Presidente da federação de motociclistas nega viés político em ato pró-Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Fernando Moraes/UOL

O presidente da Federação de Moto Clubes do Estado de São Paulo, empresário Tulio Siqueira, 62, recorre ao didatismo para explicar que a motociata que se realiza hoje em São Paulo, com a presença do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), não tem nenhuma pretensão política.

“O motociclismo funciona assim: você anuncia na rede social que está indo ao morro do Corcovado comer a paçoquinha do Zé Antônio, e aparecem 50, 100 pessoas querendo ir também.”

Com início marcado para as 10h, a motociata vai da Avenida Brás Leme, na zona norte da cidade, até o Obelisco do Ibirapuera, zona oeste.

Dessa vez, o anúncio da paçoquinha do Zé Antônio teve a participação crucial de um pastor chamado Jackson Villar, que soltou nas redes sociais uma montagem publicitária em que aparece ao lado de Bolsonaro. Na peça, o “maior passeio de motocicleta do mundo” foi batizado de “Acelera para Cristo”, em alusão à “Marcha para Jesus”, de evangélicos, que se realiza hoje também.

Villar teria conseguido atrair estimados 400 mil entusiastas — e muita controvérsia. Presidentes de motoclubes o acusam nas redes sociais de estar, literalmente, pegando carona (“nem moto tem”) em um evento que já vinha sendo organizado nos moldes dos que houve no Rio e em Brasília. O pastor diz que não vai “gastar energia com gente mal-intencionada”. “Nosso convite ao presidente gerou inveja nas pessoas.”

Embora reconheça que Jackson Villar não faça parte do “movimento motoclubístico” e diga que “nunca tinha ouvido falar dele no meio”, Siqueira não critica o pastor. Ao contrário, elogia a iniciativa.

“O cara levantou uma bandeira, o pessoal gostou, ele [Bolsonaro] caiu pra dentro. [Villar] é uma pessoa interessante, que viu uma oportunidade, abraçou a causa, divulgou.”

Na imaginação de Siqueira, a conversa de Villar com Bolsonaro teria se dado assim: “Presidente, quer andar de moto com a gente? O senhor tem agenda pra isso?”

“O ‘cara’ [Bolsonaro] gostou e disse: ‘Tô indo aí’.”

Feliz proprietário de uma Harley Davidson 1998, Tulio Siqueira conta que a entidade que ele preside foi fundada no ano 2000 e hoje reúne 80 motoclubes. O dele se chama “Bodes do Asfalto”, tem 12 mil membros oficiais e 8 mil “flutuantes”. O “bodes”, no nome, é uma referência à maçonaria. Para ser sócio, é preciso estar habilitado para pilotar, ter moto e fazer parte do que ele define como “entidade 100% filosófica”.

Siqueira se diz “plenamente ativo desde 1998”. “A maçonaria busca na sociedade homens que possam ser melhorados e que, consequentemente, possam melhorar a sociedade. Na Santa Inquisição, quando os maçons eram perseguidos e torturados, falava-se que, ao responder às perguntas, eles eram mais silenciosos que os bodes.”

Bolsonarista inarredável, Tulio Siqueira é capaz de justificar até a composição do presidente com o poluído “centrão”. “Demonstrou evolução política. Diziam que o presidente era fechado, não conversava com ninguém, ele falou: ‘Vamos alinhar’.”

Convencido de que o bolsonarismo admite a “diversidade de pensamento”, Siqueira não espera encontrar apenas correligionários do presidente na motociata: “Pode ser que a maioria seja simpatizante, mas também tem muita gente que pensa: ‘Que outro presidente anda de moto?’ No fim, tá todo mundo indo porque tem uma estrela lá”, acredita.

A título de comparação, o empresário lembra: “Sabe com quem eu já andei de moto? Com o [ator norte-americano] Peter Fonda. Tive essa honra. E com o [espanhol] Antonio Banderas. Ele é baixinho. Da sua altura. (Emendando) Sabe aquela atriz do ‘Dama do Lotação’ [Sônia Braga]? Mesma coisa. É um toco de amarrar onça.”

