ONG diz que Bolsonaro tornou o Brasil inseguro para LGBTs

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Para o canadense Kimahli Powell, diretor-executivo da ONG Rainbow Railroad, o Brasil não é um país seguro o suficiente para pessoas LGBT.

“O Brasil, por exemplo, aceita refugiados, mas dado o clima em relação às pessoas LGBT, nós pensaríamos muito antes de colocar alguém no país”, afirmou ele à Folha por meio de videoconferência.

A ONG ajuda pessoas LGBT perseguidas em seus países a se mudarem para lugares onde não serão agredidas devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Na terça-feira (15), um evento virtual sobre migrantes LGBT organizado por entidades do Paraná foi interrompido por ataques racistas e gritos de “Bolsonaro 2022”.

De acordo com Powell, o governo Jair Bolsonaro é um dos principais focos de preocupação da ONG. “Quando um agente estatal, seja a polícia, o governo ou o chefe de Estado, como é o caso do Brasil, fala contra os LGBTs, isso gera perseguição”, afirmou.

“Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, disse em 2011 o então deputado federal, por exemplo.

Powell chamou a atenção para a situação da população transexual brasileira, vítima frequente de violência e vulnerável economicamente. “Você pode ter um milhão de pessoas na Parada Gay e ainda assim ter uma parte da comunidade que seja alvo de perseguição.”

O diretor-executivo foi um dos participantes do Fórum de Direitos LGBTQ2+, reunião virtual organizada pelo governo do Canadá nesta semana para discutir a situação dessa população na América do Sul.

Como funciona o trabalho da Rainbow Railroad? Somos uma organização internacional baseada no Canadá e que também opera nos EUA, e nosso objetivo é providenciar segurança para pessoas LGBT que estão em risco. Nós recebemos pedidos de socorro todos os anos, verificamos todos os casos e vemos se e como podemos ajudar.

Nosso principal foco é o suporte emergencial para viagem, ou seja, a realocação de pessoas para um país onde elas não sejam perseguidas com base na sua orientação sexual ou identidade de gênero. Em muitos casos, porém, nós também ajudamos a pessoa a se realocar dentro do próprio país e ajudamos com recursos para que ela se mantenha segura.

Como são escolhidos os países de destino? Nós escolhemos países onde há uma vontade ativa de acolher imigrantes LGBT. Não vamos escolher um país que aceita refugiados, mas que não tem políticas de proteção à população LGBT. O Brasil, por exemplo, aceita refugiados, mas dado o clima em relação às pessoas LGBT, nós pensaríamos muito antes de colocar alguém no país.

Qual a preocupação com o Brasil? Nós sabemos que no Brasil principalmente as pessoas trans são alvos desproporcionais de violência. Você pode ter uma Parada Gay com um milhão de pessoas e ainda assim ter uma parte da comunidade que seja alvo de perseguição. Isso se reflete nos pedidos que temos por ajuda. E nós estamos muito preocupados com o Brasil, principalmente nos últimos anos, com a administração atual, que sinalizou políticas mais agressivas contra os LGBTs.

O presidente Jair Bolsonaro já deu declarações homofóbicas em diversas ocasiões. Em uma delas, disse que seria incapaz de amar um filho homossexual. Qual o impacto disso para as pessoas LGBT brasileiras? Em vários países nós já encontramos relação entre o discurso de órgãos estatais e o aumento da violência. Quando um agente estatal, seja a polícia, o governo ou o chefe de Estado, como é o caso do Brasil, fala contra os LGBTs, isso gera perseguição. Quando há “permissão” do chefe de Estado, pessoas em comunidades pequenas acabam se tornando alvo de violência da noite para o dia.

A pandemia trouxe dificuldades para os LGBTs? E para o trabalho da Rainbow Railroad? A nossa principal preocupação, que acabou se confirmando, era de que os governos usassem a pandemia como desculpa para atacar a comunidade LGBT. Nós sabemos que grandes eventos sísmicos no mundo geram essa oportunidade.

O caso mais explícito aconteceu em Uganda, onde a polícia invadiu um abrigo para LGBTs sob a acusação de que eles estavam ferindo o lockdown por estarem em um abrigo. E eles ficaram presos três semanas. Nós tivemos que ajudá-los a se realocar dentro do país depois. E soubemos que houve uma nova invasão de casas de acolhida em maio.

Além disso, existe a questão de que os defensores de direitos humanos não conseguem atuar por causa da pandemia. E nós também sempre viajamos para fazer contatos, trabalhamos muito com organizações locais para ajudar no suporte e isso se tornou muito mais difícil, principalmente quando é preciso fazer esses encontros de forma discreta.

Existe alguma região do mundo que traga mais preocupação a vocês no momento? Nós temos olhado com cuidado para a situação da América Central e da América do Sul. Na Venezuela, a crise econômica criou a maior crise de refugiados desde a Síria. E de uma forma única, porque não é um país formalmente em guerra. Na América Central, você tem El Salvador, Guatemala e Panamá, onde há uma questão climática e também de violência que resvala nos LGBTs. E o Brasil é um país onde era esperado que as pessoas LGBT pudessem viver tranquilas, mas, dado o clima político, isso não é tão certo.

No Brasil, a população trans é majoritariamente empregada em setores precários, com alta informalidade ou baixos salários. Além disso, grande parte das pessoas transexuais trabalha no mercado sexual. Como isso ficou durante a pandemia? Isso era uma preocupação para nós em países como o Brasil, em que o governo apoiou medidas que não visavam proteger a população contra o coronavírus. Porque, sem apoio do governo, essas pessoas não podem ficar em casa e não trabalhar.

Isso não ocorre só no Brasil. Ao redor do mundo, nós sabemos que as pessoas mais vulneráveis e que morreram mais de Covid foram aquelas que não puderam ficar em casa.

O nome da organização é inspirado na Underground Railroad [rota de fuga usada por escravos nos EUA]. Nos casos recebidos, o sr. vê uma intersecção entre racismo e homofobia? Sim, com certeza. Nós estamos no meio de uma crise global de refugiados —e é importante colocar que isso não é culpa dos refugiados, mas dos governos que não atuam—, e a maior parte das pessoas afetadas são pessoas não brancas. Isso é um fato.

Folha