Candidata à vaga de Aras diz que PGR não pode servir ao governo

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Foto: Pedro Ladeira – 28.fev.2020/Folhapress

Primeira colocada na lista tríplice votada pelos membros do Ministério Público Federal para a sucessão na PGR (Procuradoria-Geral da República) que foi, pela segunda vez, desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, Luiza Frischeisen, 55, defende que o modelo seja institucionalizado pelo Congresso por meio de emenda à Constituição.

Subprocuradora-geral da República, último grau na carreira de membro do MPF, Frischeisen concorreu com outros dois subprocuradores-gerais neste ano, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. A votação, organizada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), teve participação de 70% dos integrantes do órgão.

Bolsonaro, no entanto, optou pela segunda vez por escolher Augusto Aras, que não concorreu à lista nem em 2019 nem neste ano. A indicação ainda tem que ser aprovada pelo Senado.

Para ela, a ausência de Aras no processo interno da categoria priva interna e externamente os debates sobre a sua atuação, que nos últimos anos foi apontada como próxima ao presidente e com intenções de conseguir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal).

Frischeisen avalia que Aras optou por evitar tomar iniciativa nesses últimos anos em relação a grandes temas, como o enfrentamento da pandemia e na abertura de procedimentos investigativos criminais sobre autoridades com foro especial.

Em entrevista à Folha, a subprocuradora diz que ela e os outros integrantes da lista entendem que a disputa interna reforça a autonomia e independência da PGR em relação aos outros Poderes. “O Ministério Público no Brasil é autônomo em relação ao Executivo, não é advogado-geral da União. É por isso que ele tem que ser escolhido através de uma lista”, afirma.



Como a sra. avalia mais uma vez a indicação do presidente Jair Bolsonaro por um PGR que não concorria à lista tríplice? Nós três concorremos porque somos defensores da lista tríplice desde o início. Somos da geração que criou a resolução da lista tríplice, que participou de todas as consultas e já concorremos outras vezes. Esse ano falamos: “a gente vai entrar nessa disputa porque acreditamos na lista tríplice”.

Eu acho que quando [o procurador-geral da República] não é indicado pela lista tríplice, o presidente priva o debate, interno e externo. Quando o candidato se coloca internamente, ele vai debater, ele vai ouvir os colegas, ele vai inclusive receber elogios ou sugestões para um novo mandato. Por outro lado, ele conversa com a sociedade, ele conversa com a imprensa, ele se coloca e se expõe para os senadores também. Seria uma possibilidade de falar o que fez ou como age em um segundo mandato.

Qual a sinalização que essa escolha de escolher de fora dá para a sociedade? O modelo constitucional é esse. O presidente indica, e o Senado sabatina. Não há nenhuma ilegalidade, mas ele [o presidente] poderia sinalizar o [modelo] que aceita o debate com a sociedade, com a imprensa, com a carreira e com o próprio Senado.

Uma escolha por fora interfere na atuação de um ou de uma PGR? A atuação de qualquer PGR, seja homem ou mulher, tem que ser autônoma e independente na defesa da Constituição e das leis. O PGR tem uma atividade criminal que é só dele, a exclusividade para pessoas com prerrogativa de foro. Tem que se pensar muito sobre essa capacidade de investigação e propositura ou não das ações penais ou para investigação. Nada disso pode ser feito sem que o Ministério Público exerça a primeira função que está na Constituição, no artigo 127, que é a defesa do Estado democrático.

Cabe a nós atuarmos de forma propositiva, e não só recebermos representações ou falarmos em processos que já existem de terceiros. O que tem que se garantir é independência nos termos da Constituição e das leis.

Existiu essa independência, na sua visão, nos dois anos de gestão Augusto Aras? O Aras tem uma visão diferente do Ministério Público que eu tenho e que meus colegas que se propuseram a concorrer também têm. Ele se reservou a atuar num segundo momento nas ações constitucionais. Ele propõe ações constitucionais, mas em regra não são sobre políticas públicas ou questões que estão mais na ordem do dia.

Ele tem feito muita coisa estatutária de Ministérios Públicos estaduais, questões de atribuições de municípios e de matérias tributárias, mas os grandes temas têm sido propostos pelos partidos políticos, inclusive nas ações relacionadas ao combate à pandemia. Ele fez essa opção.

Na parte criminal ele tem feito a opção por delegar quase toda a parte ao vice-procurador-geral Humberto Jacques. Eu acho que ele escolheu esses caminhos e eu penso de forma diferente. Eu acho que cabe ao procurador-geral exercer diretamente a função criminal, que é atribuição exclusiva, afinal de contas é o procurador-geral que é indicado pelo presidente, sabatinado pelo Senado e aprovado pelo Senado.

Acho que cabe ao Ministério Público zelar pelas diretrizes constitucionais relacionadas aos direitos sociais e às políticas públicas colocadas na Constituição e os direitos fundamentais da Constituição. Isso também se faz com a proposição de ações constitucionais. Ele tem uma outra postura, que é uma postura possível dentro dos caminhos que alguém pode escolher na sua atuação como procurador-geral. Não se trata de certo ou errado. Eu vejo a situação de uma forma diferente.