Nascido e criado em Cuiabá (MT), Tulio Siqueira acredita que um jovem que cresceu longe do eixo Rio-São Paulo-Belo Horizonte, como ele, não usufruiu dos mesmos acessos. “A gente tinha a formação recebida em casa, e a informação adquirida depois, por nossa conta.”

A distância das capitais maiores o teria preservado dos efeitos do que chama de “pseudo-ditadura militar”. “É que nem a covid-19. Uns morreram, e para outros foi só uma gripezinha.” No seu entender, tratou-se de um período “necessário, positivo”.

A propósito da covid, Siqueira conta que contraiu o vírus em abril, durante sua última viagem longa de moto, quando rodou cerca de 3.500 até o Rio Grande do Norte. Os sintomas apareceram lá, e ele então interrompeu a viagem por dez dias.

“Sou a testemunha viva de que essa doença tem cura”, afirma ele, convencido de que sua recuperação se deu graças ao famigerado “tratamento precoce”. Tomou ivermectina, medicamento de ineficácia comprovada para a covid-19.

Como explicar as quase 500 mil mortes, se há cura? “Isso aí é o acaso. O vírus atua de maneira diferente em cada pessoa.”

Quando Siqueira usa termo “negacionista”, é para se referir aos ateus. “Eu não acredito que o ser humano possa viver sem uma crença superior.” Autodefinido “espiritualista”, ele não cita uma religião específica.

Em seu alinhamento com Bolsonaro, Siqueira critica mais de uma vez os jornalistas. Para ele, um dos pontos positivos do atual governo é justamente “a ausência da mídia”. Diz que, antes da ditadura, a “classe” desfrutava de “uma série de privilégios” que foram “deixando de acontecer”. Fala de maneira um tanto vaga de “passagens de avião pagas”, diz que tudo isso acabou com a “Constituinte” (ele afirma que houve uma antes da de 1988, mas não sabe localizar quando).

“Eu não tenho fundamento, teria de pegar a pesquisa para mostrar.”

Siqueira cita ainda, entre os predicados de Bolsonaro, o “fazer”.”O povo vai se assustar no momento em que tudo o que está sendo feito vier à tona.” De acordo com o que ele tem observado, “aqui [no Brasil] ninguém fica sem comida”. O aumento do desemprego em relação ao ano em que Bolsonaro tomou posse é atribuído à crise econômica decorrente do isolamento social: “Quem fecha tudo são os governadores e prefeitos.”

Muito popular na região da rua general Osório, no centro de São Paulo, tida como a de maior concentração de lojas de equipamentos para motociclistas da América Latina, Siqueira cumprimenta efusivamente os confrades. Na loja do customizador Arnold Pereira dos Santos, 64, onde posou para as fotos, ele diz em tom professoral que “não existe moto melhor”. E faz mais uma de suas analogias “esdrúxulas” (palavra usada por ele): “Moto é que nem mulher: a melhor é a que está do seu lado no momento.”

Arnold Pereira dos Santos diz que é “1000% Bolsonaro”. Baiano de Feira de Santana, ele acredita que se não fosse o atual governo, “a gente ia estar que nem a Venezuela”.

Já Rino, 71, presidente do motoclube Tamoios, de Caraguatatuba, diz que é “qualquer coisa”. Prefere falar do triciclo que reservou para ir a motociata.

Ao fim da entrevista, Tulio Siqueira faz a defesa da posse de armas. Não necessariamente para usar, mas para “apreciar”. Ele explica seu ponto de vista: “Não é porque eu estou em um puteiro que sou obrigado a comer alguém”.

Ao reforçar o teor recreativo das motociatas, Siqueira avalia como “correta” a decisão do comandante do exército, Paulo Sérgio Nogueira, de não punir o ex-ministro interino da saúde general Eduardo Pazuello, por participar do evento ocorrido em Brasília.

“Foi só um passeio de motocicleta, ele estava acompanhando o amigo [Bolsonaro]. Não usou farda, foi como cidadão. Completamente diferente de participar de uma movimentação com bandeira político-partidária.”

Na motociata de hoje, a única “bandeira político-partidária” que Siqueira enxerga é “Cristo”. “Você vê alguma instituição política, algum sindicato, nesse evento?”

Só mesmo a Presidência da República.

Uol