Eleições de 2022 terão alto comparecimento

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Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Desde 2006, o Brasil registra uma gradual fuga de eleitores das urnas. Isso mesmo com o país mantendo regras apontadas por especialistas como as que mais favorecem a participação popular na hora do voto, como cadastramento único e simples e voto eletrônico e obrigatório. Pesquisadores avaliam que o acirramento do cenário político e a importância de problemas econômicos tendem, porém, a reverter o quadro em 2022 e mobilizar uma participação maior de eleitores.

Caso se confirmem as presenças do atual presidente e de um ex-presidente na corrida pelo Planalto, haverá um alto grau de competitividade, aspecto que costuma atrair o eleitor às urnas. A base de apoiadores de Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se soma à alta rejeição a ambos, o que tende a favorecer o acirramento da disputa e o aumento do número de eleitores dispostos a exercer o direito do voto.

“Quanto mais acirrada a eleição, maior o interesse por participar”, destaca o professor Emerson Cervi, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista no tema da abstenção nas eleições e autor do estudo “Quem se abstém no Brasil?”.

Além disso, a possibilidade de o presidente Bolsonaro começar a corrida em segundo lugar, como as pesquisas apontam até aqui, pode aumentar o interesse da população. “O fato de um desafiante, Lula, estar em primeiro lugar engaja mais os eleitores, tanto governistas quanto oposicionistas. Mas estamos falando um ano antes, muita coisa pode mudar”, avalia o professor.

Paralelo com a vitória de Biden sobre Trump
Maurício Moura, CEO do IDEIA Big Data e pesquisador da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, também enxerga no horizonte uma perspectiva de reversão do aumento das abstenções, com o cenário político brasileiro espelhando o que se viu nos Estados Unidos em 2020: um grande acirramento entre dois lados e uma campanha movimentada e agressiva.

Nos EUA, houve mobilizações no ano passado para aumentar a participação de eleitores negros, que é historicamente baixa no país. No estado da Georgia, por exemplo, a democrata Stacey Abrams criou uma organização que teria conseguido registrar mais de 800 mil eleitores, principalmente negros e jovens, o que impulsionou a vitória de Joe Biden sobre o republicano Donald Trump.

“Certamente, a eleição presidencial [do Brasil em 2022] será muito polarizada, e ela tem a capacidade de contaminar as outras eleições”, diz Moura ao se referir aos pleitos para Câmara dos Deputados, Senado e executivos e legislativos estaduais.

Moura lembra que a eleição de 2018 já havia sido polarizada, porém, a criminalização da política deu o tom. O resultado foi a mais baixa presença nas urnas brasileiras desde 1998. “A gente viu um eleitor raivoso, e parte dessa raiva foi canalizada em não sair para votar. Foi a rejeição ao sistema político em seu ápice”, afirma.

Mas o discurso antissistema deve perder força. Moura destaca que, pelo mundo, quem tentou repetir a estratégia da antipolítica teve dificuldades nas últimas eleições. São os casos dos partidos espanhóis Podemos e Cidadãos, do italiano Cinco Estrelas, do francês Em Marcha, além de Donald Trump nos Estados Unidos.

Esse discurso deve dar espaço ao tema econômico.Hoje, os temas que mais engajam as pessoas nas redes sociais quando o assunto é política são auxílio emergencial, reforma tributária, desemprego e inflação, que, de maneira geral, tendem a ser mais desfavoráveis a Bolsonaro. Por isso, segundo o especialista, o presidente deve recorrer a pautas como as críticas ao sistema eleitoral e, mais especificamente, ao voto eletrônico. Elas representam, a seu ver, uma tentativa de desmobilizar os eleitores.

De quem é a culpa?
A manicure Erika Eugenio compareceu às urnas em 2018 com um sentimento de desilusão. Por isso, decidiu anular alguns dos seus votos. Em 2020, na eleição municipal, ela não foi votar. Depois de uma sequência de escândalos que causou sucessivas quedas de prefeitos na sua cidade, Erika ficou desmotivada.