Os três que participaram na lista tríplice neste ano têm uma postura mais proativa que ele, então? Nós três defendemos isso nas nossas falas e nas nossas entrevistas, até porque uma das atividades do procurador-geral é a investigação de pessoas com prerrogativa de foro, e essa atribuição é exclusiva. Nós falamos várias vezes que isso deve ser feito através da instauração de procedimentos específicos.

Nos debates neste ano os candidatos questionaram a possibilidade de o procurador-geral atuar com a expectativa de se tornar um ministro do STF. Tinha uma preocupação neste sentido? Há duas discussões em torno disso.

Que a lista do procurador-geral seja prevista constitucionalmente, como é para todos os Ministérios Públicos e também para a formação de tribunais. O Superior Tribunal de Justiça tem lista. Por que o Supremo não tem lista? Porque é uma corte constitucional que não administra uma carreira, e o Ministério Público no Brasil é autônomo em relação ao Executivo, não é advogado-geral da União. É por isso que ele tem que ser escolhido através de uma lista. A gente teve essa discussão, e a nossa associação também defende a possibilidade de mudança da Constituição. Existe uma PEC [proposta de emenda à Constituição], e nosso presidente de associação conversou com senadores sobre isso.

O segundo ponto é se deveria haver ou não uma quarentena para que quem seja procurador-geral da República possa participar de outros cargos. Também discutimos nessa questão da própria PEC sobre a escolha do procurador-geral por lista se não deveria ser um prazo específico maior [de mandato], de três anos, sem recondução.

As críticas que sempre fazem à lista é que ela seria corporativista e que desconsideraria outros braços do Ministério Público que o próprio PGR chefia, como os Ministérios Públicos Militar e do Trabalho. O que a sra. acha disso? Essa discussão ficou vencida. Durante todo o processo a gente falou muito sobre isso. A gente não fala em teoria, fala no histórico. Já tivemos procuradores-gerais sem lista, com lista e a pessoa concorrendo por fora da lista, como é o caso agora. Todos os debates foram questões institucionais e o que é importante para a sociedade brasileira. O que traduz melhor possibilidade de independência e autonomia é a escolha através da lista, então eu vejo a lista de nenhuma forma corporativa.

Seria o caso de incorporar esses outros braços do Ministério Público da União na lista? Não, os outros ramos têm suas listas. Falam “ah, o procurador-geral da República chefia o MPU”, mas na verdade cada Ministério Público dos outros ramos é chefiado por seus procuradores-gerais, e o procurador-geral da República não tem nenhuma ingerência na administração desses outros ramos, tanto que eles se reúnem num conselho de assessoramento superior. Eles [os outros ramos] já fazem lista e elegem seus procuradores-gerais, e há representação de cada ramo no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público].

A sra. dizia na campanha que queria aumentar a interlocução da cúpula do MPF com as bases. Isso tem que mudar? Nós somos uma carreira de cerca de 1.100 membros, e os colegas estão em todos os lugares do Brasil e quando você tem uma lista é uma possibilidade de dialogo interno, porque o procurador-geral se submete ao debate, e neste ano não aconteceu assim.

O quórum [da votação] deste ano foi altíssimo, mesmo em tempos de pandemia. Esse dialogo se dá na formação da lista, e num segundo mandato deveria ser mais obrigatório ainda. Por que o procurador-geral deseja um segundo mandato? Qual é o seu plano de trabalho?

A sra. vê perspectiva de que o PGR mude a atuação nesses próximos dois anos? Só ele poderá dizer. A gente tem que esperar e observar.

Mas o que esse quórum, que foi de 70% dos procuradores da República, sinaliza? Os membros do Ministério Público Federal entendem que o procurador-geral ou a procuradora-geral deve ser indicado a partir da lista, e é essa a leitura que tivemos. Tivemos a eleição neste ano, vamos ter em 2023, a nossa associação se pronunciou assim, e vários de nós, como nós três, defendemos a mudança constitucional para que seja incorporada a possibilidade do procurador-geral da República através de uma lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República.

A sra. compôs essas últimas duas listas tríplices, nessa última em primeiro lugar, que foram ignoradas pelo presidente. Tem algum sentimento de trabalho perdido ou decepção com esse tipo de decisão? Não, de maneira nenhuma. Quando a gente concorreu em 2019, em primeiro momento o presidente Bolsonaro ainda ia se pronunciar, e agora nós três concorremos já sabendo o que tinha acontecido na primeira.

Não sinto nenhum [sentimento] de trabalho perdido, pelo contrário. Trabalho pela construção da lista e de maior diálogo entre os colegas da carreira do Ministério Público Federal de todas as gerações, e eu acho que o que eu me propus foi totalmente realizado e reconhecido. É importante internamente e externamente e ao concorrermos nós vamos estar afirmando esse compromisso histórico.

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, 55
Formada em direito pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é mestre em direito do Estado pela PUC-SP e doutora em direito pela USP. Integra o Ministério Público Federal desde 1992, sendo subprocuradora-geral da República desde 2015

Folha de S. Paulo

 

 

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