Witzel diz que passou por “sessão de xingamentos” na CPI

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Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel decidiu se retirar da CPI da Covid após ser questionado sobre um possível superfaturamento na compra de respiradores para o estado durante a pandemia do novo coronavírus.

Witzel se utilizou do habeas corpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que lhe permite ficar em silêncio diante dos senadores. Em sua decisão, o ministro Kassio Nunes Marques ressaltou que o ex-governador já é investigado em ação por corrupção e lavagem de dinheiro no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Inicialmente, Witzel optou por não fazer uso da medida. No entanto, por volta das 14h10, quando começou a ser mais questionado sobre os supostos casos de corrupção no Rio na pandemia, disse que iria se retirar. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que não poderia fazer nada para impedir sua saída e, assim, encerrou a sessão.

Na saída da comissão, Witzel justificou o ato dizendo que foi ofendido por senadores. “Respondi a todas as perguntas. À medida que começa a haver ofensas como o senador que se dirigiu a mim de forma leviana, chula, não posso continuar. Vim para respeitar e ser respeitado.”

A partir do momento que ela se tornou uma sessão de xingamentos como tem acontecido nas redes sociais, eu entendi, e meus advogados também, preferi encerrar porque afirmações ofensivas são desnecessárias.”
Wilson Witzel, ex-governador do Rio

Witzel deixou a comissão após ser questionado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre a aquisição de 1 mil respiradores por R$ 183 mil. Antes mesmo de Girão de finalizar a pergunta, Omar comunicou a decisão do ex-governador.

Girão era o último senador titular a questionar Witzel. Antes, o depoente e o senador governista Jorginho Mello (PL-SC) já haviam trocado farpas. Mello questionou a “contratação criminosa e fraudulenta do Iabas [para gerir os hospitais de campanha no Rio]” e a “propina” recebida pela ex-primeira-dama Helena Witzel.

“O senhor envergonhou a justiça, envergonhou o Rio de Janeiro e a população brasileira”, afirmou Mello ao fim de sua fala. Witzel rebateu dizendo que as declarações são levianas. Mello elevou o tom: “Leviano é o senhor que foi cassado!”.

Além de Girão, o ex-governador deixou de responder a algumas perguntas de suplentes e não membros da CPI.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou que solicitou novo depoimento de Witzel. “Acreditamos que o ex-governador ainda tem muito a falar e não podemos deixar o relatório da CPI ser atingido por interferência e intimidações externas.”

Witzel disse ter um “fato gravíssimo a revelar” relacionado a possíveis intervenções do governo federal em sua administração, mas só poderia dizê-lo em uma sessão em segredo de Justiça.

Durante o depoimento, Witzel se defendeu das acusações pelas quais teve o mandato cassado e discutiu com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu ex-aliado.

Por mais de uma vez, o ex-chefe do Executivo fluminense declarou que se considera um “perseguido” político e, sem provas, vinculou o impeachment aprovado no RJ em 30 de abril de 2021 às investigações do caso Marielle.

“A partir [das investigações] do caso Marielle é que eu percebi que o governo federal começou a me retaliar. Após esse evento, não fui mais recebido no Planalto, tinha dificuldade de falar com os ministros. Encontrei Paulo Guedes no avião e ele virou a cara e saiu correndo ‘não posso falar com você’. Fiquei em situação de vulnerabilidade por uma perseguição política”, disse.

Sem base em fatos apurados pelas instituições competentes, Witzel sustentou a tese de que ele deu autonomia às forças policiais durante a apuração do caso Marielle e que tal fato teria motivado uma vingança por parte de oponentes políticos —ele não fez menção direta a eventuais adversários, mas inseriu a família Bolsonaro dentro desse contexto.

Durante o embate com Flávio, Witzel citou o episódio do depoimento de um dos porteiros do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca, a residência de Jair Bolsonaro antes da vitória na eleição de 2018.

À Polícia Civil fluminense, o porteiro afirmou em 2019 que alguém “com a voz” do então deputado federal teria autorizado um dos suspeitos de matar Marielle a ingressar no condomínio para uma visita. Posteriormente, laudo pericial apontou que a suposta voz não era de Bolsonaro.

Flávio rebateu as alegações de Witzel e o acusou de usar o espaço de fala na CPI para se debruçar sobre fatos sem conexão com o objeto de investigação, isto é, com a pandemia da covid-19.

Após provocações por parte do congressista, o depoente retrucou e o chamou de “mimado”.