Erika é moradora de Mococa, município da região nordeste de São Paulo. Com um índice de 33,52%, a cidade teve a sexta maior abstenção em todo o país na última eleição. O medo da pandemia, que chegou a lotar 100% dos leitos de UTI da cidade, aliada ao quadro conturbado da política local são apontados como alguns dos motivos da baixa adesão.

Desde 2016, Mococa teve duas eleições para a prefeitura e quatro prefeitos. A confusão com a troca de mandatários, as denúncias de corrupção e o abandono da cidade, segundo Erika, foram os motivos que a afastaram das urnas. “A gente vai exercer o nosso direito de cidadão, confiante de que pelo menos um deles vai entrar e fazer alguma coisa, mas, infelizmente, eles só prometem. E aí que o povo se revolta”, diz a manicure.

Eduardo Barison (PSD) foi eleito prefeito de Mococa em 2020, com 12.406 votos, quase a metade do número total de alienações, como é chamado conjunto dos votos brancos, nulos e abstenções, que somaram 23.621. Segundo Erika, a fuga das urnas pode ser encarada também como uma forma de o eleitor lavar as mãos com relação às denúncias sobre má gestão e casos de corrupção “Depois, a culpa acaba caindo em cima da população, porque votou”, explica.

Razões burocráticas e sociais
O quadro de abstenção crescente no país, que chegou a 20,3% na última eleição nacional, em 2018, e a 29,5% nas municipais de 2020, pode estar relacionado ao esgotamento de um ciclo iniciado em 1989, com as primeiras eleições gerais pós-ditadura e a consolidação da Constituição de 1988, avalia Emerson Cervi.

O professor da UFPR ajudou a desenvolver um estudo para entender o motivo do afastamento dos eleitores das urnas nas últimas duas eleições. O fator que mais favorece as abstenções é estritamente burocrático, segundo o estudo, e diz respeito à mudança de domicílio eleitoral ou morte de eleitores, informações que demoram a ser registradas pelo sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e acabam aumentando artificialmente a estatística.

O segundo motivo que mais contribuiu para a ausência nas urnas foi a baixa escolaridade. Em 2018, 24,3% dos que não foram votar tinham apenas o ensino fundamental, enquanto entre os que tinham curso superior a abstenção foi quase a metade disso. Os homens também se ausentaram mais das eleições do que as mulheres.

Outra descoberta do estudo foi relacionada à localização das abstenções. “Ao contrário do que o senso comum pode dizer, a ausência maior, em termos proporcionais, acontece nos grandes municípios, em especial, naqueles que pertencem às regiões metropolitanas do Sudeste”, diz Cervi. “A abstenção é menor nos pequenos municípios, principalmente do Nordeste. Uma explicação é que, nesses municípios, a política está mais próxima, o eleitor depende mais da política e tem um incentivo para participar”, completa.

Mais um aspecto que tende a aumentar a abstenção é a facilidade para justificar a ausência na votação depois que o TSE criou, no ano passado, a opção de justificativa por aplicativo de celular, que permite concluir o processo em poucos segundos. Além disso, a manutenção das multas em um preço meramente simbólico, que em 2020 variou de R$ 1,05 a R$ 3,51 por turno, também facilita a fuga de eleitores.

Para Cervi, a abstenção na hora do voto passa também pela ideia que o eleitor tem de que a política é naturalmente disfuncional, com a associação quase natural dela à corrupção e à ineficiência. Segundo o professor, a opinião pública se torna arredia e foge de processos políticos. “Isso afasta o eleitor, inclusive o eleitor jovem, aquele que inicia sua participação, e impacta nos índices de abstenção”, avalia.

