não parece ainda ter acendido a luz vermelha para boa parte da população. Não se trata só de percepção de gerações, afinal só 34% dos adultos americanos viveram a ameaça nazista ou cresceram na mira do arsenal soviético, na Guerra Fria.
A tolerância com o autoritarismo apareceu em outros momentos da história constitucional dos EUA, mas nunca foi tão agravada como no presente, quando uma população de 330 milhões habita países diferentes porque se informa em bolhas tribais.
Depois de um ano em que negação e complacência custaram mais de 1 milhão de vidas no Brasil e nos EUA, há uma emergência em curso que a fadiga geral da pandemia pode não enfrentar à altura.
Entre 1º de janeiro e 14 de maio, 14 estados americanos introduziram leis para restringir o acesso às urnas e há dezenas de outras medidas em 18 estados para desencorajar o voto. Leia-se o voto da população que está para se tornar a maioria do eleitorado –as minorias.
A mais notória delas, no Texas, tem chances reais de passar, apesar de um esforço de bloqueio da minoria legislativa democrata. O descaramento da direita tem explicação simples: em 2020, pesquisas mostraram que o apoio aos democratas no estado, controlado por republicanos desde os anos 1990, chegava a 46%.
O partido que Trump conduziu a derrotas nacionais, nas duas casas no Congresso e na Presidência não tem tempo a perder até novembro de 2022, quando estarão em jogo todos os 435 assentos da Câmara, 34 das 100 vagas no Senado e 36 dos 50 governos dos estados.
Durante a campanha, o então candidato Joe Biden disse a seu biógrafo mais recente, Evan Osnos, que tinha compreendido a gravidade da ameaça representada por Trump e citava como argumento o best-seller “Como as Democracias Morrem”, de dois cientistas políticos americanos, lançado no Brasil em 2018.
Não é mais só na ala progressista do Partido Democrata que cresce o alarme pela insistência de Biden em conseguir consenso bipartidário para sua ambiciosa agenda de investimento em infraestrutura. A janela de oportunidade para proteger a democracia eleitoral americana é estreita, advertem.
Sem chance de derrubar o mecanismo do “filibuster” (resquício racista que impede maioria simples para iniciar votações no Senado), Biden teria que correr riscos maiores para torcer o braços de democratas centristas recalcitrantes, avessos a derrubar o filibuster. Foi o que o desbocado comprador de brigas Lyndon Johnson fez, em 1964, com o Ato de Direitos Civis, a primeira, ainda que tardia, garantia de livre acesso ao voto para os negros.
O plano da ultradireita americana é transparente: roubar nas urnas em 2022 para, em seguida, recapturar sem legitimidade a Presidência em 2024. Um plano que um degenerado e impopular motociclista brasileiro gostaria de imitar.