“Se o senhor fosse um pouquinho mais educado e menos mimado, o senhor teria respeito pelo que eu estou falando. O senhor me respeite”, disse Witzel.

Os conflitos continuaram depois de questionamentos formulados pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL). O emedebista verbalizou declarações antigas de Witzel com referências a Flávio e ao caso da “rachadinha”, episódio em que o filho do presidente é investigado, no Rio, por um suposto esquema de corrupção praticado durante o período em que ele era deputado estadual.

Além de se referir ao caso Marielle como suposto motivo pelo qual teria sido “perseguido”, o ex-governador apontou outra razão para a mesma finalidade: os planos de concorrer à Presidência da República em 2022.

Na versão dele, a intenção de disputar a corrida presidencial contra Bolsonaro no ano que vem teria levado o Palácio do Planalto a “retaliar” o governo fluminense. Em um dos atos em prejuízo ao estado, supostamente por motivação política, o Ministério da Justiça e Segurança Pública teria ordenado o retorno de um delegado federal que estava baseado no Rio de Janeiro.

O depoente mencionou uma reunião da qual teria participado com o então ministro Sergio Moro. “Sou convidado por Moro a conversar, achei estranho porque ele não quis tirar foto comigo, anunciar o meu nome e disse que não poderia estar dando publicidade à minha presença no Ministério da Justiça”, relatou Witzel.

“Quando eu cheguei lá o ministro Moro disse pra mim o seguinte: ‘Witzel, o chefe falou para você deixar de falar que quer ser presidente e, se não parar, infelizmente, não vamos poder te atender em nada’. É ou não é uma clara intervenção indevida ao estado?”
Wilson Witzel, ex-governador do Rio

Segundo Witzel, as verbas federais destinadas a custear ações de enfrentamento à pandemia “vieram em cima do laço” —isto é, quase no limite do que seria um prazo aceitável.

O ex-governador relatou que, em face do atraso para a injeção de recursos do Ministério da Saúde, o Executivo estadual chegou a cogitar a possibilidade de sugerir cortes nos salários do funcionalismo público.

“Demorou o auxílio emergencial, demorou os recursos que foram encaminhados para completar o orçamento dos estados. Nós tínhamos até imaginado a possibilidade de redução do salário de servidores para poder fazer frente ao controle da pandemia”, disse.

“Os recursos vieram, em cima do laço, e conseguimos dar continuidade, mas até lá tivemos dificuldade”, emendou.

Witzel também declarou que o dinheiro repassado a estados e municípios não foi suficiente. Afirmou ainda ter manifestado incômodo com a demora para aprovação do auxílio emergencial (socorro financeiro criado durante a pandemia para suprir queda abrupta de renda à população mais pobre).

“Você pede para que fiquem em casa porque é necessário e a população não tem uma resposta do auxílio na mesma agilidade que as medidas de combate a pandemia eram acionadas. Evidentemente você tem dificuldade de conduzir a pandemia”, disse.

Witzel disse que, se ainda fosse governador, ia ser contra “motociatas” e passeatas em meio à pandemia, em referência aos eventos que o Bolsonaro tem estimulado e participado, inclusive no Rio.

Witzel relatou que, de acordo com o seu entendimento, prefeitos e governadores ficaram “desamparados” e sem canal de diálogo com a União durante a pandemia do novo coronavírus.

Na versão do depoente, o chefe do Executivo federal “politizou” a pandemia e criou “narrativas” de enfrentamento aos governos locais por divergências em relação a temas como o isolamento social.

“Os governadores, prefeitos de grandes capitais e de pequenas cidades, ficaram totalmente desamparados do apoio do governo federal. É uma realidade inequívoca que está documentada em várias cartas que nós encaminhamos ao presidente”, disse Witzel.

“Fizemos várias reuniões suplicando ao presidente da República que nos atendesse, que pudéssemos conversar para encontrar soluções em conjunto, soluções que outros países encontraram.”

A cassação do mandato de Witzel foi confirmada por um tribunal especial misto (formado por deputado estaduais do Rio e desembargadores) em 30 de abril deste ano. Ele foi condenado, por unanimidade, pelo crime de responsabilidade após denúncias de corrupção durante a pandemia. Witzel nega ter cometido irregularidades.

“Vou continuar fazendo o meu trabalho e, pra decepção de muitos, vou continuar na política e não vão me impedir de ajudar a reconstruir este país e evitar que pessoas se aproveitem da boa vontade daqueles que estão acreditando numa lorota de que nós estamos numa democracia”, declarou.

Uol