Em 2020, mesmo com os idosos mais vulneráveis à Covid-19 e, portanto, mais receosos em sair de casa, o aumento no nível de abstenção foi impulsionado principalmente pelos mais jovens. A fuga de eleitores entre 18 e 29 anos foi de 23,5%, quase nove pontos percentuais acima da abstenção das eleições municipais de 2016.

No ano passado, as eleições municipais do Brasil tiveram uma abstenção próxima à da eleição presidencial dos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório. Os americanos registraram 33,3% de abstenção na disputa entre Joe Biden e Donald Trump, bem abaixo dos índices verificados nas eleições americanas anteriores e apenas quatro pontos percentuais acima do que o Brasil teve nas eleições de 2020.

O professor de Ciência Política da pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN), Homero Costa, autor de uma tese sobre a alienação eleitoral, ressalta que há uma crise de representatividade mundial, o que pode ser expresso na naturalização das abstenções em países onde o voto não é obrigatório em algo próximo de 50%.

Na França, nas últimas eleições regionais, realizadas no dia 20 de junho, as abstenções atingiram 68%, a maior taxa desde 1958, quando foi fundada a Quinta República francesa e criada a constituição que vigora até hoje. A redução na participação foi de 16 pontos percentuais em relação às eleições regionais anteriores, de seis anos atrás.

O ministro do Interior francês, Gerald Darmanin, se pronunciou no dia seguinte à votação deste ano e disse que a taxa de abstenção é uma mensagem da população. “Os franceses estão dizendo aos políticos que não confiam neles.” Ele preferiu não dizer o que esperar para 2022, quando também a França terá eleição presidencial.

Como contornar a desmobilização
Nos dois últimos pleitos, a desmobilização eleitoral no Brasil também esteve relacionada à redução do horário eleitoral, que caiu de 60 para 45 dias. “Sob o pretexto de garantir uma eleição mais barata, se diminuiu o debate político”, argumenta Fernando Vieira, diretor do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político).

Para ele, a “campanha permanente” surgiu como solução no marketing político para transpor a barreira da pouca exposição nas mídias tradicionais e do afastamento dos representantes com o eleitorado. O estilo conhecido nos Estados Unidos como “non-stop campaign” foi usado com êxito por Bolsonaro para que chegasse à eleição de 2018 na liderança das pesquisas. “O movimento do Bolsonaro foi deste tipo, estabelecendo pontos de conexão com o eleitorado praticamente a partir do dia seguinte ao das eleições de 2014. Ele entrou em campanha ‘full time’ via redes sociais”, reforça Vieira.

Quando assumiu o governo, Bolsonaro permaneceu em campanha, com lives semanais e atuação constante no Twitter, enquanto Lula também tem movimentado com frequência suas redes sociais depois da anulação dos processos contra si.

Para Deysi Cioccari, pesquisadora sobre Comunicação e Política com pós-doutorado pela Faculdade Cásper Líbero, o confinamento durante a pandemia aumentou o contato do público com os assuntos da política, principalmente pelas redes sociais, o que também pode favorecer uma maior participação nas urnas em 2022. “Não é que a gente está acompanhando mais a política, mas é que a política está chegando muito mais fácil para a gente”, observa.

Na avaliação da pesquisadora, o aumento da presença nas urnas em 2022 deve ser pontual, com um retorno à apatia no pós-eleição. “A política ainda é vista como algo desinteressante, ligado à corrupção e à mentira. E aquela pessoa que pega duas horas de ônibus para ir e duas para voltar do trabalho só quer chegar em casa e cuidar da vida dela.”

Para Emerson Cervi, da UFPR, uma reversão definitiva da apatia das pessoas passa necessariamente pela politização diária da população. “A gente não ter uma campanha negativa contra a política institucional criando uma opinião pública contrária a ela, já é um bom começo. Depois, é entender que a participação eleitoral é consequência de um processo que deve ser estimulado ao longo dos quatro anos”, afirma o professor.

CNN Brasil

 

 

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